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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pobre troca carne por frango, frango por ovo, ovo por fome e leite por água

Pessoas são flagradas recolhendo alimentos de caminhão de lixo na região central do Rio - Onofre Veras/TheNews2/Agência O Globo
Pessoas são flagradas recolhendo alimentos de caminhão de lixo na região central do Rio Imagem: Onofre Veras/TheNews2/Agência O Globo

Colunista do UOL

19/07/2022 14h47

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Enquanto monopoliza a agenda nacional com ameaças de golpe de Estado, o presidente da República foge de falar sobre o alto preço dos alimentos - que não deve dar um alívio mesmo com a deflação trazida pela queda nos combustíveis.

De acordo com o último informe da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), "a demanda por carne bovina segue fraca, com preços bem elevados frente à queda no poder aquisitivo dos consumidores". Mesmo com uma recente redução no produto, ele segue tão caro que afasta os brasileiros.

A Conab avalia que houve uma demanda acentuada pelo frango "em virtude dos altos preços da concorrente bovina". Mas o aumento na demanda interna e externa pelo produto encareceu o valor cobrado pelo quilo. O que ajudou a espanar parte dos que consumiam a ave devido à baixa em seu poder aquisitivo.

O refúgio natural seria o ovo. O problema é que um levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento de Tributação (IBPT) apontou que a dúzia de ovos registrou alta de 202,13% durante a pandemia, de março de 2020 a maio deste ano. Isso afeta a população de mais baixa renda, que encontrava no produto uma fonte de proteína.

No mesmo período, levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que o aumento da carne bovina (42,6%) foi mais que o dobro da inflação geral (19,4%).

Sobrou para quem não consegue comprar carne, frango e ovo ser criativo para alimentar os filhos. No ano passado, tivemos cenas que ficaram tristemente célebres, como as de famílias revirando uma caçamba de um caminhão de lixo em Fortaleza e de pessoas disputando uma doação de ossos de boi no Rio de Janeiro.

Isso, infelizmente, não ficou para trás, tanto que no último dia 11, família remexiam a caçamba de um caminhão de lixo atrás de restos comestíveis.

Não são as únicas em situação de penúria. Em menos de dois anos, o número de famintos subiu de 19 milhões para 33,1 milhões, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar.

Depois da carne, o leite se tornou produto de luxo na mesa e na cozinha. De acordo com o levantamento mensal de preços do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), divulgado no dia 6, o litro de leite subiu em todas as 17 capitais avaliadas pelo instituto. Em alguns lugares, já há marcas vendidas a R$ 10.

Em Belo Horizonte, o litro de leite integral UHT aumentou 23,09% entre maio e junho, seguida por Porto Alegre (14,67%), Campo Grande (12,95%) e Rio de Janeiro (11,09%). Em São Paulo, a subida foi de 9,3%. No acumulado de 12 meses, BH teve alta de 48,89%, Florianópolis, 46,7%, Porto Alegre, 44,55% e São Paulo, 29,66%. Há fatores sazonais e climáticos, mas também há o impacto da inflação.

Comprava-se um quilo de frango com R$ 1 em 1994. Não é de se estranhar, portanto, que a ave se tornou um dos símbolos do Plano Real, tendo ajudado a eleger Fernando Henrique Cardoso duas vezes. Entre aquele ano e 1997, o consumo subiu 40%.

Já a aquisição de carne bovina foi adotada por Luiz Inácio Lula da Silva como referência de seu governo. Tanto que, hoje, a memória do churrasco de "picanha" é frequentemente resgatada por ele para lembrar aos eleitores da "fartura" durante sua gestão e pedir votos.

O governo Jair Bolsonaro, que negou propostas do Congresso para garantir R$ 600 aos brasileiros mais vulneráveis no ano passado, quando a fome estava escalando, agora corre para pagar esse valor como Auxílio Brasil a fim de conseguir votos na eleição de outubro.

Esse alento para as famílias que estão vivendo de restos e água só dura até o final das eleições. Em 2023, o auxílio desaparece.

A questão é se vai dar tempo para que o acréscimo de R$ 200 se faça sentir entre o eleitorado mais pobre - que, hoje, vota em sua maioria em Lula. Não à toa, portanto, que, no Congresso Nacional, a ideia golpista de postergar as eleições presidenciais caso a violência política escale esteja circulando.

Bolsonaro precisa atrair toda a atenção possível da sociedade até que o efeito da PEC da Compra dos Votos seja sentido pelo povão. Os shows de horror golpistas, como aquele voltado a seus seguidores e que teve embaixadores como figurantes, nesta segunda (18), são úteis para isso.

E se a tática da compra votos não funcionar, daí coitada de nossa democracia.