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Reinaldo Azevedo

REPORTAGEM

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Euforia com o novo comando da Câmara se sustenta em fake news, como se verá

Arthur Lira comemora vitória na Câmara, cercado de entusiastas de seu nome. Euforia de certos setores com sua vitória é só desejo sem realidade - Rafaela Felicciano/Metrópoles
Arthur Lira comemora vitória na Câmara, cercado de entusiastas de seu nome. Euforia de certos setores com sua vitória é só desejo sem realidade Imagem: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Colunista do UOL

03/02/2021 07h20

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Dizer o quê? Há tanta gente cantando vitória e antevendo futuros gloriosos que chega a ser difícil evocar um tantinho de realidade. Mas vamos lá. Para não perder o costume. Começo com um desafio que, obviamente, não será respondido: digam-me uma única pauta do governo relativa às tais reformas que tenha sido obstada pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) quando na Presidência da Câmara. Essa é uma mentira grotesca, que Jair Bolsonaro e Paulo Guedes usam para esconder a própria incompetência.

A julgar pela reação dos mercados e, claro!, pela fanfarronice do ministro da Economia, tudo está bem e será destravado agora. Até o habitualmente comedido Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, saiu-se com a conversa de que, com o novo comando do Congresso, fica mais fácil votar as reformas fiscais. É mesmo?

Quem foi que decidiu, por exemplo, congelar a tramitação da reforma administrativa? Resposta: Jair Bolsonaro. O ex-presidente da Câmara não tem nada com isso. Especialmente loquaz em momentos assim, Guedes já organizou até aquela que seria a hierarquia de temas. A impressão que se tem é que não houve apenas uma troca das respectivas presidências das duas Casas do Congresso. Falam como se estivesse aí um novo Poder Legislativo.

A eleição no Senado foi mais tranquila agora do que há dois anos. Há um aliado de Bolsonaro no comando: Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Mas já havia. O Planalto interferiu sem muita sutileza na eleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP) em 2019. Ali não há mudança de status, mas acordo. Pacheco contou, por exemplo, com o apoio de PT e PDT. E o MDB ficou com a primeira vice-presidência. Se estiver errado, virei aqui para anunciar o engano. Não vejo um presidente do Senado afrontando o bom senso e a institucionalidade. Como não o fez Alcolumbre, diga-se. Teve um comportamento correto.

JÁ NA CÂMARA...
Na Câmara, no entanto, os augúrios não parecem ser os melhores. A indicação da deputada Bia Kicis (PSL-DF) para a Presidência da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) parece mais um convite à guerra do que um aceno à paz. Ainda volto ao assunto.

Arthur Lira estreou na Presidência com uma decisão atrabiliária, disposto a mostrar quem manda na Casa. A anulação do bloco que apoiou a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) como primeiro ato é retaliação detestável e evidencia desprezo pelos adversários. O deputado recuou parcialmente da decisão e agora se mostra disposto a dar às oposições dois lugares na Mesa e duas suplências. Ainda assim, é menos do que estava previsto se cumprisse as regras do jogo.

O PDT apelou ao Supremo, e Dias Toffoli deu 10 dias para Lira se explicar. É pouco provável, acho eu, que interfira em algo dessa natureza, embora, ao indicar Kicis para presidir a CCJ — o que ainda precisa ser referendado pela Comissão —, Lira pareça empenhado mandar uma banana para o Supremo. Ela é investigada no inquérito sobre as fake news.

Sim, o bolsonarismo amplia os seus postos de influência na Câmara, mas aí cabe a pergunta: isso colabora mesmo para fazer avançar a agenda do governo — seja ela qual for?

Lira conquistou 302 votos. Será esse o tamanho da base do governo? Todos sabem que não. Por que Bolsonaro decidiu esfriar a reforma administrativa? Porque sabia que não tinha votos. Quando chegar a hora de debater a reforma tributária, que mexe com interesses dos estados, é claro que não haverá uma ordem unida. A eleição de Lira custou alguns bilhões. A cada votação importante, haverá a operação "on demand", com o governo encomendando parlamentares?

ONDE ESTÁ O DINHEIRO?
Há uma outra questão de fundo importante. É preciso achar dinheiro. O Centrão, por acaso, está se comprometendo a manter o teto de gastos? Este é compatível com os seus apetites e com a intenção do governo de ampliar o Bolsa Família? De onde sairão as moedas para pagar os argentários que se reuniram de modo tão diligente para eleger Lira?

Lendo certas análises, tem-se a impressão de que, com a saída de Rodrigo Maia da presidência da Câmara, não só a base do governo se expandiu enormemente como começou a brotar dinheiro. Os primeiros embates na votação do Orçamento trarão um pouco de realidade a essa euforia sem lastro.