Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Quem são os eleitores que podem 'trair' Lula com Bolsonaro e vice-versa
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O nível de consolidação do voto dos dois principais concorrentes ao Palácio do Planalto segue alto. Bolsonaro oscilou três pontos para cima e, agora, 89% de seus eleitores dizem que estão com a decisão tomada, segundo a pesquisa BTG/FSG, divulgada nesta segunda (22). Lula manteve os 81% do levantamento anterior.
Por outro lado, entre os eleitores que admitem mudar de voto até outubro, há um grupo de 31% de lulistas que afirmam que podem escolher Bolsonaro e de 26% de bolsonaristas que confessam que podem ir de Lula. Hoje, o petista tem 45% e o presidente, 36%, segundo a BTG/FSB.
Da última vez que tratei deste dado aqui, consegui a unanimidade de ser atacado dos dois lados. Em uma eleição ultrapolarizada, é praticamente um crime dizer que alguém pode "trair" um lado ou outro.
Mas o que a pesquisa mostra é que existe um eleitor atraído tanto pela segurança material do legado de Lula quanto pelo discurso de costumes e comportamento de Bolsonaro. E que pode flutuar de um lado a outro, dependendo dos estímulos que receber daqui até as eleições.
Pode ser influenciado tanto pela erosão do poder de compra decorrente dos altos patamares dos preços - a inflação acumulada no ano está freando, mas os alimentos continuam caros. Mas também em decorrência da hiperpolitização dos púlpitos de grandes igrejas evangélicas, que tentam transformar o pleito em uma guerra santa.
A professora e pesquisadora Esther Solano, da Unifesp, especialista no comportamento desse eleitorado, já explicou para os leitores desta coluna que o público que não está polarizado, nem é militante, tem pautas que os conectam aos dois. "Ou seja, eles não encontram em um único candidato quem as responda de forma completa", disse.
Por exemplo, ela identificou eleitores, em 2018, que já haviam votado em Lula e optaram por Bolsonaro por estarem frustrados após o bombardeio da retórica lavajatista de roubalheira petista e por conta da economia no governo Dilma Rousseff. Mas não necessariamente com Lula. E apesar do líder petista aparecer na simbologia lavajatista como grande chefe de quadrilha, esse eleitor manteve uma conexão com ele.
"Hoje, esse eleitor, sobretudo nas classes C e D, movido fundamentalmente por uma urgência material, lembra de como era o governo Lula no passado e reativa a sua memória. E o legado lulista é algo poderoso: 'eu comia carne, pagava contas, chegava ao final do mês'. Há uma reconexão pragmática com ele", explica.
Mas, se uma parte se reconecta a Lula, com base no legado de cuidado dos pobres do passado, outra se desconecta dele pela pauta moral, simbólica e de costumes ligada a Bolsonaro. "Entrevistei público que disse 'eu queria votar no Lula porque ele cuidava dos pobres, a gente conseguia comer bem naquele tempo, mas se ele continuar falando de aborto, eu voto no Bolsonaro."
A campanha do atual presidente tem conseguido explorar esse ponto com a ajuda de líderes de grandes igrejas evangélicas, que hiperpolitizaram seus púlpitos há alguns meses, usando templos para criticar Lula e defender Bolsonaro. A sua esposa, Michelle Bolsonaro, é parte desse processo.
Para garantir que esse eleitorado não migre, a campanha lulista está respondendo à retórica de demonização contra o ex-presidente, mas evitando ser sequestrado por essa pauta. Reage às acusações de que o seu governo vá destruir as famílias evangélicas através de "ideologia de gênero" e lembra que Lula tem a imagem relacionada ao cuidado com os mais pobres, atendendo ao chamado cristão. Mesmo assim, segue perdendo terreno.
Há uma parte desse grupo desiludida com Bolsonaro, mas que também não se vê enxergada por Lula. O desafio é exatamente tentar entende-los para além de chama-los de radicais, de um lado, ou trata-los como rebanho, do outro.