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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Deltan reclama de milhares vozes caladas, mas esquece das milhões que calou

Colunista do UOL

17/05/2023 20h26

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É irônico que Deltan Dallagnol e aliados afirmem que quase 345 mil vozes paranaenses foram caladas com a fundamentada decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral de cassar o seu mandato nesta terça (16). Pois ele ajudou a calar dezenas de milhões de eleitores ao retirar Lula da eleição de 2018 com uma condenação posteriormente anulada pelo STF por ser considerada irregular.

Pesquisa Datafolha de 22 de agosto de 2018 apontava Lula com 39% das intenções de voto, e Bolsonaro com 19%. Considerando que o Brasil contava com 147,3 milhões de eleitores aptos a ir às urnas naquele ano, isso equivale a 57,4 milhões de pessoas que não puderam votar em quem desejavam porque o seu candidato foi retirado do pleito por causa de um conluio entre juiz e acusação.

Ações do então procurador da República Deltan Dallagnol levaram a 15 procedimentos administrativos no Conselho Nacional do Ministério Público, que poderiam desaguar em processo disciplinar, tornando-o inelegível. O TSE acertadamente considerou que Dallagnol antecipou sua exoneração para evitar essa punição. Ou seja, fraudou a efetivação da lei.

O respeito à decisão dos eleitores é fundamental, mas como o agora ex-deputado federal bem sabe, voto não apaga delitos cometidos. Principalmente, quando as irregularidades influenciaram diretamente na eleição do político. Ignorar o ocorrido sob a justificativa de que isso minará a vontade do eleitorado passa a imagem de que as regras eleitorais não servem para nada.

(O que, aliás, a Câmara dos Deputados vem fazendo crer ao ter aprovado na Comissão de Constituição e Justiça a proposta de anistia aos partidos políticos, perdoando eles terem ignorado cotas para mulheres e negros, entre outros crimes eleitorais.)

Dallagnol tem o direito de recorrer ao STF, onde ainda conta com aliados. Mas mostra que já jogou a toalha, pois, em discurso nesta quarta (17), acusou Gilmar Mendes de fazer parte de um "sistema de corrupção", ao lado de Eduardo Cunha, Aécio Neves, Beto Richa, Lula... Ministros do Supremo podem discordar entre si, mas tendem a cerrar fileiras quando são atacados.

Carimbar seus adversários como "corruptos" lembra a extrema direita que chama a todos os inimigos de ""comunistas". Em ambos os casos, as palavras, não raro, são esvaziadas de seus sentidos originais e servem mais como ordem unida para mobilizar seguidores.

Ao invés de se refugiar atrás dessa retórica, faria bem a Dallagnol aproveitar o momento para analisar os próprios erros. São eles, e não moinhos de vento, os principais responsáveis pela situação em que se encontra hoje.