Leonardo Sakamoto

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Opinião

Criticar chacina policial não é defender bandido, mas pedir polícia eficaz

Após a infame morte do soldado Patrick Bastos Reis por criminosos no Guarujá e a reação policial que deixou, ao menos, 13 mortos, um naco extremista da sociedade surfou em cima dos cadáveres, tentando fazer crer que qualquer crítica à quantidade de óbitos deixados pela Operação Escudo era uma defesa de bandidos. Quando, na verdade, é uma defesa da vida, seja de policiais honestos, seja de moradores de comunidades.

Antes de mais nada, é importante ressaltar que muitos dos que dizem defender a polícia estão pouco se lixando para os policiais. Patrick era um trabalhador, de uma profissão precarizada, que deveria receber salários mais altos, mais equipamentos, formação continuada e de qualidade. Uma profissão que coloca seus trabalhadores em risco desnecessário por não investir em inteligência.

Quantos dos que agora chamam Patrick de herói saíram na defesa de seus direitos como trabalhador?

Policiais honestos são vítimas da violência do tráfico, das milícias, dos policiais desonestos e do preconceito de uma parte da população que espera que cumpram o papel de capitães do mato.

Boa parte das mortes não é de agentes de segurança em serviço - muitos deles morrem porque são descobertos com armas ou identidade policial em assaltos nos bairros pobres onde moram. Como a maioria da população.

Considerando que policiais, comunidade e traficantes, não raro, são de uma mesma origem social e, não raro, da mesma cor de pele, é uma batalha interna. E muita gente torce para que os conflitos fiquem contidos naquele território, gerando falsa sensação de segurança na parte "civilizada" da cidade.

Os mais ricos sentem a violência, mas o que chega neles não é nem de perto o que os mais pobres e os policiais são obrigados a viver no dia a dia.

"Mas, japonês, se um amigo seu tivesse sido morto por um bandido, você não iria querer vingança?"

Sim, provavelmente iria querer. Em momentos de intensa emoção e de profundo desespero, ao ver uma pessoa querida ou um familiar gravemente ferido ou assassinado, é bem possível que qualquer um de nós esqueça regras e normas e queira fazer justiça com as próprias mãos. Devolvendo, assim, parte da dor e do sofrimento que alguém nos causou.

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E é exatamente por causa disso e para evitar que entremos um ciclo de vingança sem fim trazido pelo olho por olho, dente por dente, amigo por amigo, vida por vida, com o risco de linchar inocentes no meio do caminho como efeito colateral, que transferimos para o Estado o poder de apurar um crime e levar os responsáveis à Justiça.

O problema é quando a polícia resolve fazer Justiça com as próprias mãos, ignorando as técnicas de investigação e as estruturas de inteligência, deixando se guiar pela raiva, partindo para a vingança contra uma comunidade pela morte de um colega. Usam a justificativa de que as instituições não conseguirão dar respostas satisfatórias para punir, assumindo o papel de policial, promotor, juiz, júri e carrasco, baseado em um entendimento pessoal do que é certo, do que é errado e do que é inaceitável.

Ao final, pessoas que não estavam em combate e não tinham nada a ver com a história são mortas, como aparecem nos testemunhos de moradores de chacinas, como as do Complexo do Salgueiro, no Rio, ou do Guarujá, em São Paulo.

Ao se criticar execuções públicas de pessoas por parte de agentes do Estado não defendemos "bandido", mas sim o pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia. Em suma, não entregamos para o Estado o poder de usar a violência como último recurso a fim de proteger os cidadãos para que ele a use como padrão de solução de todos os conflitos. Por que isso, mais cedo ou mais tarde, respinga de volta.

A polícia, um dos braços armados do Estado, deve seguir as leis e não usar os mesmos métodos dos bandidos sob a pena de cometer injustiças e gerar filhotes monstruosos. Como as milícias que mantêm o poder político ou econômico em comunidades, decidindo quem morre e quem vive, tornando-se piores que outras formas de crime organizado.

Parte da população, cansada da violência, apoia desvios de Justiça por parte do Estado. E festeja mortes aceitando sem questionar o julgamento sumário trazido pela bala: se a pessoa morreu pelas mãos da polícia é porque era culpada de algo.

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Não é proteger bandido, mas defender a lei

Postagens como "se levou bala, era bandido" e "a esquerdalha está chorando pelos bandidos, mas não pelo herói morto" circulam nas redes desde a morte de Patrick e dos outros 13, distorcendo as críticas à ação policial. Não, o "choro" é por um Estado que permite que 1+13 mortes aconteçam de forma estúpida.

O impacto desse contexto se faz sentir no dia a dia do país. E nem estou tratando da forma como a polícia trata manifestações ou protestos, mas das periferias das grandes cidades e dos grotões da zona rural, em que o Estado aterroriza parte da população (normalmente mais pobre e negra) com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica e branca).

Chacinas, urbanas e rurais, não raro são encaradas como um serviço sujo que parte da sociedade deseja. Uma "limpeza social" das "classes perigosas" e dos "entraves para o progresso".

Novamente, para quem desligou o bom senso: ninguém está defendendo o crime, muito menos sequestradores, ladrões e traficantes. Boa parte da população, apavorada pelo discurso do medo, mais do que pela violência em si, tem adotado a triste opção de ver o Estado de direito com nojo.

O que anos de políticos violentos, apresentadores de TV exagerados e estruturas ultraconservadoras de igrejas têm pavimentado dificilmente será desconstruído.

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Se alguém morre ou alguém vive não é por culpa do capeta ou graças a Deus. Por isso, desejo tanto que o Estado funcione aqui e agora, punindo culpados, de acordo com o Código Penal, e prevenindo as origens da criminalidade, de acordo com a Constituição.

Ao invés de pedir ações estruturais que melhorem a qualidade de vida nas comunidades, garantam educação e emprego aos jovens, remunerem bem e garantam dignidade às forças policiais, entre outras medidas preventivas que podem garantir um país mais seguro, parte da sociedade, através das redes sociais, pede mais cadáveres, defende linchamento, pena de morte, crianças na cadeia, murar comunidades e mais armas, muitas armas.

Parece um pesadelo do qual não conseguimos acordar. E parte da sociedade, pelo que pode ser visto nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens, definitivamente não quer acordar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL