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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Extrema direita joga militância contra PL das Fake News deturpando censura

Pablo Valadares/Ag. Câmara
Imagem: Pablo Valadares/Ag. Câmara

Colunista do UOL

03/05/2023 04h00

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Não foi apenas o forte lobby das plataformas de redes sociais, a extrema direita foi bem-sucedida em segurar o avanço do PL das Fake News. Para isso, usa uma velha estratégia: ativa sua militância gritando "censura", mesmo sem evidências disso. E ela responde de forma treinada e organizada.

Nesta terça (2), o relator Orlando Silva (PC do B-SP) retirou o projeto 2630/2020 de pauta. A avaliação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é de que não havia certeza de aprovação por conta das defecções nos últimos dias em decorrência da campanha contra o PL. E a campanha girou em torno de falsas acusações de que, aprovada, a lei irá censurar postagens individuais de versículos da Bíblia, fotos de família, críticas a governos.

Na verdade, o projeto não pune publicações de usuários, mas obriga as plataformas a atuarem para evitar a disseminação de ódio contra pessoas, grupos e o Estado democrático de direito de uma maneira geral.

O termo "censura" funciona há tempos como um gatilho para mobilizar bolsonaristas e ultraconservadores. Costuma ser empregado por lideranças desses grupos quando o seu "direito" de calar ou incitar violência contra mulheres, negros, religiões de matriz africana, pessoas LGBTQIA+ está em risco.

Desta vez, esse gatilho encontrou um terreno fértil devido ao engajamento das plataformas, como o Google - que lutam contra o projeto não por liberdade de expressão, mas para evitar o gasto bilionário que terão que fazer para o monitoramento de crimes em suas redes sociais caso o PL vire lei.

Claro que há muita gente que critica com argumentos que o PL das Fake News pode ser um risco à liberdade de expressão. A questão aqui são aqueles que o atacam seguindo a manada. Nesse caso, o termo "censura" ganha o mesmo status de "comunista" - que muita gente tem ojeriza sem saber explicar direito o que é.

Fomentar golpe de Estado é a maior das censuras

Reportagens publicadas em grandes veículos de imprensa nos Estados Unidos baseadas em documentos internos vazados das plataformas mostraram que elas poderiam ter evitado serem usadas como um canal para a convocação da invasão do Congresso norte-americano em 6 de janeiro de 2021. Por aqui, WhatsApp e Telegram, além das plataformas de redes sociais, foram usados, à luz do dia, a fim de convocar à "Festa da Selma" - codinome do ato golpista de 8 de janeiro, que vandalizou o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF.

Bia Barbosa, coordenadora de incidência da Repórteres Sem Fronteiras na América Latina, está participando de um evento na sede das Nações Unidas, em Nova York, sobre 30 anos do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado nesta quarta (3). "Em todos os painéis o tema da regulação das plataformas apareceu como um dos maiores desafios para se garantir condições livres e seguras para o exercício do jornalismo", afirmou à coluna.

"Diariamente, milhares de jornalistas são agredidos, assediados e silenciados nas redes sociais. A Unesco e jornalistas de todo mundo reunidos hoje aqui afirmam a importância da regulação. No Brasil, a extrema direita grita que é censura e metade do parlamento acredita", lamenta.

Toda balbúrdia criada em torno do debate do PL das Fake News pode, contudo, ter sido bastante didática.

"A principal lição desse episódio é que faltou comunicação e democracia. Claramente, a posição mais sensata que é a da regulação, equilibrada, bem desenhada, democrática, conseguiu perder o debate público por uma acusação muito grosseira de que era censura", afirma Pablo Ortellado, professor do curso de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital. Para ele, faltou uma estratégia do governo e de sua base no Congresso para comunicar o que acontecia à sociedade de forma transparente.

Bolsonarismo não se preocupou com censuras de Bolsonaro

O bolsonarismo reclama de censura sendo que Jair Bolsonaro agiu sistematicamente para calar críticos durante os quatro anos de seu governo.

Usou a Advocacia-Geral da União para promover assédio judicial contra profissionais de imprensa. Bloqueou jornalistas em suas redes sociais para não acessarem o que ele postava. Jogou seus militantes do cercadinho do Palácio do Alvorada para cima de repórteres. Por chamar Bolsonaro de "genocida", o comunicador e empresário Felipe Neto foi intimado a depor, em 2021, na Polícia Civil do Rio de Janeiro, com base na Lei de Segurança Nacional, após pedido do vereador Carlos Bolsonaro.

Jair demonstrou, ao longo do seu mandato, uma visão distorcida da liberdade de expressão. Considerava que, por estar em uma democracia, tinha a liberdade de atacar e limitar as liberdades de outras pessoas e não ser devidamente responsabilizado por isso.

Quando instado a seguir regras, reclamava de "censura". Quando tentava calar outras pessoas, exigia "liberdade".

Intolerantes argumentam que devem ter liberdade absoluta, o que significa poder para destruir a liberdade alheia. A questão é que não existem direitos absolutos, nem a vida é, caso contrário, não teríamos a legítima defesa. Nossas liberdades são limitadas pela dignidade dos outros.

Pressionado pelo Supremo Tribunal Federal a apresentar provas de que as eleições de 2018 e 2014 haviam sido fraudadas como Bolsonaro acusou, o seu governo afirmou que essa cobrança impunha "uma verdadeira censura ao direito fundamental da livre expressão do pensamento do cidadão Jair Messias". Ou seja, o governo considerava que ele, por estar em uma democracia, teria a liberdade de jogar a população contra a Justiça Eleitoral.

Basicamente apelava para o "paradoxo da tolerância". Se uma sociedade tolerante aceita a intolerância como parte da liberdade de expressão ela pode vir a ser destruída pelos intolerantes. Como analisou o filósofo Karl Popper, a liberdade irrestrita leva ao fim da liberdade da mesma forma que a tolerância irrestrita pode levar ao fim da tolerância.

Quanto maior o megafone, a gravidade da mensagem e seus efeitos violentos, maior a responsabilidade do emissor da informação. Ironicamente, contudo, tem sido mais fácil as plataformas restringirem discurso de ódio do tiozão do zap do que de um presidente da República que fomenta um golpe de Estado. Tiozão do zap que grita "censura" para proteger a sua liderança, enquanto enquanto ela empurrava a democracia para o vinagre.