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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Perseguição bolsonarista dentro das igrejas já faz do Brasil uma Nicarágua

Bolsonarista discute com jornalista enquanto bebe cerveja no santuário de Aparecida                   - Reprodução
Bolsonarista discute com jornalista enquanto bebe cerveja no santuário de Aparecida Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

19/10/2022 10h05

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"Cheguei a mentir, dizendo que vou votar no presidente, porque fico com medo, né? A gente vê como está sendo tratado quem vota no Lula na igreja. Tem gente aqui que deixou de vir porque se sentiu ameaçada. Pô... Deus é amor, não é isso não."

A declaração, dada à coluna por um membro de uma igreja evangélica da zona sul de São Paulo que pediu para não ser identificado, não tem gosto de novidade. O Brasil está vivendo dias tensos neste segundo turno com o comportamento de algumas lideranças religiosas e grupos bolsonaristas que espalham o terror em quem não vota em seu candidato.

De acordo com Eloísa Machado, professora da FGV Direito-SP, se não houver providências por parte da Justiça nacional por conta desse assédio em igrejas, o Brasil pode vir a ser alvo de ação em um tribunal internacional. E a questão, em sua avaliação, não é apenas de perseguição política.

"Entendo que é perseguição religiosa também porque ela ocorre no espaço da religião e atrela a posição política a ser um bom ou mau religioso, o que promove a exclusão daquele espaço de crença e culto", avalia a jurista.

Ironicamente, apesar dessa perseguição religiosa contra críticos do governo Bolsonaro, apoiadores do presidente bradam que são eles que estão sendo perseguidos. Acusam que Lula fechará igrejas caso eleito, mesmo que milhares de templos tenham sido abertos durante seu governo. E o comparam de forma descabida ao autoritário Daniel Ortega, na Nicarágua, para dizer que perseguirá cristãos que pensam diferente dele.

As cenas de padres vaiados ao pedirem para a fome ser combatida no Brasil, no dia de Nossa Senhora, na Basílica de Aparecida, por fiéis bolsonaristas que acreditam que não existe fome porque o presidente assim decretou é um exemplo dessa perseguição. O caso de um rapaz assediado por uma horda que se diz cristã no santuário simplesmente por estar vestindo vermelho é outro.

Esse comportamento ensandecido já atingiu a cúpula da igreja. O arcebispo de São Paulo, Odilo Scherer, após acusações de seguidores do presidente teve que vir a público para explicar que a vestimenta dos cardeais é vermelha porque na igreja ela representa a prontidão ao martírio.

"Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!", postou em sua conta nas redes sociais no domingo (16).

Quem conhece Scherer sabe que está longe de ser comunista. Mas por ser contra a instrumentalização da fé nas eleições, como outros na CNBB, é tachado como tal por uma turba que, pelo jeito, não sabe o que significa ser comunista, nem o que é ser cristão.

O mesmo não pode ser dito de algumas lideranças, como Silas Malafaia, um dos mais importantes aliados do presidente da República. Por conta das polêmicas em Aparecida, ele sugeriu que lideranças católicas eram "apadrinhadas de Lula".

A hiperpolitização dos púlpitos, que se intensificou entre abril e maio deste ano, transformou algumas igrejas em comitês eleitorais. E quem discorda desse alinhamento vem sendo ameaçado, expulso ou pior.

Após um pastor associar o diabo ao PT no culto, um fiel reclamou do envolvimento da igreja nesse debate e foi chamado de demônio. Segundo o fiel, sua família parou de ser cumprimentada na igreja e começou a ser ameaçada. Até que, no dia 31 de agosto, após uma discussão dentro da igreja, seu irmão foi baleado com um tiro que atravessou as duas pernas por um policial. O culto continuou mesmo assim.

Para tentar evitar danos à imagem do presidente, bolsonaristas passaram a vender a mentira de que o tiro partiu de um petista.

Mas isso também traz efeitos colaterais. Após lideranças de igrejas que se aliaram ao presidente passarem a substituir tempo de pregação da palavra de Deus pela defesa veemente de que Bolsonaro representa Jeová e Lula, Lúcifer, muitos eleitores evangélicos se empapuçaram com a hiperpolitização. E o número de reclamações subiu frente a pastores que ignoram o "Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus", presente no capítulo 22 do Evangelho de Mateus.

Lula reagiu. O PT preparou uma carta para esse grupo e começou uma contra-ofensiva, com o ex-presidente falando de paz, amor e de temas que interessam às famílias. Tem organizado encontro com evangélicos e preparado peças publicitárias voltadas a eles, afirmando que a liberdade religiosa continuará em seu governo.

A movimentação não fará com que Lula encoste em Bolsonaro junto esse público. Mas o petista reforçou um ponto que os evangélicos consideram importante: mostrar que ele se importa com eles. Soma-se a tudo isso o fato que há uma percepção de que, apesar de subir em caminhões na Marcha para Jesus ou de participar de cultos em igrejas, Jair não tem atitudes cristãs. Por exemplo, quando diz que "pintou um clima" entre ele e meninas refugiadas venezuelanas de 14 anos.