No "Ranking da Infâmia da Era do Coronavírus", Aras ocupará o segundo lugar
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No "Livro das Infâmias na Era do Coronavírus", um notável lugar de desonra estará reservado a Augusto Aras, procurador-geral da República. Figuras com relevantes serviços e desserviços prestados ao país já passaram por ali, mas a função nunca se deslocou para o centro da narrativa histórica, com o protagonismo que lhe é devido. Com Augusto Aras será diferente. Afinal, o país estará a fazer a contabilidade dos mortos destes dias tenebrosos.
Jair Bolsonaro, hoje presidente da República, terá a lhe pesar nas costas a memória de milhares de mortos. Seu ombro amigo, o segundo nessa hierarquia do horror, será Aras. A personagem antes marginal no Ministério Público Federal foi alçada pelo presidente ao topo da instituição e evidencia por que jamais havia chamado a atenção dos meios jurídicos ou de seus pares. Por caminhos tortos e trágicos, a história lhe forneceu a oportunidade de corrigir com a honra a mediocridade da carreira. Ele preferiu fazer o contrário. Um Senado que honrasse plenamente as suas prerrogativas o deporia por meio de um processo de impeachment, conforme prevê a Lei 1.079, nos Artigos 40 a 73.
Como é notório, por palavras e atos pessoais, mas não de ofício, Bolsonaro tem desafiado as diretrizes e determinações do Ministério da Saúde, da Organização Mundial da Saúde, da totalidade dos médicos — mesmo dos que se opõem às medidas de distanciamento social — e das autoridades estaduais e municipais encarregadas de tomar medidas para conter a expansão do vírus.
Não estivesse a realidade a confirmar os piores prognósticos sobre a expansão da doença, vá lá. Mas a gente vê precisamente o contrário. Neste domingo, o país atingiu a marca de 1.223 mortos, com 22.169 casos da doença. O primeiro óbito foi confirmado no dia 17 de março. Em menos de um mês, o salto é assustador. Os números são brutalmente maiores. Na sexta-feira, só a cidade de São Paulo aguardava o resultado de 670 exames de pessoas que morreram com síndrome respiratória aguda grave.
E o que faz o presidente da República, um de apenas quatro chefes de Estado em todo mundo que negam a gravidade da Covid-19 e desprezam a sua letalidade — os outros três são os ditadores, respectivamente, da Nicarágua, da Belarus e do Turcomenistão? Sai por aí a promover aglomerações — até quando vai anunciar a criação de um hospital de campanha para doentes, como fez em Águas Lindas, em Goiás, no sábado; convida a população a desobedecer as regras do distanciamento social; ataca governadores e prefeitos que implementam as medidas; promove o uso irresponsável da cloroquina, cuja eficácia ainda está em estudo, e incita a população a protestar contra governadores e prefeitos que implementam as medidas de distanciamento social oficialmente adotadas por seu próprio governo por intermédio do seu Ministério da Saúde.
Como afirmou o ministro Luiz Henrique Mandetta em entrevista ao Fantástico, neste domingo, "isso leva para o brasileiro uma dubiedade. Ele não sabe se escuta o ministro da saúde, se escuta o presidente, quem é que ele escuta". Assim, por óbvio, o comportamento de Bolsonaro não é inócuo e não se inscreve apenas no terreno, como ridiculamente pretende Aras, da "liberdade de expressão". O modo como Bolsonaro se comporta e o que ele diz trazem consequências práticas, independentemente dos documentos que ele assine.
Não só o procurador-geral da República deixou de tomar uma atitude para tolher esse comportamento irresponsável do presidente como, no âmbito da PGR, procurou impedir que prosperassem ações que forcem o mandatário a se adequar ao que dispõe a Constituição. Ao ser ou omisso ou parceiro de Bolsonaro no comportamento irresponsável, pode estar colaborando para o cometimento de um crime e cometendo um outro ele próprio.
Dado que o pais vive as consequências do distanciamento social, obviamente negativas para a economia e para a vida das pessoas; dado que se reconhece ser tal distanciamento necessário para não contaminar pessoas, evitando a disseminação do vírus; dado que se trata de decisão orientada pela ciência e pelas autoridades sanitárias do mundo inteiro e do próprio país, a começar do Ministério da Saúde; dado que a Constituição protege o direito à Saúde nos Artigos 6º, 196 e 197, pergunta-se: pode o presidente da República, como encarnação máxima do Poder Executivo, ignorar tais disposições em nome da liberdade de expressão, quando o suposto exercício de tal liberdade se traduz por uma incitação a que se desrespeitem os padrões firmados pela ciência, por órgãos técnicos e por seu próprio governo?
A resposta, obviamente, é "não!".