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Reinaldo Azevedo

Nota da Defesa é positiva, claro!, mas indica algo de muito errado em curso

Ministro Fernando Azevedo e Silva, da Defesa. Logo ele vai ter de editar um livro com suas notas oficiais negando golpe de estado - Reuters
Ministro Fernando Azevedo e Silva, da Defesa. Logo ele vai ter de editar um livro com suas notas oficiais negando golpe de estado Imagem: Reuters

Colunista do UOL

04/05/2020 18h49

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Mais um pouco, e o ministro da defesa, general Fernando Azevedo e Silva, vai editar um livro de notas oficiais da pasta garantindo que as Forças Armadas vão se ater ao que dispõe a Constituição. Algo de errado acontece com a democracia e com o exercício do Estado de Direito quando a pasta da Defesa se vê na contingência de ter de afirmar que — porque é disto que se trata — não haverá golpe de Estado.

Escreve desta vez o titular da defesa:
"As Forças Armadas cumprem a sua missão Constitucional.

Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do País"

A liberdade de expressão é requisito fundamental de um país democrático. No entanto, qualquer agressão a profissionais da imprensa é inaceitável.

O Brasil precisa avançar. Enfrentamos uma Pandemia de consequências sanitárias e sociais ainda imprevisíveis, que requer esforço e entendimento de todos.

As Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade. Este é o nosso compromisso."

Ah, sim, claro!, podemos até tentar encontrar um recado sub-reptício ao Supremo quando o general afirma as Forças Armadas consideram que a independência e a harmonia entre os Poderes são "imprescindíveis para a governabilidade do país". Bem, dizer o quê?

Isso não é uma "consideração" das Forças Armadas, mas uma disposição constitucional. Está previsto no Artigo 142 da Carta, a saber:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Assim, independentemente do que as "Forças Armadas consideram", há aquilo que as Forças Armadas são por vontade do povo brasileiro. Este, por intermédio do Parlamento brasileiro, em eleições livres e democráticas, elegeu um Congresso constituinte, que designou àqueles que exercem o monopólio do uso legítimo da força uma tarefa.

Qualquer ação fora do escopo constitucional é, pois, tentativa de golpe de Estado ou golpe propriamente.

O ministro da Defesa está reafirmando, pela undécima vez, que não há lugar para golpe. Mas por que o faz de novo?

Porque temos um presidente que não cansa de evocar os fardados a cada vez que se vê tentado a dar um "by pass" nos Poderes constituídos.

E por que temos esse presidente? Bem, ele tem origem nos quarteis, sim, mas há muito está afastado de lá, de onde, diga-se, foi banido por mau comportamento, ainda que se tenham arranjado as coisas para que a sua expulsão do Exército assumisse a forma de uma passagem voluntária para a reserva.

Eleito pelas vias civis consagradas pela Carta democrática, Bolsonaro transformou o Poder Executivo numa agência de emprego de militares da reserva, de sorte que o destino do ocupante do Poder Executivo acaba se misturando com os interesses, vamos dizer, subjetivos de uma boa parte dos fardados que deveriam estar, simbolicamente, de pijama. Em vez disso, estão metidos em seus ternos, transitando em espaços de poder que não lhe são próprios.

Muitas vezes, quando vemos uns e outros a falar dos altos interesses da pátria e da nação, estão é falando dos pequenos, ou nem tanto, interesses de sua vida privada e de sua conta bancária.

Aqueles que respondem pelos altas funções das Forças Armadas como instituições permanentes do Estado devem refletir gravemente sobre o erro de transformar a tropa numa espécie de "classe social" especialmente interessada no nome de quem governa o país. Quando a defesa da pátria se mistura com interesses que são, em última instância, pecuniários, há uma disfuncionalidade que merece resposta.

Não! Isso nada tem a ver com, como pensam os imbecis, com uma teoria de esquerda. Eu estou reproduzindo a abordagem do conservador, da direita democrática, Samuel Huntington no livro "O Soldado e o Estado". Estou defendendo os postulados do que ele chama "controle social objetivo" das Forças Armadas, que é o que deve vigorar numa sociedade democrática, de corte liberal.

De resto, quero lembrar que a Lei 1.079, que trata dos crimes de responsabilidade, não prevê que um ministro do Supremo possa ser punido por ameaçar outros Poderes — até porque ele não tem o, para repetir a palavra, o poder para tanto. Não há decisão monocrática que concentre tal potencial de destruição da ordem democrática.

Mas se aponta, sim, crime de responsabilidade quando um presidente da República ameaça o livre exercício do Legislativo e do Judiciário. É crime de responsabilidade também segundo o que dispõe o Artigo 85 da Constituição.

Eu tenho uma boa saída para que o Ministério da Defesa não precise mais emitir notas sobre a democracia, num sinal de algo não anda bem com a democracia: que os militares se retirem do governo. Não existem para isso. Assim como os civis não assumem o campo de batalha.