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Reinaldo Azevedo

STF decide: saúde é direito fundamental; inquérito civil já para a Anvisa

Ricardo Lewandowski: ministro cobrou explicações da Anvisa. Saúde é direito assegurado pela Constituição e preceito da Carta. Presidente e agência não podem fazer o que lhes der na telha - Nelson Jr./SCO/STF
Ricardo Lewandowski: ministro cobrou explicações da Anvisa. Saúde é direito assegurado pela Constituição e preceito da Carta. Presidente e agência não podem fazer o que lhes der na telha Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

Colunista do UOL

11/11/2020 06h25

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É preciso deixar claro a Jair Bolsonaro que ainda existem juízes em Brasília. Trato antes das peripécias do presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), almirante Antonio Barra Torres.

Reitere-se: há algo de exótico em ter a agência suspendido os testes com a vacina, dado que se tem um morto entre os voluntários? Resposta: em si, nada. Mas esperem: antes disso, a Anvisa deveria ter colhido informações precisas sobre a ocorrência — e era uma questão de horas — e, se considerasse, então, que era o caso de tomar a medida drástica, que o Instituto Butantan fosse previamente avisado.

A agência não fez nem uma coisa nem outra e optou por uma terceira: emitiu uma nota pública terrorista, elencando ocorrências que caracterizam o tal "evento adverso grave": morte, invalidez, anomalia congênita etc. Foi o texto que inspirou Bolsonaro a escrever sua nota delinquente no Facebook.

E não! Suicídio e overdose — causas prováveis da morte do voluntário (uma coisa, outra ou ambas) — não são considerados "eventos adversos graves", como não seriam atropelamento, tiro ou espancamento.

Não há, e nunca houve, razão para a Anvisa suspender a vacina — lembrando que a nota oficial da agência chega a ameaçar com a não "continuidade do estudo".

Na entrevista coletiva, Torres chegou a citar a "guerra política", que, segundo ele, não pauta a agência. Duas coisas:
1: no caso da vacina, o único que está em guerra é Bolsonaro -- contra os fatos;
2: se não pauta, então é preciso fazer a coisa certa. Já resta evidente que o evento pode ser adverso e grave, mas não para a vacina.

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, deu um prazo de 48 horas para que a agência explique os seus motivos. Ele é relator de quatro ações que tramitam na Casa e que dizem respeito à vacinação. Há duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs), a 754 (da Rede) e a 756 (PCdo B, PSOL, PT, PSB e Cidadania). A primeira pede que o governo federal apresente um plano de vacinação; a segunda, que o governo garanta a imunização dos brasileiros, sem entraves de natureza política ou ideológica. É no âmbito dessas duas ações que o ministro solicitou informações. Ele pode, por meio de liminar, determinar a suspensão da interdição da Anvisa.

Só para lembrar: o ministro é ainda relator de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade sobre o tema, que ele já decidiu levar a plenário, descartando a liminar monocrática. A do PDT pede que seja reconhecida a competência de Estados e municípios para decidir a vacinação compulsória da população. A do PTB, do neobolsonarista radical Roberto Jefferson, quer que seja declarado inconstitucional dispositivo da Lei 13.979 que permite a vacinação compulsória.

A saúde é dever do Estado e direito dos cidadãos, segundo garantem os Artigos 6º e 196 a 198 da Constituição. O governo federal ou a Anvisa não podem, por capricho, tornar sem efeito preceitos fundamentais da Carta de 1988 quando o tema é vacina.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
O Ministério Público Federal deveria cumprir a sua função e abrir, antes mesmo da resposta da Anvisa ao STF, um inquérito civil para apurar o que aconteceu. A depender do que se verifique, será preciso responsabilizar os dirigentes da agência com base na Lei de Improbidade Administrativa. Posso apostar que um eventual ânimo para a sabotagem vai diminuir bastante.

O Ministério Público junto ao TCU enviou uma representação ao tribunal para que se apure se a decisão da Anvisa obedeceu a algum viés político ou ideológico. Para o subprocurador Lucas Rocha Furtado, a agência dispõe de independência administrativa e autonomia financeira, podendo atuar livremente. Ele quer saber, no entanto, se, no caso do desenvolvimento da vacina, está havendo alguma interferência externa.

Será? De quem seria?

Esse assunto é importante e perigoso demais para ficar apenas nas mãos da Anvisa. Até porque a agência se subordina à Constituição, não é a Constituição que se subordina à agência. É a Carta que garante a saúde como direito fundamental, sendo esse um dos seus preceitos, não a Anvisa ou Barra Torres.