Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
ESQUENTOU 1: Martins, do STJ, quer que PGR apure se Lava Jato cometeu crime
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O presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, encaminhou um ofício a Augusto Aras em que pede "a apuração de condutas penais, bem como administrativas ou desvio ético dos procuradores nominados [Deltan Dallagnol e Diogo Castor] e de outros procuradores da República eventualmente envolvidos na questão perante o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)".
Sim, trata-se de um pedido formal do STJ para investigar a conduta de integrantes da Lava Jato de Curitiba. E por quê? Reportagem publicada pela CNN, a partir de dados da Operação Spoofing — arquivo legalmente colhido e liberado —, evidencia que os integrantes da força-tarefa revelaram, nos termos do ofício, "a intenção de investigar, sem prévia autorização do Supremo Tribunal Federal, ministros do Superior Tribunal de Justiça".
Lembra ainda o presidente do STJ:
"Nos termos do Art. 102, I-c, da Constituição Federal, referidos ministros têm foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal, e, portanto, em tese, os aludidos procuradores estariam agindo fora do âmbito de abrangência de suas atribuições".
INVESTIGAÇÃO
Transcrevo, abaixo, um trecho da reportagem da CNN a que alude Martins:
A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entregou ao STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quinta-feira (4) novo pacote de mensagens apreendidas no âmbito da Operação Spoofing que revelam a intenção da Lava Jato de investigar ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O arquivo de 42 páginas foi entregue ao ministro Ricardo Lewandowski, que, na segunda-feira (1º), suspendeu o sigilo das conversas entre os procuradores de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro. Nessa nova leva, o então coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, sugere pedir à Receita Federal "uma análise patrimonial" dos ministros que integram as turmas criminais do STJ.
"A RF [Receita Federal] pode, com base na lista, fazer uma análise patrimonial, que tal? Basta estar em EPROC [processo judicial eletrônico] público. Combinamos com a RF", escreve Deltan para, em seguida, emendar: "Furacão 2".
O procurador Diogo Castor de Mattos diz, então, acreditar que o ministro Félix Fischer, o relator da Lava Jato no STJ, não estaria envolvido em irregularidades. "Felix Fischer eu duvido. Eh um cara serio (sic)", escreve.
A troca de mensagens indica que a operação tinha a intenção de investigar pessoas com prerrogativa de foro privilegiado sem autorização.
O QUE JÁ REVELOU A VAZA JATO
Não é a primeira vez que vem à luz a informação de que procuradores da Lava Jato, ao arrepio de autorização do Supremo, manifestaram a intenção -- ou investigaram -- ministros de tribunais superiores. Reitere-se e acrescente-se: isso só poderia ser feito com autorização do STF. E, se houver a dita-cuja, quem tem de levar adiante a tarefa é a Procuradoria Geral da República, não procuradores de primeira instância.
Reportagens da Vaza Jato — do site The Intercept Brasil e parceiros — já haviam evidenciado o avanço da força-tarefa sobre autoridades com O NECESSÁRIO FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.
Reportagem conjunta Folha-Intercept, publicada no dia 1º de agosto de 2019, informa:
O procurador Deltan Dallagnol incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar o ministro Dias Toffoli sigilosamente em 2016, numa época em que o atual presidente do Supremo Tribunal Federal começava a ser visto pela Operação Lava Jato como um adversário disposto a frear seu avanço.
Mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e analisadas pela Folha junto com o site revelam que Deltan, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com a corrupção na Petrobras.
(...)
As mensagens examinadas pela Folha e pelo Intercept (...) sugerem que ele [Deltan] também recorreu à Receita Federal para levantar informações sobre o escritório de advocacia da mulher do ministro, Roberta Rangel.
O link da reportagem vai acima. O texto sugere que haveria a mobilização do que parece ser um esquema paralelo na Receita Federal para investigar, também extrajudicialmente, o ministro Gilmar Mendes.
Mendes, aliás, é o alvo predileto da turma. Outra reportagem da Vaza Jato, esta em parceria do Intercept com El País, mostra a intenção dos procuradores de partir para cima do ministro. Reproduzo trecho:
Procuradores da Operação Lava Jato em Curitiba fizeram um esforço de coleta de dados e informações sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, com o objetivo de pedir sua suspeição e até seu impeachment. Liderados por Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, procuradores e assistentes se mobilizaram para apurar decisões e acórdãos do magistrado para embasar sua ofensiva, mas foram ainda além. Planejaram acionar investigadores na Suíça para tentar reunir munição contra o ministro, ainda que buscar apurar fatos ligados a um integrante da Corte superior extrapolasse suas competências constitucionais, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem. A estratégia contra Gilmar Mendes foi discutida ao longo de meses em conversas de membros da força-tarefa pelo aplicativo Telegram enviadas ao The Intercept por uma fonte anônima e analisadas em conjunto com o EL PAÍS.
Trata-se mesmo de uma obsessão contra o ministro. Informações tornadas públicas vindas do arquivo da Spoofing trazem uma disposição de Dallagnol revelada a seus parceiros:
"Precisamos reagir ao GM [Gilmar Mendes]. Vou articular com SP e RJ algo. Caros precisamos fazer algo em relação a GM".
RETOMO
Como se sabe, pedaços da investigação contra Toffoli foram vazados à imprensa, ainda que nada revelassem de ilegal, mas vinham carregados de ilações para tentar constranger o ministro. Nada foi encontrado contra Mendes, ou, é claro!, os vazadores teriam feito um escarcéu.
Parece que a chapa vai esquentar. E, nesse sentido, é preciso entender o alcance da decisão de Humberto Martins. E, parece-me, o Supremo está obrigado a fazer a mesma solicitação. A menos que Luiz Fux queira submeter à humilhação o tribunal que preside.
(Leia ESQUENTOU 2 - Entenda por que pedido de STJ nada tem a ver com prova ilegal