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Ex da Caixa encontrou no governo terreno fértil para o sadismo corporativo
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Pedro Guimarães trouxe o que há de pior na iniciativa privada para a Caixa. Para além dos relatos de que apalpava nádegas e seios de trabalhadoras, denúncias agora mostram que ele adotava a humilhação como instrumento de treinamento, colocando até pimenta na comida de funcionários para "incentivá-los".
Mais do que isso, agia como uma divindade onisciente. "Caguei para a opinião de vocês porque eu que mando. Não estou perguntando", afirmou Guimarães à sua equipe, segundo o portal Metrópoles. O que mostra que não era apenas assediador sexual e moral, mas um gestor que não ouve. Um péssimo gestor.
Infelizmente, a tortura por resultados é prática sistematicamente aplicada por empresários, executivos, gerentes e superintendentes no Brasil, muitos dos quais batem palmas de pé quando Bolsonaro diz que trabalhadores têm direitos demais no Brasil.
Pedro Guimarães encontrou um terreno fértil para o seu sadismo corporativo e sua agressividade sexual no governo Bolsonaro. Afinal, ele tinha como referência uma pessoa que não se enxerga como servidor público, obrigado a seguir leis e normas, nem mesmo como dono de um negócio, que também está sujeito a regras, mas como uma déspota.
Coincidentemente, a demissão de Pedro Guimarães aconteceu na mesma quarta em que o Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou uma goleada, de 4 votos a 1, a favor de confirmar a condenação de Bolsonaro por atacar a jornalista Patrícia Campos Mello. Ele insinuou, de maneira vil, que ela - uma das mais importantes repórteres deste país - teria trocado sexo por informações contra ele.
Bolsonaro agride jornalistas homens e mulheres, mas os golpes mais violentos e criminosos ele guarda para elas. Da mesma forma que Pedro Guimarães maltratava, sim, funcionários homens e mulheres, mas elas ainda tinham que aguentar os seus ataques sexuais. Como Bolsonaro não ia amar um assessor que tentava nele se espelhar?
Nesse sentido, a recusa de Jair Bolsonaro em demonstrar solidariedade às trabalhadoras que relataram pressão por sexo, apalpadas de nádegas e de seios e propostas de suruba pelo, agora, ex-presidente da Caixa, é apoio explícito ao comportamento de Pedro Guimarães. E, indiretamente, a si mesmo.
Como presidente da República e chefe do assediador, Bolsonaro deveria ter se manifestado publicamente. Falou mais alto o compadrio com aquele que era considerado sua "sombra", carregando-o rotineiramente em lives, viagens e eventos não apenas para falar de auxílio emergencial e Auxílio Brasil, mas para defender porte de armas e chorar de emoção com as cascatas de Jair.
O governo não queria ter demitido um dos seus principais nomes, mas a situação ficou insustentável após reportagem de Rodrigo Rangel, do Metrópoles, mostrar que Guimarães seguia rigorosamente a cartilha bolsonarista de misoginia.
A cúpula do governo sabia que ele via funcionárias como objetos sexuais, mas não fez nada. Ele só caiu para não atrapalhar a reeleição de Jair.
Como já comentei aqui no UOL, logo após a demissão do ex-chefão da Caixa, se não estivéssemos em ano eleitoral, Bolsonaro teria feito de tudo para mantê-lo. Nas redes sociais, o fato de ele ter se tornado alvo de investigação por assédio sexual no Ministério Público Federal foi tratado quase como um troféu para uma parte do bolsonarismo.
Rasgar a lei e a ética é item de currículo bastante apreciado pelo presidente.
Mas há uma parcela das mulheres que reprova Bolsonaro por seu comportamento historicamente misógino e violento. Outra por sua necropolítica, agindo para liberar armas e sabotar o combate à covid-19. E há aquelas que sofrem duramente com a inflação e a queda de renda porque são as responsáveis pelo bem-estar de suas famílias.
Somando tudo isso, Jair tem 21% de intenções de voto, enquanto Lula ostenta 49% entre as mulheres. E é por isso, e só por isso, que Pedro não ganhou um brinde com cerveja numa roda entre amigos diante dos relatos, mas foi defenestrado. Se Jair ganhar, ele volta. Ah, se volta.