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Reinaldo Azevedo

Patrícia 1: De quem é a mão que balança o berço? A quem serve o criminoso?

Hans River dispara suas mentiras na CPI, observado pelo presidente da comissão, senador Angelo Coronel, e pela relatora, deputada Lídice da Mata - Ane de Araújo/Agência Senado
Hans River dispara suas mentiras na CPI, observado pelo presidente da comissão, senador Angelo Coronel, e pela relatora, deputada Lídice da Mata Imagem: Ane de Araújo/Agência Senado

Colunista do UOL

12/02/2020 16h51

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Hans River do Rio Nascimento mentiu à CPI das Fake News, o que é crime. E tem de arcar com as consequências de seu ato. A relatora da CPMI, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), já decidiu que vai acionar o Ministério Público Federal. Há mais do que o ataque abjeto dirigido contra a jornalista Patrícia Campos Mello (já chego a ele). O tal rapaz afirmou ainda ter participado de uma campanha política de quem ninguém ouviu falar. E há inconsistências sobre a data em que trabalhou na Yacows, a empresa envolvida no impulsionamento de disparos de WhatsApp. Dito isso, vamos adiante.

Nascimento falava à CPI como testemunha, condição que o obriga a falar a verdade ou a responder criminalmente pelas mentiras. E ele mentiu. Patrícia pode recorrer à Justiça em razão dos crimes que ele cometeu contra a sua honra: inquestionavelmente, incorreu em injúria e difamação. E me pergunto se não cabe também a imputação de calúnia: segundo o rapaz que foi depor à CPI com uniforme de gigolô de pornochanchada da década de 70, ela o teria convidado a mentir em troca, ora vejam, de sexo! E tal troca implicaria o que seria um crime contra uma campanha eleitoral.

A partir de agora, Nascimento não terá uma vida fácil. A questão primeira que precisa ser respondida, em algum momento da investigação, é esta: de quem é a mão que balança o berço? Quem resolveu, e com quais meios, instrumentalizar o rapaz para que mentisse? Quem o convidou a levar o esgoto a céu aberto que corre nas redes sociais para uma CPMI que apura justamente a indústria de fake news? Comece-se, pois, pelas quebras do sigilo telefônico e bancário.

Chega a ser ocioso — e é preciso tomar cuidado para não ser ofensivo com a própria Patrícia, com as mulheres jornalistas e com todas as mulheres, indistintamente — lembrar a carreira e os feitos de uma das mais brilhantes e capazes profissionais da imprensa. E por que é preciso esse cuidado? Para que, sem querer, não minimizemos a gravidade do que se viu na CPMI.

Todos os grupos profissionais contam com uma elite, com o conjunto dos melhores e mais destacados em razão da qualidade do seu trabalho, da reputação firmada junto ao público e a seus pares, da excelência dos métodos a que recorre para chegar ao resultado esperado. Felizmente para ela e para nós, seus leitores e colegas, Patrícia integra essa turma.

Experiente que é, a jornalista documentou cada passo de sua aproximação com a fonte, as idas e vindas do sr. Nascimento, suas hesitações etc. E tão logo ele resolveu atacar a sua honra na CPMI, cometendo crimes de dimensão privada e pública, veio à luz a desmoralização do meliante moral. Mas é bom frisar: não é o tamanho que tem Patrícia que evidencia o fundo do poço a que chegamos. O alvo dos criminosos — E É PRECISO FALAR NO PLURAL — poderia ser alguém em início de carreira, emocionalmente mais frágil, sem estrutura para resistir aos ataques da máquina criminosa montada nas redes sociais para atacar, de maneira mais ampla, o jornalismo profissional e independente.

Sim, o alvo é particularmente Patrícia (e já direi por quê). Mas o que está sob ataque, reitere-se, é e o jornalismo que tem compromisso com a verdade, com os fatos, com os fundamentos do estado democrático e de direito. E este, convenha-se, não é agredido apenas por tipos como esse tal Nascimento. Todos os dias, às portas do Palácio da Alvorada, o sr. presidente da República, com a autoridade que lhe confere o cargo, dispara uma saraivada de aleivosias e de boçalidades contra os profissionais de imprensa, o que é imediatamente replicado pela esgotosfera que canta as suas glórias.

Não por acaso, quem deu a senha para a tentativa de massacrar a honra de Patrícia foi o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Vomitou, por exemplo, o seguinte no Twitter:
"Eita! Sr. Hans diz que Patrícia Campos Mello, correspondente internacional da Folha, se insinuou sexualmente para conseguir extrair informações dele. Agora imagine se fosse um homem se insinuando para cima de uma mulher?"

Observem que, além de admitir como verdadeira a mentira estúpida, Eduardo aproveita para naturalizar o assédio de um homem contra uma mulher. Ou por outra: dada a falsa imunidade de Patrícia para assediar, ele reivindica, então, por linhas tortas, que os homens não tenham de responder por um comportamento inadequado.

Eduardo também não disfarçou a quem interessava atacar a honra de Patrícia. Escreveu:
"Patrícia Campos Mello foi a jornalista da Folha q entre o 1º e 2º turno da eleição 18' fez matéria acusando JB de contratar empresa q fazia disparos em massa de whatsapp. Com este artigo o PT entrou no TSE p tentar impugnar a candidatura de JB, mas perdeu".

E teve início, então, o esforço para massacrar a honra e a carreira da jornalista, tendo na vanguarda o tal "Terça Livre", de Allan dos Santos. Pergunta: quando é que os crimes destes senhor, que também têm dimensão pública, merecerão a devida atenção do Ministério Público Federal. Ao conferir, como fez, ares de verdade a uma armação torpe, Santos participa da mesma arquitetura criminosa que levou a mentira mais sórdida à CPMI das Fake News.

A vigorosa reação dos profissionais de imprensa — das mulheres em particular — é necessária. Não se trata mais, ainda que já fosse detestável, de uma campanha de natureza política contra a imprensa independente. Ultrapassou-se a linha que separa a abjeção moral do crime.

E, também nesse caso, é preciso chegar aos mandantes.

Continua com:

Patrícia 2: Além do ódio à imprensa e às mulheres, por que tamanha fúria?