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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro usa fome, que disparou em seu governo, para atacar a Reforma

Colunista do UOL

05/07/2023 13h14Atualizada em 05/07/2023 20h18

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Temendo que a Reforma Tributária, almejada por todos os governos há três décadas, seja aprovada sob a gestão de Lula, Jair Bolsonaro e aliados estão em campanha contra o projeto nas redes. Enquanto isso, parlamentares, governadores e prefeitos, inclusive do campo bolsonarista, além de ministros, economistas e gestores trabalham duro para construir uma solução de consenso.

Em postagem, o ex-presidente disse que a "Reforma Tributária do PT" é "um soco no estômago dos mais pobres". Argumento semelhante já havia sido usado por seus filhos, o deputado Eduardo e o senador Flávio, e repete o que o bolsonarismo vem martelando nas redes sociais e aplicativos de mensagens, desde o final de semana: que as mudanças vão trazer fome aos mais pobres ao dificultar o acesso aos alimentos.

Ironicamente, a insegurança alimentar grave disparou durante a gestão Jair Bolsonaro, indo de 19 milhões de famintos, no final de 2020, para 33,1 milhões, no início de 2022, segundo pesquisa Vox Populi encomendada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Ficaram célebres as cenas de pessoas disputando ossos e carcaças bovinas no Rio de Janeiro e revirando a caçamba de um caminhão de lixo em Fortaleza.

Os números irritaram Bolsonaro na época, que passou a repetir que a fome era apenas uma narrativa. "Alguém já viu alguém pedindo um pão na porta, no caixa da padaria? Você não vê, pô", afirmou Jair Bolsonaro no dia 26 de agosto. "Fome no Brasil? Fome pra valer. Não existe da forma como é falado", disse.

A campanha bolsonarista têm usado declarações da Associação Brasileira de Supermercados que diz que o projeto aumenta o imposto cobrado sobre itens da cesta básica e de higiene pessoal. O governo, através do secretário Bernardo Appy, que cuida do tema no Ministério da Fazenda, rebate, dizendo que os tributos sobre a cesta permanecerão no mesmo patamar e que esse número apenas desinforma a sociedade.

Um dos argumentos para a aprovação da Reforma Tributária é exatamente simplificar o tresloucado sistema brasileiro a fim de ajudar a gerar empregos ao facilitar a vida de empresários e trabalhadores.

Mas o projeto sobre os impostos que incidem sobre o consumo são apenas a primeira parte. O ministro Fernando Haddad aponta que, no semestre que vem, começa a segunda etapa da Reforma Tributária, com a discussão sobre os impostos que incidem na renda e no patrimônio.

No Brasil, os trabalhadores pagam muito mais imposto que os super-ricos, que se beneficiam da isenção de dividendos. A promessa do governo é reequilibrar, aliviando para o primeiro grupo e aumentando impostos do segundo, tornando o nosso sistema mais progressivo. Alerta: você que parcelou o seu Renegade em 24 vezes não é super-rico apesar de achar que é. Sinto muito.

Economistas ligados ao PT, inclusive, criticam a atual Reforma Tributária exatamente porque ela deixou para um segundo momento a questão dos super-ricos. Defendem a parte sobre o consumo, mas acham um erro separar a discussão daquela sobre a renda.

Mas não é isso o que o bolsonarismo vem fazendo. Para os seguidores do ex-presidente, a questão é evitar a reforma, pois isso daria uma sinalização positiva à economia, o que facilitará os próximos três anos e meio do governo Lula. Sim, é parte da tática quanto pior, melhor, de olho em 2026.

Vale recordar que essa preocupação de Bolsonaro com os mais pobres é oportunista. Apareceu às vésperas da eleição com as mudanças no Auxílio Brasil e a armadilha do consignado. Mas, antes, o seu foco era outro.

Em outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial vencida por ele, Jair criticou a taxação dos mais ricos em entrevista ao SBT: "Eu acho que, no Brasil, você não pode falar em mais ricos, está todo mundo sufocado. A carga tributária é enorme. Quase tudo é progressivo no Brasil."

Já em agosto de 2021, defendeu novamente os super-ricos. "Alguns querem que eu taxe grandes fortunas no Brasil. É um crime agora ser rico no Brasil", disse. O posicionamento mudou apenas durante a eleição do ano passado, quando ele defendeu taxação dos super-ricos na esteira das promessas de Lula.