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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ao cancelar perdão a Daniel Silveira, STF o coloca no caminho da delação

O presidente Jair Bolsonaro (PL) e Daniel Silveira (PTB) - Carl de Souza/AFP
O presidente Jair Bolsonaro (PL) e Daniel Silveira (PTB) Imagem: Carl de Souza/AFP

Colunista do UOL

04/05/2023 19h41

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A derrubada do perdão de Jair Bolsonaro a Daniel "Surra de Gato Morto" Silveira pela maioria dos ministros do STF, nesta quinta (4), coloca o ex-deputado federal no caminho de uma delação premiada. Amargando uma cana em Bangu desde o começo do ano, o antigo "mártir do bolsonarismo" está abatido, acreditando que foi abandonado pelos aliados.

Em abril de 2022, Silveira havia sido condenado a oito anos e nove meses de cadeia, à multa, à perda de seu mandato e à suspensão de direitos políticos por atacar a democracia e ameaçar os ministros do STF. Nas semanas que antecederam à decisão do tribunal, a máquina bolsonarista de guerra em redes sociais e aplicativos de mensagens agiu para vender o deputado como um herói que estava para ser sacrificado.

Em uma inversão de valores, martelou-se a ideia de que ele representava uma cruzada pela liberdade de expressão, quando, na verdade, Daniel Silveira estava usando os seus direitos previstos na Constituição para ameaçar direitos previstos na Constituição. O vídeo em que incitou violência contra ministros do STF surpreende pela agressividade. É bizarro mesmo para uma pessoa que ficou nacionalmente conhecida por depredar uma homenagem à Marielle Franco, vereadora que havia sido recém-executada no Rio de Janeiro.

Naquele momento, Bolsonaro defendeu Silveira e atacou o STF, dando ordem unida a seus aliados no Congresso e nas redes para fazerem o mesmo. Disse que não aceitaria uma condenação do deputado - até porque isso significaria, indiretamente, um limite imposto às estripulias do próprio Jair.

Daí, horas depois da sentença veio a graça presidencial. O desvio de finalidade foi completo, pois Bolsonaro 1) perdoou um aliado e amigo, 2) condenado por atacar o Estado Democrático de Direito, ou seja, os mesmos crimes que ele cometia, 3) para esfregar na cara do STF de que a corte não vale nada, 4) e aguardar um acirramento na relação entre os poderes às vésperas da eleição.

Com todas as críticas que lhe são cabidas, o STF foi um dos únicos entraves entre Jair Bolsonaro e uma tentativa de golpe de Estado por anos. Por conta disso, desde o início de seu governo, ele agiu para corroer a autoridade e a credibilidade da corte e, por conseguinte, a própria Constituição.

Quando se fala em golpe de Estado, a imagem histórica remete a uma fila de tanques descendo de Minas Gerais até o Rio de Janeiro e a imagem moderna aponta para um cabo e um soldado batendo na porta do STF. Mas isso é desnecessário. Para um golpe basta que o Poder Executivo passe a governar no arrepio da Constituição, ignorando ordens judiciais e leis.

Por exemplo, no perdão a Daniel Silveira, o presidente deixou claro que não estava simplesmente concedendo uma graça, mas atuando como instância revisora do STF ao afirmar que isso ocorria "em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão".

E depois que um golpe de Estado é tentado, no dia 8 de janeiro, o ex-presidente ainda tem a falta de coragem de dizer que não teve nada a ver.

Daniel Silveira não foi um herói da liberdade. Pelo contrário, ele fez uso de seus direitos para atacar direitos de terceiros, exigindo que a sociedade fosse tolerante com sua intolerância - paradoxo que, quando ignorado, leva, inexoravelmente ao declínio e extinção da democracia.

Ele sabe que é tradição de Jair abandonar os aliados à beira da estrada na medida que não forem mais úteis. O antigo "mártir do bolsonarismo" não é mais útil.

Para diminuir sua pena, ele poderia contar segredos de planos golpistas. O senador Marcos do Val (Podemos-ES) relatou que recebeu do então deputado ao lado do ainda presidente, uma proposta para armar uma arapuca do tipo "teste de fidelidade" para cima do ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes. A ideia era provar que ele trairia a Constituição e, a partir daí, baixar um golpe. Depois, diante da reação do campo bolsonarista, Do Val veio a público dizer que tudo não passava de um traque para enganar a imprensa.

Silveira bem poderia falar sobre mais sobre esse traque. Aliados relatam que ele está chateado, sentindo que foi esquecido. E foi mesmo, tal como Anderson Torres também foi e Mauro Cid também será. Sabe o que pode melhorar esse sentimento, Daniel? Delatar. Delatar é libertador.