Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bolsonaro passa recibo em vídeo sobre os R$ 800 mil que mandou aos EUA

Sentiu. Ao responder à investigação da Polícia Federal, que avalia que ele mandou R$ 800 mil para os Estados Unidos, em 27 dezembro de 2022, para se manter por lá enquanto uma tentativa de golpe de Estado se desdobrava por aqui, Jair Bolsonaro demonstra que a história tem potencial de pegar mal junto aos seus seguidores.

O ex-presidente é acusado diariamente de muita coisa, algumas bobagens, mas também uma montanha de graves evidências, que são divulgadas por autoridades e veiculadas pelas imprensa. Com a ajuda dos seus assessores, ele analisa o que vale a pena ignorar, o que pode ser deixado para aliados e fãs reagirem e o que ele precisa vir a público para responder.

Para se dignar a gravar um vídeo, como fez na noite desta quinta (15), a fim de se justificar sobre o assunto, é porque foi alertado para o cheiro de queimado.

Afinal, uma coisa é ser acusado de golpista - algo abstrato para muita gente. Outra é de fugir do país, como fez em 30 de dezembro de 2022, e levar um dinheirão consigo. Soa meio Marco Aurélio, o vilão da novela Vale Tudo.

No vídeo, primeiro, ele confirma o que fez. Até porque não poderia ser diferente, pois a quebra de sigilo mostrando a operação de câmbio não era novidade. "Enviei, sim. Da minha poupança do Banco do Brasil para o BB América. Ou seja, o dinheiro continuou num banco brasileiro", disse.

Depois, argumentou que mandar dinheiro para os EUA provaria que ele estava limpo: "Dizia a nossa querida Polícia Federal que o último país do mundo onde um golpista, ditador enviaria dinheiro seria os Estados Unidos, porque é um país democrata, que respeita tratados. E esses recursos seriam i-me-dia-ta-men-te bloqueados".

Disse ainda que outros brasileiros enviaram dinheiro para fora porque "tínhamos dúvidas sobre a política e a economia do atual mandatário de esquerda". Ou seja, eu fiz, mas os outros também, tentando vender que seu motivo não era golpista.

E para que nenhum seguidor ficasse em dúvida, concluiu: "isso não é crime".

Uma linha de investigação da PF não concorda muito com isso e diz que ele, ao final do mandato, transferiu seus "recursos financeiros, ilícitos e lícitos, com a finalidade de assegurar sua permanência do exterior, possivelmente, aguardando o desfecho da tentativa de golpe de Estado que estava em andamento".

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O ilícito é porque parte dos recursos podem ter sido provenientes da venda de joias dadas por governos árabes ao Brasil, surrupiadas por Jair e vendidas aqui e nos EUA.

Bolsonaro tinha medo de ser preso se ficasse no país pelo conjunto pelo golpismo, mas também precisava de um álibi para o 8 de janeiro de 2023, que já sabia que ocorreria. Tanto que repetiu, diversas vezes, que não tinha envolvimento com a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes porque estava fora do país - uma justificativa que ofende a inteligência.

A maior parte do bolsonarismo-raiz vai concordar com todas as justificativas que ele der, mesmo que esteja torturando filhotes de gato ou defendendo em público que a saudosa vovó Palmirinha cozinhava mal.

Mas esse tipo de caso também influencia o eleitor pendular, aquele disputado a tapa na eleição passada, que poderia tanto votar em Lula (pela perspectiva de melhoria no bem-estar material) quanto em Jair (pelo discurso moral). Com isso, esse grupo pode caminhar mais facilmente para o colo do petista em 2024 e 2026. Ainda mais se a renda e o emprego continuarem crescendo.

O envio de grana alta para o exterior, tal como o esquema para desviar e vender joias, tem mais potencial de ferir a imagem de Bolsonaro junto a esse pessoal do que o seu negacionismo na pandemia ou seu golpismo eleitoral. Por isso, a necessidade de reforçar o discurso.

Bolsonaro sempre se vendeu como um "homem comum" que representaria os interesses do povo mais do que os políticos profissionais. Claro que era uma construção, uma vez que ele, um político profissional, especializou-se em ficar rico dando à luz funcionários fantasmas nos gabinetes da família e ficando com parte de seu salário.

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Mas esse personagem convenceu muita gente. Afinal, ele aparecia em vídeos oferecendo pão com leite condensado ao representante do governo dos Estados Unidos, deixando cair a farofa do frango sobre sua roupa, fazendo lives improvisadas com bandeiras coladas à parede com fita crepe, cometendo erros de português frequentes entre o povão para gerar empatia ao ser ridicularizado pela elite intelectual - que sempre cai em suas armadilhas.

Como o homem feliz com um pãozinho com café e leite na padoca manda R$ 800 mil para o exterior para gastos pessoais em meio a um golpe de Estado? Praticando ilusionismo.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL