AI-5 completa 55 anos ressuscitado aos berros pelo golpismo bolsonarista
Decretado pela ditadura militar, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional número 5 deu poderes para que o Palácio do Planalto fechasse o Congresso Nacional, estabelecesse a censura e descesse o cacete geral. Para a grande maioria da população, foi uma página sombria da nossa história. Já para um naco radical, é um sonho pelo qual ainda vale a pena lutar.
"AI-5! AI-5! AI-5! AI-5!" Enquanto Jair Bolsonaro subia de volta a rampa do Palácio do Planalto, após cumprimentar apoiadores, tirar selfies e elogiar os protestos contra o Congresso Nacional, em março de 2020, um grupo gritava por um novo Ato Institucional.
Sorrindo, o presidente da República, que jurou proteger a Constituição Federal, acenava ao público que pedia a morte da democracia. "Não tem preço o que esse povo está fazendo aqui", havia dito logo antes.
Nos dias seguintes, apoiadores do presidente postaram textos indignados rebatendo o que todos ouviram e viram, atestando que a manifestação havia sido democrática. Brigavam com a realidade, pois foi significativa a quantidade de cartazes e palavras de ordem em nome do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, da prisão de Rodrigo Maia e de Davi Alcolumbre, então presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, e de ministros do STF.
De caminhões de som vieram pedidos de "intervenção militar", neologismo covarde para golpe.
Ecoavam o que normalizavam seus líderes. No dia 31 de outubro de 2019, o deputado Eduardo Bolsonaro afirmou, em uma entrevista à jornalista Leda Nagle, que "se a esquerda radicalizar", usando como exemplo manifestações de rua que ocorriam na América do Sul, o governo terá que dar "uma resposta que pode ser via um novo AI-5". Depois, ele disse que não havia dito o que, de fato, disse.
Em 25 de novembro, o ministro da Economia Paulo Guedes disse: "Não se assustem, então, se alguém pedir o AI-5". Ele reclamava da convocação de protestos que podem atrasar o seu cronograma no Brasil.
Naquele momento, já estava mais do que claro que Jair Bolsonaro não pretendia deixar o governo, mesmo se perdesse a eleição - o que veio a ocorrer em outubro do ano passado. Quem não acreditava nisso era a turma que insistia em dourar a realidade com receio do retorno da esquerda.
Daí, o resto é história. A Polícia Rodoviária Federal tentou impedir eleitores petistas de chegarem às urnas no segundo turno, bolsonaristas trancaram rodovias em todo o país exigindo golpe, acampamentos golpistas foram montados em frente a quartéis, Bolsonaro tentou cooptar os comandantes das Forças Armadas para impedir a posse de Lula, carros e ônibus foram queimados em Brasília no dia da diplomação do novo presidente pelo TSE em 12 de dezembro, uma bomba foi colocada em um caminhão de combustível para tentar explodir o aeroporto da capital federal em 24 de dezembro, e, claro, a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro.
Quem diria que o povo que gritava "AI-5! AI-5! AI-5! AI-5!", sob as bênçãos de um sorridente Bolsonaro, tentaria um golpe de Estado, não é mesmo?
Com o Brasil prestes a completar um ano da tentativa de golpe, vale um reflexão sobre a nossa democracia. Muitos bradam no peito que a prova de sua força é que um golpe não se consumou. Sou do grupo que avalia que é por conta de suas fraquezas que ele quase ocorreu.
Mas passado quase um ano, parece que muita gente esqueceu o que vivemos. A ponto que muitos dos que participaram dos atos golpistas seguem indo às ruas e pedindo praticamente a mesma coisa.
O AI-5 sempre vai estar à espreita, tal como o 8 de janeiro. Precisam apenas de um descuido.