Leonardo Sakamoto

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Opinião

Reforma Tributária está na metade, falta botar os ricos no Imposto de Renda

Como esperado, o Senado aprovou, em dois turnos, a reforma tributária sobre o consumo, na noite desta quarta (8). Mas erra quem diz que o processo está quase no fim. Há a outra metade, a reforma tributária sobre a renda e a riqueza, que, se aprovada, vai inserir os muito ricos no Imposto de Renda, promessa de campanha de Lula, pela primeira vez.

E, como esperado, essa será a parte mais difícil. Pois afetará diretamente o poder econômico, que conta com muita gente para defendê-lo, inclusive na imprensa, além das contas particulares de muitos parlamentares.

"Ah, mas isso já vai acontecer com a taxação dos fundos exclusivos e dos fundos offshore." Não, o que foi aprovado pela Câmara e está sendo analisado pelo Senado é apenas o aperitivo da justiça tributária.

Isentos de serem tributados pelos dividendos que recebem, os super-ricos no Brasil pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres (via consumo) e a classe média (via renda).

Mesmo assim, sua condição privilegiada é defendida com unhas e dentes pelos terríveis Guecas, os Guerreiros do Capital Alheio, membros da classe trabalhadora que vão às últimas consequências para, patologicamente, defenderem os privilégios dos bilionários e multimilionários.

Os Guecas rangem os dentes quando ouvem que a segunda etapa da reforma tributária deve discutir a volta a taxação sobre dividendos recebidos de empresas (abolida por FHC em 1995) e o reajuste da tabela do Imposto de Renda (buscando isentar a maior parte da classe média e criando alíquotas maiores, acima de 30%, para os que ganham muito).

Vale lembrar que o próprio então ministro Paulo Guedes, durante o governo Bolsonaro, propôs taxar dividendos. Em contrapartida, sugeriu reduzir o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas a fim de aumentar investimentos. Foi bombardeado pelos Guecas.

O texto da primeira etapa da reforma aprovado pelos deputados e senadores aponta que caso uma nova taxação de renda gerar excedentes, eles podem ser usados para reduzir o custo da folha de pagamento e os tributos sobre o consumo.

Pois é através do imposto pago na compra de produtos que os muito pobres, isentos do imposto de renda, contribuem proporcionalmente bem mais que os super-ricos.

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Também de acordo com o texto aprovado no Congresso, há a obrigatoriedade da progressividade do ITCMD, o imposto sobre heranças e doações - progressividade que já é adotada por parte dos estados. Mas isso não basta, pois ele continua com teto de 8%, enquanto as alíquotas chegam a 30% na Alemanha, 40% nos Estados Unidos, 45% na França e 50% no Japão. Taxar melhor as heranças, a grande meritocracia hereditária brasileira, é, portanto, outro tema para a segunda etapa.

A primeira parte da reforma tributária obrigou o governo Lula a apresentar um projeto de mudança no imposto de renda em até 180 dias da promulgação dessa etapa atual. O ministro Fernando Haddad, que defende que ele irá reduzir a desigualdade social, prometeu que enviará o projeto, tão ou mais importante que a simplificação dos impostos de consumo.

Contudo, enviar é uma coisa, aprovar é outra completamente diferente. Levantamento do Congresso em Foco entre deputados e senadores, divulgada em 31 de outubro, aponta que, hoje, são baixas as chances de aprovação da taxação de dividendos e de grandes fortunas.

Sim, a reforma tributária pode sair da agenda porque o poder econômico não quer tributada sua riqueza e renda. Assim, com rima e tudo.

A questão é que o governo, mesmo com todas as formas de "convencimento" através de liberação de emendas e concessão de cargos, não conseguirá aprovar essa medida sem a devida pressão popular. Por isso, se a primeira parte da reforma tributária passou meio despercebida do cidadão comum, há grande chance dessa segunda entrar em nossa discussão cotidiana através de movimentos sociais, sindicatos, coletivos.

Normalmente, eu não apostaria muito, conhecendo o Congresso. Mas a proposta será discutida em ano eleitoral. E, em anos eleitorais, mágicas acontecem pela pressão social.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL