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"Flordelis" evita erros e aponta caminhos para séries sobre crimes reais
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Histórias policiais, relembradas na forma de documentários ou de séries de ficção baseadas em fatos reais, sempre atraíram bom público. Mas, diante da necessidade de oferecer conteúdo para saciar o apetite das plataformas de streaming, o chamado "true crime" virou uma febre.
Nenhum outro gênero se adaptou tão bem às demandas de Netflix & Cia. São mais baratas de produzir do que ficção, podem ter a duração que os produtores quiserem e mantêm o espectador fisgado até o fim, à espera do desfecho.
Nos últimos anos, apareceram muitas séries ruins de "true crime". Carregam alguns ou todos esses defeitos: são longas além do necessário, exageradamente dramatizadas, trazem depoimentos muito estudados e teatrais, vilanizam ou glorificam os seus protagonistas, exageram no mistério para confundir o espectador.
"Flordelis: Questiona ou Adora" é um bom exemplo dos caminhos possíveis para este tipo de programa. O documentário de Mariana Jaspe consegue escapar de todas essas armadilhas ao contar, em seis episódios, a ascensão e a queda da mulher que ganhou fama como mãe adotiva de dezenas de crianças e, no fim, foi condenada a 50 anos de prisão pelo assassinato do marido.
Como já escrevi, "Flordelis: Questiona ou Adora" não escapou de um golpe baixo — ter sido lançado pelo Globoplay ao mesmo tempo em que ocorria o julgamento da acusada. Mas agora que isso passou, é possível olhar para a série com mais cuidado e mostrar como ela se destaca nesta onda de "true crime".
Antes do mistério que envolve a morte do pastor Anderson do Carmo, existe um outro mistério, que a série tenta esclarecer: como Flordelis se tornou uma celebridade, paparicada pela mídia e por artistas famosos, tema de livro e de filme?
Diferentes passagens da série mostram o excesso de deslumbramento com Flordelis e a falta de cuidado em conhecer melhor a sua história. Um dos pontos altos é a sequência de depoimentos que expõem a surpresa de pessoas citadas com o conteúdo do livro "Flordelis - A Incrível História da Mulher Que Venceu a Pobreza".
Também são muito significativos os depoimentos de jornalistas da Globo, que reconhecem não ter aprofundado questões de ordem legal em reportagens que louvaram o papel de Flordelis como mãe adotiva. "Ela foi muito ajudada pela mídia", diz Thiago Prado, editor de política de "O Globo", jornal que atuou em parceria com o Globoplay na realização da série.
A autocrítica se limita, infelizmente, a profissionais de uma única emissora, quando poderia ter sido aprofundada. O mesmo vale para o papel dos artistas famosos que abraçaram a pastora no filme "Flordelis: Basta uma Palavra para Mudar". É sabido que muitos se arrependeram, mas não falam na série.
"Flordelis: Questiona ou Adora" é muito bem-sucedido ao mostrar a complexidade das relações familiares da protagonista e de seu marido em diferentes momentos. Sempre ouvindo todos os lados da história, e indo e vindo com a linha do tempo, a série às vezes pode até transmitir a sensação de confusão, mas o caso é realmente complicado e Jaspe tem o mérito de não reduzir ou simplificar a história.
A série também merece elogios por mostrar como políticos de diferentes extratos abraçaram Flordelis em busca de ganhos pessoais e como a abandonaram ao sentir que ela havia se tornado "tóxica" para os seus interesses. Eleita deputada federal, ela foi cassada com 437 votos e apenas 7 a favor e 12 abstenções. Um massacre. O mesmo vale para as igrejas evangélicas, que colocaram Flordelis no alto de seus púlpitos e depois viraram as costas para ela.
O papel do empreendedor Pedro Werneck e de seus irmãos, que ajudaram Flordelis ainda na década de 1990, poderia ter sido mais bem explicado na série. Por outro lado, o depoimento do desembargador Siro Darlan, convocado como testemunha de defesa de Flordelis no julgamento, ajuda a entender a complexa rede de apoios que ela agregou. O trabalho de Flordelis mostrou a necessidade de rever as leis que regem adoção no país.
"Flordelis: Questiona ou Adora", enfim, é uma série exemplar, que evita apontar o dedo para os acusados e faz o espectador pensar.
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