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Reinaldo Azevedo

Saída de Mattar e Uebel do governo: não tinha como dar certo. E deu errado!

Salim Mattar e Paulo Uebel, membros da equipe de Paulo Guedes (dir.), que tem virado uma versão heterodoxa das próprias ideias. Está falando sozinho - Sérgio Lima/Poder 360; Albino Oliveira/Ascom-ME; Marcos Corrêa/PR
Salim Mattar e Paulo Uebel, membros da equipe de Paulo Guedes (dir.), que tem virado uma versão heterodoxa das próprias ideias. Está falando sozinho Imagem: Sérgio Lima/Poder 360; Albino Oliveira/Ascom-ME; Marcos Corrêa/PR

Colunista do UOL

11/08/2020 23h11

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Salim Mattar deixou a Secretaria Especial de Desestatização e Privatização, e Paulo Uebel, a de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. Ambos alegam descontentamento com o ritmo imposto pelo governo naqueles que eram os objetivos principais de cada um, a saber: passar estatais nos cobres e empreender a reforma administrativa.

Outros já haviam saído da equipe de Paulo Guedes. Mansueto Almeida demitiu-se do Tesouro Nacional para ser economista-chefe do BTG Pactual — com ou sem discordância com o governo, convenham, não deve ser fácil resistir à oferta, né? Rubem Novaes anunciou que deixará a presidência do Banco do Brasil. Aqui e ali, vocifera um liberalismo infanto-radical e já vai tarde. Tornou-se notório mais por frases infelizes do que por algum feito notável no banco. Caio Megale saiu da diretoria de programas da Secretaria Especial da Fazenda. A razão nunca ficou clara. Parece que não estava feliz no cargo.

Há um esforço para tentar ler sinais: o que estaria em curso? O dito "programa liberal" de Paulo Guedes está sendo desmontado? Mas qual é mesmo o programa liberal de Paulo Guedes?

Ah, ele quer desestatizar e privatizar? Cadê o plano? Onde está a agenda? Além do proselitismo — arrecadar R$ 1 trilhão, tornar o estado mais leve, gastar menos com a máquina para sobrar mais para saúde e educação —, o que há de efetivo? O Congresso não precisa avalizar a venda de subsidiárias, mas tem de concordar com a privatização de empresas-mãe. O que se conhece a respeito, além de nada?

Da mesma sorte, uma reforma administrativa comporta aspectos políticos — e assim é no mundo inteiro. Não seria diferente no Brasil. O país acaba de passar por uma reforma da Previdência que ceifou — escolham a palavra agora — direitos ou privilégios dos servidores. Também não se conhece que reforma exatamente se quer fazer.

Lembro, a título de frase simbólica, da disposição de Paulo Guedes de meter uma granada no bolso do funcionalismo. Ele a disse naquela reunião circense do dia 22 de abril. É aquela em que se referiu ao Banco do Brasil, falando diretamente ao demissionário Novaes: "Tem de vender essa porra logo". E o presidente da "porra" se calou em sinal de assentimento.

A propósito: uma reforma administrativa contemplaria os militares? A pergunta é retórica porque sei a resposta. Obviamente, é não. E aqui se coloca o terceiro dos três pés que sustentam a fantasia bolsonariana.

O primeiro é o núcleo reacionário, na grande e suposta revolução conservadora que estaria em curso, grupo ao qual pertence o próprio presidente. O segundo era composto pela turma de "supostos liberais" de Guedes, que viriam para modernizar a tigrada, com aquele furor, assim, suspostamente reformista dos "jovens turcos". E o terceiro é a milicada, pouco disposta a reformar qualquer coisa.

Cada um deles tem seus vícios insanáveis. E, juntos, potencializam mutuamente os respectivos defeitos. Os ditos "liberais" — e essa palavra virou uma gaveta em que cabe uma penca de reacionários — acreditavam que poderiam reformar o que lhes desse na telha sem conversar com o Congresso. Fingiam que a política não existia.

Por alguma razão que a razão desconhece, os liberais julgavam que poderiam celebrar uma aliança com o que chamam "conservadores" — conservadores de quê? — para "modernizar" o Estado brasileiro, modernização essa que contaria, então, com o concurso de Ricardo Salles (vejam o desastre ambiental em curso, com reflexo direto nos investimentos), Ernesto Araújo, Damares Alves, o reaça da hora na Educação, o policialesco André Mendonça e, claro!, o próprio Bolsonaro.

E há a milicada toda, que, além de nunca ter sido liberal, não reconhece os caminhos trilhados pela, atenção para a expressão, "vanguarda do retrocesso". Esse retrocesso da extrema direita global antiglobalista é estranho a certo verde-amarelismo nativista, com laivos de Policarpo Quaresma, da, vá lá, elite militar que acabou tomando conta do governo.

Toda essa gente compõe a nau dos insensatos do bolsonarismo. No fim das contas, restou o quê? Bolsonaro está em busca agora de arrancar uma grana, furando o teto de gastos, para exercer nos próximos dois anos um populismo agressivo, que possa pavimentar a sua reeleição.

Sim, deu tudo errado. E não tinha como dar certo. Na próxima vez em que liberais que repudiam a política se juntarem a reacionários delirantes, apoiados em baionetas, todos eles prometendo salvar o Brasil, não acredite.

Não podem salvar o país os que não têm salvação.