Topo

Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

SPOOFING 2: A pergunta de Cármen; Marques e o "calunismo" extremo-centrista

Nunes Marques e Cármen Lúcia, Ministros votaram de acordo com a Constituição e o devido processo legal. Que seja sempre assim! - Felipe Sampaoio/SCO/STF; Carlos Moura/SCO/STF
Nunes Marques e Cármen Lúcia, Ministros votaram de acordo com a Constituição e o devido processo legal. Que seja sempre assim! Imagem: Felipe Sampaoio/SCO/STF; Carlos Moura/SCO/STF

Colunista do UOL

10/02/2021 05h52

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A ministra Cármen Lúcia — com voto dado como incerto na sessão desta terça do Supremo, que julgou o absurdo recurso de sete procuradores que se uniram para tentar impedir o direito de Lula à ampla defesa — lançou a mais desconcertante de todas as questões. Talvez Edson Fachin, o Torquemada da Corte, pudesse ensaiar uma resposta. E que esta fosse também objetiva e se ativesse aos autos. Esqueçam! Ao entrar naquele universo mental, já está claro, convém deixar do lado de fora toda a esperança.

A ministra, a exemplo dos outros três que reconheceram o direito do ex-presidente Lula ao compartilhamento do material apreendido pela Operação Spoofing, foi objetiva e cortante:
"Ficou com um dado que me chama atenção: a polícia tem acesso a dados, o MP tem acesso a dados, o juiz tem, e a defesa não têm? Isso não é direito constitucional assegurado? Acho que é preciso que levemos com a segurança que o direito constitucional assegura."

Vejam que coisa! A pergunta da ministra não tem resposta a não ser esta:
"Pois é, ministra, nós queremos fraudar o fundamento explícito da Constituição que garante o direito à ampla defesa".

É a única resposta possível. Cumpre lembrar: essa questão nasce de um esforço de três anos da defesa de Lula para ter acesso a dados do acordo de leniência da Odebrecht que tiveram peso óbvio na condenação do ex-presidente.

Transcrevo outro trecho do voto do ministro Ricardo Lewandowski:
"A pequena amostra do material coligido até agora já se afigura apta a evidenciar, ao menos em tese, uma parceria indevida entre o órgão julgador e a acusação, além de trazer a lume tratativas internacionais, que ensejaram a presença de inúmeras autoridades estrangeiras em solo brasileiro, as quais, segundo consta, intervieram em investigações, aparentemente à revelia dos trâmites legais (documento eletrônico 173), de modo especial naquelas referentes à Odebrecht, objeto específico desta reclamação, com possível prejuízo ao reclamante".

Nesse trecho do voto, escreve o relator que as tais autoridades estrangeiras, "segundo consta, intervieram em investigações aparentemente à revelia da lei". Explico: o ministro oficiou à PGR para saber qual tinha sido a efetiva colaboração de autoridades suíças e americanas no acordo de leniência da Odebrecht e recebeu como resposta oficial a afirmação de que não houve colaboração nenhuma. Não é o que as evidências apontam.

É com este estado de coisas que um voto como o de Fachin compactua.

Cármen, a exemplo dos outros ministros, deixou claro que não estava julgando o uso ou não das provas ou a sua legalidade. A questão, como ela evidenciou, era saber por que apenas à defesa se deveria vetar o acesso ao conteúdo conhecido por todas as outras partes envolvidas no caso. Se ela vai ou não mudar seu voto sobre a suspeição de Moro, bem, isso é matéria que não foi tratada nesta terça.

"CALUNISMO"
Seu voto, de todo modo, foi importante para tirar dos ombros de Nunes Marques a patrulha de certo "calunismo" extremo-centrista que pôs na cabeça, na base da pura ilação, que há uma aliança tácita entre o bolsonarismo e o lulismo para que ambas as forças voltem a se enfrentar em 2022. Nessa perspectiva, a Bolsonaro interessaria disputar o segundo turno com Lula, se anuladas as condenações, porque seria mais fácil vencê-lo.

Assim, Nunes Marques estaria lá para cumprir esse papel. Se, nesta terça, ele tivesse sido um de apenas três votos em favor do compartilhamento, essa conversa mixuruca viria com tudo. Como foi um de quatro, então fica adiada a questão para quando, SE O FIZER, votar em favor da suspeição de Moro.

Por que chamo de "calunismo do extremo-centrismo"? Bem, em primeiro lugar porque até parece que a candidatura de Lula impediria que algum outro forte postulante se lançasse contra Bolsonaro. Impediria por quê? Quem seria o forte candidato? Mas por que ele seria forte contra Bolsonaro, mas não conseguiria se impor também sobre Lula — se é que o petista concorreria ainda que pudesse.

De resto, qual é a tese de fundo? Uma condenação ilegal deveria ser mantida só para ver se o tal centro, que já está se estapeando, consegue ter um nome — ou nomes — viável?

Isso é lixo analítico. Além de ser essencialmente imoral.

De toda sorte, Cármen tirou esse peso dos ombros de Nunes Marques. Ao menos nessa votação.