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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Escândalo do MEC pode ser pior para Bolsonaro do que mensalão foi para Lula

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

26/06/2022 13h34

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Se os brasileiros estivessem com carrinhos de supermercado cheios e pagando seus boletos em dia, Bolsonaro poderia aparecer em uma foto com a mão em uma pilha de ouro ao lado dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, investigados pela Polícia Federal no escândalo do Ministério da Educação, que muitos diriam que ele estaria recuperando o metal. E não estou falando dos 17% que acreditam em tudo o que ele diz, segundo o Datafolha.

A questão não é solidariedade com corrupção, longe disso, mas pragmatismo eleitoral devido à economia. Afinal, na hora do cálculo racional do voto, a tendência de muitos que sabem o que é passar aperto é manter um governo que está dando certo em renda e inflação. Ainda mais, considerando que, para muita gente, em todo governo há corrupção e, com este, não seria diferente.

Mas, aos olhos dos mais pobres, o governo Bolsonaro não está dando certo.

Tanto que que a lembrança da "picanha e da cerveja" na mesa sob o governo Lula garantiu ao petista uma intenção de voto de 56% a 22% sobre Bolsonaro, entre quem ganha até dois salários mínimos, em junho, segundo o Datafolha. Em maio, quase o mesmo índice: 56% a 20%.

Lula foi reeleito, mesmo sob tiroteio das denúncias do mensalão, em 2006, pois a economia ia bem e havia a percepção de que haveria comida na mesa. Teve até mais votos no segundo turno do que no primeiro, ironicamente contra Geraldo Alckmin, hoje, candidato a vice em sua chapa.

Agora, contudo, a situação econômica está sinistra, o que não dará a Bolsonaro o benefício da dúvida. Principalmente, junto a uma parte do eleitorado que ainda o vê como honesto, apesar das denúncias de desvios de recursos públicos via rachadinhas, pedidos de propinas para a compra de vacinas para covid-19, sobrepreço em compras de kits de robótica e Viagra, entre outras sacanagens.

Pesquisa Datafolha, divulgada neste domingo (26), mostra que 63% esperam que a inflação vá aumentar ainda mais. O número é uma síntese da tempestade que o presidente Jair Bolsonaro enfrenta

O "pressentimento" (para usar uma palavra eternizada pelo diálogo de Jair Bolsonaro com ex-ministro Milton Ribeiro, citado em investigação da Polícia Federal) da população é que a economia vai melhorar e, com ela, a vida de cada um, o que mostra que há possibilidade de crescimento para o presidente. Por exemplo, há um empate técnico entre os que acreditam que a economia vá piorar (34%) e melhorar (33%). E 47% avaliam que sua situação pessoal vá melhorar, frente a 35% que acha que ficará como está.

Mas isso ainda não veio de forma a garantir tranquilidade às famílias. Tanto que, por enquanto, 34% acreditam que o poder de compra do salário vai diminuir, 33%, fica como está, e 29%, aumentar.

Soma-se a isso o fato que, segundo dados do próprio governo federal, o salário médio dos trabalhadores contratados em abril deste ano foi 9,34% menor que os verificados em janeiro de 2020, mesmo descontada a inflação. Ou seja, o nível de emprego está melhorando, mas as pessoas têm que trabalhar quase 10% a mais ganhar o mesmo que antes.

Como o dia não tem 26 horas, o jeito é reduzir a quantidade de comida no carrinho de supermercado, que já estava menor por conta da inflação. Os 12,04% para os últimos 12 meses, registrados na prévia de junho pelo IPCA-15, encobrem que alta da cesta básica é bem maior, atingindo os mais pobres. Em São Paulo, ela foi de 22,24%, em Florianópolis, 21,32%.

Bolsonaro tenta ganhar tempo. Incapaz de dar boas notícias sobre a inflação e sobre a renda dos trabalhadores, ele desembesta a falar de armas, aborto, gênero, religião e comunismo a fim de entreter e distrair a multidão. Flerta com golpe de Estado. O povo tá com fome? Que coma motociata.

No momento em que tentava apresentar soluções (mambembes e eleitoreiras, claro) para a renda dos mais pobres e os preços dos combustíveis, eis que surge um escândalo que envolve uma organização criminosa atuando no MEC, mas também um presidente que instrumentaliza a cúpula da Polícia Federal para minar esforços da própria instituição no combate à corrupção.

Sem a economia para lhe dar guarida, e com uma denúncia grave na mesa, fica mais difícil para os bolsonaristas convencerem voto no "mito". Porque são duas pechas simultâneas a enfrentar: a de incompetente e corrupto.