Ordem de Bolsonaro mostra como empresários ajudaram a cozinhar o golpe
É grave que Bolsonaro tenha enviado mensagem a Meyer Nigri para que o dono da Tecnisa repassasse "ao máximo" mentiras sobre fraudes no sistema de votação eletrônico em junho de 2022. O caso reforça que grandes empresários ajudaram Jair a criar um caldo de desinformação e insatisfação que levou aos atos golpistas de 8 de janeiro.
Golpistas que depredaram as sedes dos Três Poderes estavam lá porque acreditaram em falsas afirmações sobre o TSE e o STF, como as propagadas por empresários bolsonaristas. Com o agravante de que a voz de quem possui recursos financeiros quase ilimitados para impulsionar mensagens e milhares de empregados para ouvir suas opiniões vai mais longe.
Nigri confirmou à Polícia Federal que repassou as mensagens em diversos grupos, o que foi usado pelo ministro Alexandre de Moraes para mantê-lo como investigado. Luciano Hang, dono da Havan e um dos principais apoiadores de Bolsonaro, também está na mesma situação. Outros seis empresários que faziam parte de um grupo de WhatsApp em que foram trocadas mensagens de caráter golpista tiveram os inquéritos arquivados.
Ricos empresários bolsonaristas defendendo golpe de Estado em caso de vitória de Lula em seu grupo de zap não é apenas um ataque bizarro à democracia, mas um clichê terrível. Mas o péssimo roteirista desta chanchada chamada Brasil, ora tem criatividade demais, ora tem de menos. Por exemplo, ele repete o mesmo personagem toda vez que um hacker aparece a história.
Em 17 de agosto do ano passado, reportagem de Guilherme Amado, Bruna Lima e Edoardo Ghirotto, no portal Metrópoles, mostrou como uma parte da elite econômica estava agarrada ao capitão não apenas por pragmatismo, mas por cumplicidade ao seu golpismo.
"Prefiro golpe do que a volta do PT. Um milhão de vezes. E com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras pelo mundo", afirmou José Koury, dono do Barra World Shopping. Ganhou apoio de Afrânio Barreira, dono do Coco Bambu. E um comentário de André Tissot, do Grupo Sierra, dizendo que "o golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo".
Nada impede que, como pessoas físicas, empresários contribuíssem à campanha de Bolsonaro, nos limites estabelecidos pela lei eleitoral e de forma registrada. Isso não inclui, contudo, bancar o impulsionamento de conteúdos contra adversários ou disparos em massa de mensagens, como ocorreu em 2018.
Tampouco tentar comprar o voto de funcionários, como apareceu no próprio grupo de WhatsApp, com uma sugestão de que empresários pagassem bônus aos empregados que votassem alinhados a eles. Em 2018, aliás, Luciano Hang foi denunciado pelo Ministério Público do Trabalho por tentar influenciar o voto de seus funcionários.
Em 2021, o TSE manteve o mandato de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, apesar de reconhecer que disparos em massa foram feitos contra seus adversários via WhatsApp na eleição em que foi eleito. O atual presidente da corte, Alexandre de Moraes, avisou que, se isso ocorresse em 2022, iria mandar os responsáveis "para a cadeia por atentarem contra as eleições e a democracia no Brasil".
O comportamento do grupo bolsonarista também ajuda a explicar a raiva de Jair Bolsonaro dos ricos empresários que assinaram a carta da Faculdade de Direito da USP e o manifesto da Fiesp em prol da democracia em agosto do ano passado. Ele os chamou de "mamíferos", "caras de pau", "sem caráter".
Acostumado ao apoio incondicional de empresários amigos, o presidente acreditava que todo o rico era poroso a seus ataques à urna eletrônica e ao STF e suas ameaças à democracia. Ficou transtornado quando descobriu que o mundo era maior que um grupo de zap.
O problema é que, à medida que a investigação da PF avança, o mundo de Jair vai ficando cada vez menor, com empresários sentindo-se pouco à vontade a seu lado. Cabe à Polícia Federal e à Justiça não deixarem esquecer os que o ajudaram a atentar contra a democracia e, hoje, dizem que não ligam para a política.