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Observatório das Eleições

Apesar da indefinição no Recife, segundo turno pode ser um duelo em família

Os primos e deputados federais João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), candidatos à Prefeitura do Recife - Arte/UOL
Os primos e deputados federais João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), candidatos à Prefeitura do Recife Imagem: Arte/UOL

07/11/2020 09h23

Priscila Lapa e Luciana Santana*

As pesquisas de intenção de voto sinalizam, até o momento, uma disputa quadrangular: são quatro os candidatos que se posicionam com chances de chegar ao segundo turno das eleições. Fica evidente a consolidação da dianteira do candidato governista, o deputado federal João Campos (PSB). Com um crescimento expressivo na primeira quinzena do mês de outubro, tem mantido-se em posição estável nas pesquisas, com boa diferença em relação aos demais.

A briga pela segunda colocação está sendo protagonizada por três candidatos: Mendonça Filho (DEM), Marília Arraes (PT) e Delegada Patrícia (PODE). Como é possível observar na figura abaixo, há poucas variações no desempenho das candidaturas de uma pesquisa para outra, desde meados do mês de outubro. É importante, no entando, chamar a atenção para o desempenho da candidata petista nas duas últimas rodadas de pesquisas realizadas pelo Instituto DataFolha, que aponta crescimento na intenção de votos dos entrevistados, saindo de 16 para 21%.

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Desempenho dos candidatos à prefeitura do Recife nas pesquisas eleitorais em 2020
Imagem: Elaboração própria, a partir de pesquisas eleitorais IBOPE, DATAFOLHA e IPESPE

A formação desse quadrangular torna a disputa no Recife diferente do que geralmente ocorreu na cidade, caracterizada pela polarização entre duas candidaturas, com pouco espaço para terceira via.

A grande moldura das eleições 2020 era justamente a existência de uma oposição alicerçada no desgaste da gestão municipal, somada ao da gestão estadual, que está nas mãos do PSB há quatro mandatos consecutivos.

Ao mesmo tempo, havia a dissolução de uma aliança com o Partido dos Trabalhadores (PT), que, entre idas e vindas, compôs a Frente Popular com os socialistas em diversas ocasiões. O PT optou por um vôo solo, consolidando em 2020 um projeto que naufragou na eleição estadual de 2018: a candidatura da deputada Marília Arraes. Um quadro jovem e que simboliza um movimento de renovação do partido em Pernambuco. Àquela época, as pesquisas apontavam-na como uma candidata viável eleitoralmente, mas o partido acabou optando por apoiar a reeleição do governador Paulo Câmara (PSB), enxergando como a única maneira de viabilizar a reeleição do senador petista Humberto Costa (PT).

Desempenho de candidaturas bolsonaristas

A oposição não conseguiu se reunir em torno de uma candidatura única. Várias opções surgiram no cenário, fracionando as escolhas daqueles eleitores que não querem a permanência do PSB no poder.

Algumas dessas candidaturas tentaram viabilizar-se alinhando o discurso com Jair Bolsonaro, para ampliar popularidade em um momento em que, no âmbito nacional, o presidente tem sua avaliação ascendente. No entanto, conforme observado nas pesquisas, esses candidatos mais alinhados com o bolsonarismo tem tido um desempenho pouco competitivo no Recife. São eles: Coronel Feitosa (PSC); Marco Aurélio Meu Amigo (PRTB) e Carlos Andrade Lima (PSL).

A Delegada: uma surpresa na disputa recifense

A Delegada Patrícia (PODE) entrou na disputa como o elemento novo, já que é estreante na política, tendo filiado-se em março ao partido pelo qual concorre. Antes disso, ganhou popularidade em uma disputa com o governo do Estado pela titularidade da delegacia em que atuava de combate à corrupção.

À época, em 2018, foi realizada uma reforma administrativa, que culminou com o fechamento da delegacia, incorporando-a a outro departamento dentro da Polícia Civil. A partir de então, a delegada passou a percorrer diversas instâncias realizando palestras sobre o combate à corrupção, sempre citando o ex-juiz Sérgio Moro e a Operação Lava Jato como referências.

Após o rompimento de Moro com o governo Bolsonaro, tiveram início as especulações sobre como seria o discurso político da até então pré-candidata. O fato é que ela tem centrado seu discurso na oposição ao PSB, sobretudo nos indícios de corrupção na atual gestão municipal e não faz referências claras a quaisquer atores políticos. Oscilando entre 11% na primeira rodada e 14% na mais recente (Datafolha, 05/11), ela tem sido na reta final da campanha alvo dos demais postulantes da oposição, que tentam inviabilizá-la no segundo turno.

Candidatos mais competitivos e chances eleitorais

Dos quatro candidatos mais competitivos, apenas Mendonça posiciona-se como um político experiente, mostrando que é veterano e que, portanto, sabe como resolver os problemas da cidade. Ele começou a disputa em segundo lugar, em razão, inclusive, do desconhecimento dos eleitores em relação aos demais candidatos.

Ressalte-se que uma das características da eleição 2020 no Recife é a quantidade de "marinheiros de primeira viagem". Disputam pela primeira vez uma eleição a Delegada Patrícia (PODE), Carlos Andrade Lima (PSL), Charbel (Novo) e Thiago Santos (UP).

João Campos carrega o legado do pai, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, e do avô Miguel Arraes, uma das maiores lideranças políticas do Estado. Antes de disputar a Prefeitura do Recife, Campos ocupou o cargo de chefe de gabinete do governador Paulo Câmara e elegeu-se deputado federal em 2018, quando se iniciaram os preparativos para a sua candidatura em 2020.

A narrativa desde a pré-campanha, e que tem sido explorada com força total pelos adversários, coloca a figura de João Campos como a de um príncipe herdeiro de uma família que desejaria perpetuar-se no poder a todo custo. Isso fez com que a rejeição do socialista fosse a maior entre os candidatos até a penúltima pesquisa (em torno de 33%).

A estratégia da sua campanha, no entanto, foi colocar João como um jovem destemido, portador das próprias ideias. Fora a máquina estadual e municipal a seu favor, ele tem a maior coligação e o maior número de candidatos a vereador, fazendo com que sua vantagem na competição tenha sido conquistada desde a primeira rodada das pesquisas.

No mesmo espectro político de João Campos (PSB), está a candidatura de Marília Arraes (PT), sua prima e também deputada federal. Marília igualmente se prepara para a eleição municipal de 2020 há dois anos. O seu partido, o PT, iniciou a campanha deste ano dividido entre abraçar o projeto de Marília ou apoiar João Campos, mantendo a aliança renovada entre os dois partidos na eleição de 2018.

Nas primeiras aparições na campanha, a petista parecia distante da identificação com o PT, por não utilizar os símbolos, as cores e nem fazer alusão às principais lideranças do partido. Da primeira para a última rodada das pesquisas, ela saiu de 14 para 21% das intenções de voto, crescendo em todos os segmentos do eleitorado.

Que mudanças foram percebidas em sua estratégia? A mais visível delas foi a presença de Lula em suas inserções no rádio, televisão e redes sociais, além da crítica aberta à gestão PSB e às propostas apresentadas por João Campos. Assim, ao que parece, ela reafirmou o seu posicionamento político-ideológico e conseguiu angariar a simpatia dos eleitores que se identificam como centro-esquerda, mas estão movidos pelo sentimento de mudança e rejeição ao PSB.

Duelo entre primos no segundo turno?

À medida que o dia da eleição vai se aproximando, o quadro configura-se com a tendência de segundo turno e de que a disputa se dará por um duelo entre primos.

João Campos decolou, mas agora aparece estável nas pesquisas. Dificilmente vencerá no primeiro turno. Marília segue em movimento ascendente. Essa configuração - duas candidaturas de centro-esquerda no segundo turno - parecia improvável, a partir da hipótese de que um tiraria votos do outro e que em 2020 a polarização seguiria a trilha de 2018: direita x esquerda. Além disso, opções mais alinhadas com o centro-direita não faltam.

Os dois - Marília e João - falam do legado de Miguel Arraes. Os dois são políticos jovens, que representam "renovação" nos quadros dos seus partidos. Como o eleitor compreenderá o que os divide? Apenas a filiação partidária seria suficiente?

Até o momento, Marília mostra-se como combativa e crítica ferrenha ao atual prefeito Geraldo Júlio. Sustenta posições contrárias às de João Campos. Isso parece estar funcionando para alavancar sua candidatura.

Por outro lado, João segue a estratégia do candidato que está consolidado na dianteira: é sutil nas críticas, focando mais em mostrar a sua performance, capacidade discursiva e popularidade. Posiciona-se como alguém que reconhece os avanços dos últimos anos, mas que sabe os desafios que a cidade ainda tem a vencer.

Quem representa a mudança para Recife?

A leitura que se pode fazer é de que a eleição no Recife molda-se pela narrativa da mudança versus continuidade mais do que pela disputa direita versus esquerda. Tem-se dois candidatos viáveis de centro-direita e dois de centro-esquerda.

João Campos, que lidera as pesquisas, simboliza a continuidade de um projeto político. Se esse projeto fosse claramente rejeitado pela maioria do eleitorado, o seu desempenho não seria o de liderança em todas as rodadas das pesquisas.

Ao mesmo tempo, os três candidatos que disputam a segunda colocação são justamente aqueles que centram fogo na atual gestão, associam o PSB à corrupção e tentam colar em João a imagem de alguém que não tem personalidade política própria. Mostram-se como protagonistas de novas propostas, de um novo olhar para os problemas da cidade.

Talvez pela proximidade dos discursos, nenhum dos três candidatos tenha conseguido capitalizar para si o sentimento de mudança, mostrando que não se pode subestimar o peso da máquina estadual e municipal para garantir a perpetuação do poder.

Proibição de carreatas e caminhadas

As cenas protagonizadas pelas campanhas eleitorais no estado faziam crer que em Pernambuco a pandemia havia sido superada. Aglomerações de pessoas e completo desrespeito às normas sanitárias levaram o TRE a proibir em todo território quaisquer tipos de eventos de campanha que pudessem gerar aglomerações. Isso a três semanas do pleito.

A reação da maior parte dos candidatos da capital foi dizer que acataria a decisão, sem qualquer tom crítico à medida. Mas é perceptível que, em uma disputa acirrada, as ruas vão fazer muita falta.

Correr atrás de cada voto, dar visibilidade à campanha, mostrar força, tudo isso se perde com o distanciamento físico. As redes sociais não tiveram até agora o mesmo peso que em 2018. Essa migração para o virtual não é simples, não é elementar.

O que esperar nesta reta final?

Dificilmente João Campos desidratará. Se as intenções de voto estão estagnadas em 31%, sua rejeição tampouco cresce, ao contrário da de outros candidatos. Ele vem sendo o alvo preferencial das críticas desde o início da campanha, mas isso não parece ser suficiente para desestabilizá-lo na disputa.

Ao mesmo tempo, o entusiasmo com a possibilidade da Delegada Patrícia decolar parece estar perdendo força. Sua rejeição aumentou muito rapidamente, fazendo com que ela hoje tenha o maior índice (35%). Isso deve-se, possivelmente, à exploração por diversos candidatos de postagens antigas nas redes sociais da candidata do Podemos, nas quais se refere de forma pejorativa ao Recife e à população recifense (ela é carioca).

Mendonça Filho pode se beneficiar do voto útil, angariando a aprovação dos eleitores que abandonaram a candidatura da delegada, após a revelação das postagens que mexem com a tão conhecida identidade do recifense.

E Marília Arraes parece ter acertado o tom junto ao segmento mais de esquerda e mostra-se em movimento ascendente, apesar do desgaste da imagem do seu partido no estado.

* Priscila Lapa é doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, possui graduação em Comunicação Social (Jornalismo) e em Serviço Social. Professora na Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO) e Analista Técnica no SEBRAE-PE, atuando na área de Políticas Públicas.
Luciana Santana é doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), é líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.

Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br