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Reinaldo Azevedo

Anulação do prêmio, racismo de Alvim e o Sebastião de Regina que é Expedito

Regina Duarte entre Bolsonaro e Luiz Eduardo Ramos, secretário de governo. Ela aceita ser a rainha da sucata da Cultura (Reprodução) - reprodução
Regina Duarte entre Bolsonaro e Luiz Eduardo Ramos, secretário de governo. Ela aceita ser a rainha da sucata da Cultura (Reprodução) Imagem: reprodução

Colunista do UOL

21/01/2020 07h58

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A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) encaminhou à Procuradoria-Geral da República, no Distrito Federal, uma representação pedindo a anulação do edital que lançou o Prêmio Nacional das Artes e a destituição de todas as pessoas nomeadas por Roberto Alvim, ex-secretário de Cultura. Adicionalmente, a PFDC cobra ainda a responsabilização administrativa e criminal de Alvim. No primeiro caso, alega ato de improbidade administrativa. No segundo, crime de racismo.

Vamos ver. A base da representação é o vídeo abjeto em que Alvim lança o tal prêmio, fazendo um discurso que ecoa, sem meios-tons, a compreensão que o governo nazista tinha de cultura. Faltassem outras evidências, e não faltam, o então secretário houve por bem citar trecho de uma fala de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler.

Depois de abordar o conteúdo do tal vídeo, consideram os procuradores Deborah Macedo Duprat De Britto Pereira e Marlon Alberto Weichert:
"Todo esse conjunto permite afirmar que o agente público em questão tem admiração, pelo menos, pela perspectiva de arte do nazismo. E, como sob o seu cargo, se desenvolviam todas as medidas relativas à cultura, não é demasiado concluir que, no período em que o ocupou, levou para essa área a compreensão estética que tão desabridamente revelou no vídeo."

TEM DE ANULAR
Vamos lá. Não tenho a menor dúvida de que o edital de lançamento do tal prêmio tem de ser anulado. Até porque, aos órgãos subordinados à secretaria foi enviada a seguinte diretriz por e-mail:
"Há o interesse precípuo em promover o renascimento no cenário cultural e artístico, fortalecidos por princípios e valores da nossa civilização, onde a Pátria, a Família, a determinação e, em especial, a nossa profunda ligação com Deus, norteie o que nos propomos a realizar. Que o nosso trabalho tenha as virtudes da fé, da lealdade, da coragem e da luta contra o que degenera; e que estas virtudes sejam alçadas ao território sagrado das obras de arte. Uma Cultura com obras que configurem toda a importância para a harmonia dos brasileiros com a sua terra e sua natureza, elevando a nação acima de interesses particulares."

Está caracterizado aí, de maneira insofismável, uma tentativa de dirigismo cultural e de uso de recursos públicos para — COMO É MESMO, BOLSONARO? — promover o tal "viés ideológico". O prêmio nasce maldito. Tem de ser pensado sobre novas bases. É preciso saber como se fará a seleção dos trabalhos e segundo quais critérios.

Releiam o texto. Cabe indagar, por exemplo, se obras de apelo religioso terão especial valoração na concessão de recursos públicos. Ora, é o que evidenciam a fala do então secretário e o e-mail. Esse prêmio, então, já nasce morto. Anular o edital é uma questão de responsabilidade com o dinheiro público e de zelo com a laicidade do Estado brasileiro.

IMPROBIDADE E RACISMO
Acho pouco provável que prosperem a ação de improbidade e a acusação de racismo.

Comecemos pelo segundo caso. Que Alvim tenha apelado a valores nazistas em seu vídeo, bem, isso dispensa comprovação adicional. Basta a cola que fez da fala de Goebbels. É intelectual e moralmente imprestável para exercer um cargo público, mas me parece difícil evidenciar que tenha praticado racismo porque fez alusão direta a uma ideologia assentada na superioridade racial.

Também a acusação de improbidade administrativa parece cediça. Que Alvim tenha tido uma curta e desastrada passagem pela secretaria, isso também é inequívoco. De fato, o Artigo 11 da Lei de Improbidade (8.492/92) define que "constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições".

Convenham: o texto é amplo o bastante para que se tente punir a simples divergência ou a mera estupidez como atos de improbidade.

DEMISSÕES
A Secretaria de Cultura coleciona exotismos nos órgãos a ela subordinados. A Fundação Palmares foi presidida por um negro que enxerga virtudes na escravidão, o tal Sérgio Nascimento (sua nomeação, por ora, está suspensa por decisão da Justiça). O presidente da Funarte, um certo Dante Mantovani, acredita que o rock conduz ao abortismo e ao satanismo. Rafael Nogueira, presidente da Biblioteca Nacional, mostrou assim a sua intimidade com a área: "Livros didáticos estão cheios de músicas de Caetano Veloso, Gabriel O Pensador, Legião Urbana. Depois não sabem por que está todo mundo analfabeto".

O lugar dessa gente é a rua. Mas não me parece que se possa fazê-lo pela via judicial. A decisão é, por óbvio, política.

CONFUSÃO DE SANTOS
Na tal "ligação com Deus", que deveria embasar a cultura brasileira, segundo os lunáticos, Regina não se saiu muito bem, note-se. Depois de se reunir com Bolsonaro, ela resolveu fazer uma homenagem a São Sebastião, ao qual é dedicado o dia 20 de janeiro. Confundiu-se e publicou uma imagem de Santo Expedito, o chamado "Santo das Causas Urgentes". Nota: embora a Igreja Católica reconheça a devoção popular a Expedito, ele não integra o "Martyrologium Romanum", que reúne os santos e mártires da Igreja Católica.

Duvido que Regina Duarte, como rainha de toda essa sucata, vá ter independência para botar a turma para correr.

Não há Santo Expedito que dê jeito.