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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Rejeitado por 55% das mulheres, Bolsonaro quer convencer que ele é a vítima

Jair Bolsonaro no debate promovido por UOL, Folha, Band e TV Cultura                             - MIGUEL SCHINCARIOL / AFP
Jair Bolsonaro no debate promovido por UOL, Folha, Band e TV Cultura Imagem: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP

Colunista do UOL

03/09/2022 11h13

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Com alta taxa de rejeição entre eleitoras e a dificuldade de abandonar o comportamento machista, Jair Bolsonaro (PL) tem nova estratégia: alegou duas vezes em menos de uma semana que as mulheres são defendidas de ofensas proferidas por ele pelo fato de serem mulheres e não por estarem corretas.

Nesta sexta (2), o presidente afirmou nas redes sociais que "quando se usa da condição biológica como escudo para ser desrespeitoso e se blindar de resposta à altura, a igualdade dá lugar ao oportunismo". O fato ocorre após ataques que ele fez à advogada Gabriela Prioli.

A declaração tem o mesmo sentido da resposta que ele deu à senadora Simone Tebet (MDB), no debate presidencial do último domingo, quando ela fez uma pergunta sobre o seu comportamento com as mulheres após ataque misógino que ele desferiu contra a jornalista Vera Magalhães.

"Não cola mais. Não cola isso. Uma mulher se, porventura, faz algo errado, ela tem que responder por isso. E não ser defendida só porque é mulher. Chega de vitimismo. Somos todos iguais", disse. "Para com essa mania. Faz política, fala coisa séria. Não fica aqui fazendo joguinho de mimimi."

Bolsonaro responder por seus ataques machistas clamando por igualdade de gênero é, no mínimo, surreal. Mas isso, como sempre, tem método.

A repetição dessa ideia em dois contextos que envolveram ataques a mulheres entrega uma justificativa a ser usada e compartilhada por seus seguidores quando ele for acusado de machismo.

Em redes sociais e grupos de aplicativos de mensagens bolsonaristas, esse processo já está acontecendo.

A coluna teve acesso a conteúdos que rebatem as reclamações pelos ataques do presidente na última semana, afirmando que isso é fruto de "papagaios petistas escravos de mulheres", que "ninguém ouve o que essas petistas disseram, apenas repetem os ataques ao capitão com medo de serem chamados de machistas" e "quem não aguenta a brincadeira não deve descer pro play".

Ao mesmo tempo, isso reforça que o presidente passou por treinamento para responder às acusações e está fazendo uso dele. Particularmente, creio que um profissional que ignore o mínimo do bom senso e aceite trabalhar com seu cliente uma justificativa como essa deveria repensar um pouco a própria carreira.

O treinamento não incluiu reduzir o machismo. Questionado, nesta sexta (2), sobre o atentado contra a vida da vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, ele respondeu: "Mandei uma notinha, eu lamento. Agora, quando eu levei a facada teve gente que vibrou por aí. Lamento, já tem gente querendo botar na minha conta, já esse problema". Ou seja, chamado a se manifestar sobre um atentado contra uma mulher, Bolsonaro não se aguentou e teve que falar dele próprio.

Rejeição de Bolsonaro entre mulheres oscilou de 53% para 55% no Datafolha

O presidente afirmou no debate de domingo (28): "eu tenho certeza, uma grande parte das mulheres do Brasil me ama". Não é desprezível o total de eleitoras dele, mas a maioria das mulheres o rejeita, segundo as pesquisas.

A preferência por Jair Bolsonaro entre as mulheres oscilou de 28% para 29% e a rejeição, de 53% para 55%, ou seja, dentro da margem de erro, nas últimas duas semanas, segundo o Datafolha divulgado nesta quinta (1).

Entre uma pesquisa e outra, o presidente foi acusado de machista no debate e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, apareceu intensamente na propaganda de rádio e TV para tentar reverter os danos causados.

Na rejeição do eleitorado feminino, ele registra 20 pontos a mais que seu principal adversário, Lula - que passou de 34% para 35% entre as que não votariam nele de jeito nenhum.

Esses números ajudam a explicar a razão de a intenção de voto do presidente ter permanecido em 32%, considerando o eleitorado em geral. Seu principal adversário, Lula (PT), passou de 47% para 48%, de intenção de votos entre as mulheres. No geral, oscilou de 47% para 45%, dentro da margem de erro de dois pontos.

Alvo do machismo de Bolsonaro no evento patrocinado por UOL, Folha, Band e TV Cultura, Tebet subiu de 2% para 6% entre as mulheres. No geral, foi de 2% para 5%, enquanto Ciro Gomes passou de 7% para 9% - os dois foram considerados os melhores no debate.

Pouco antes do novo levantamento Datafolha ser divulgado, o presidente fez uma piada machista, em sua live semanal de quinta, afirmando que notícia boa para mulher é "beijinho, rosa, presente, férias".

Mulheres pobres sofreram com inflação alta e queda de renda sob Bolsonaro

Pesquisa qualitativa do Datafolha, organizada durante o debate para medir o humor dos eleitores apontou que indecisos, não convictos e dispostos a votar em branco já haviam ficado insatisfeitos com o machismo de Bolsonaro.

Tal comportamento pode excitar o seu eleitorado cativo, mas afasta pessoas de quem ele precisa para vencer a eleição. E isso é quase um mantra do centrão no ouvido do presidente. O núcleo mais radical de suas campanha acredita que pode atrair essas eleitoras pelo impacto do Auxílio Brasil, que ainda não veio, e pela promoção do antipetismo.

A campanha de Bolsonaro passou a semana tentando consertar o estrago reforçando a primeira-dama no horário eleitoral de rádio e TV. Ela, que já vinha sendo escalada para convencer as eleitoras de que o marido "gosta das mulheres", passou a trabalhar dobrado.

Uma inserção de TV em que Michelle fala com a "mulher sertaneja" foi alvo de uma representação por ignorar as regras da propaganda eleitoral. Nela, ela louva o projeto de transposição de águas do rio São Francisco, dizendo que ele é um "presente" para elas. A obra, tocada nos governos Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, vale ressaltar, não é presente, mas promessa antiga.

A propaganda era voltada às mulheres mais pobres, cuja maioria não acompanha o debate sobre machismo.

Os impactos da crise econômica se fizeram sentir mais entre elas (principalmente as negras) do que entre os homens, de acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE. Não apenas porque elas foram atingidas em cheio pela inflação, pelo desemprego e pela queda de renda, mas também porque muitas delas são as responsáveis pelo bem-estar de suas famílias.