Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
SPOOFING 1: Voto impecável de Lewandowski; Lava Jato, Fachin e a degradação
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Assistiu-se nesta terça, durante votação de recurso impetrado por um grupo de procuradores contra decisão do ministro Ricardo Lewandowski — que autorizou a defesa do ex-presidente Lula a ter acesso aos arquivos da Operação Spoofing —, a um misto de horror e maravilha.
Os respectivos votos de quatro ministros — Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes — evidenciam que ainda subsiste uma trilha clara para o país: o devido processo legal. A petição em si, de autoria de sete procuradores, sob a liderança de Deltan Dallagnol; o voto divergente de Edson Fachin e trechos de diálogos espúrios que foram rememorados na seção remetem ao pântano fétido da degradação a que foi submetido o estado de direito.
Foram quatro votos a um, como sabem, em favor do compartilhamento. Em seu voto, Lewandowski, o relator, desmontou a pretensão dos peticionários com cortante rigor técnico.
O pedido, assinado por Dallagnol e outros seis, não deixa de ser um emblema daquilo que tem sido a Lava Jato nesses quase sete anos de existência: a lei é ignorada; as regras do jogo são fraudadas; as competências são desprezadas. Investe-se no caos para, sobre ele, tonitruar sentenças de moralismo tosco.
ILEGÍTIMOS
É estupefaciente, mas é assim: os senhores procuradores de primeiro grau não têm competência para oficiar questões junto ao Supremo. A tarefa, quando cabível, é da Procuradoria Geral da República. A que veio a petição, não fosse mais um esforço para jogar areia nos olhos do distinto público, como tem feito essa gente ao longo dos anos?
Lewandowski fulminou:
"Tal via de impugnação somente poderia ser manejada, no âmbito do STF, pelo Procurador-Geral da República, na qualidade de titular da ação penal, mas jamais por um litisconsórcio de Procuradores a ele funcionalmente subordinados, agindo em nome próprio e assistidos por advogado particular." Leia a íntegra do voto do ministro Lewandowski aqui.
Os gloriosos procuradores também resolveram falar em nome do direito à intimidade, canoa furada e degradada na qual embarcou Edson Fachin, despachante a serviço do lavajatismo. Coube ao relator lembrar aos peticionários -- não que ignorem a questão, claro! -- o fundamento técnico e também o conteúdo de sua decisão:
"(...) mesmo que estes [os procuradores] buscassem a tutela de interesse de terceiros, relembro que o Código de Processo Civil é expresso ao consignar, em seu art. 18, que a ninguém é dado pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico, o que não é o caso. Sim, mesmo porque aqui não há qualquer direito transindividual a justificar a atuação do órgão ministerial de piso em legitimação extraordinária, na qualidade de substituto processual."
De resto, destacou o ministro, a sua decisão de compartilhamento é expressa ao determinar o sigilo de tudo o que não diga respeito a questões afeitas ao reclamante: Lula.
Reproduzo de novo palavras da decisão do ministro:
"Em todas as decisões anteriores por mim proferidas, autorizando o acesso do reclamante ao material apreendido na Operação Spoofing, sempre ressalvei, de forma expressa, que os conteúdos que digam respeito exclusivamente a terceiros, isto é, àqueles que não tenham qualquer relação com o reclamante, deveriam ser mantidos sob rigoroso sigilo".
MATERIAL EDITADO UMA OVA!
Em mais essa farsa que os "cadáveres adiados que procriam" da Lava Jato resolveram encenar, há a argumentação exótica, fora da hora, oportunista -- talvez malandra -- de que não se pode asseverar a incolumidade dos diálogos porque poderiam ter sido editados. Insiste-se nessa tecla ridícula também em relação ao material que fonte anônima entregou ao site The Intercept Brasil.
Bem, já se sabe que a incolumidade dos arquivos foi garantida pela PF e devidamente periciada. Quanto a uma suposta edição anterior à apreensão, seria preciso que os hackers, vendo seu próprio futuro na bola de cristal e sabedores de que, um dia, seriam pegos, houvessem por bem manipular preventivamente as conversas para prejudicar Sergio Moro e os procuradores. É ridículo!
Mais ainda: como destacou o ministro Gilmar Mendes, em seu contundente voto, que grandes ficcionistas seriam eles, não é mesmo?, para conhecer a rotina processual — e sua burla metódica —; as personagens envolvidas; as firulas técnicas e até alguns escorregões na linguagem de botequim mal frequentado a que recorriam os valentes às vezes.
Mais: quando lemos os diálogos, os tais hackers seriam, então, verdadeiros gênios do direito para manipular conversas, tornando-as absolutamente verossímeis, empregando com destreza, inclusive, o jargão jurídico.
Por que dão desculpas tão ridículas? Porque se acostumaram, ao longo de sete anos, a depredar o devido processo legal e o estado de direito sob o aplauso quase unânime da imprensa. Vai que colasse também desta vez.
O INTUITO DE PREJUDICAR A DEFESA
Como deixaram claro os ministros, não se cuidava ali de debater a legalidade das provas. Não era isso o que estava em pauta. Tratava-se apenas de garantir o direito à ampla defesa, conforme dispõe a Constituição. Haverá o momento adequado para tratar do assunto, coisa que os senhores procuradores, com a lastimável ajuda de Edson Fachin, tentaram trazer extemporaneamente a julgamento.
Escreve Lewandowski:
"(...) não há como fugir à conclusão de que falta aos peticionantes qualquer interesse recursal, traduzido na pertinência subjetiva em relação àquilo do que se recorre e em desfavor de quem se busca a reversão da decisão. Na presente hipótese, os personagens processuais dotados de tal qualidade são apenas o PGR, enquanto chefe do Parquet Federal, e o próprio reclamante [Lula], como lídimo interessado, por figurar como réu na supra referida ação penal. A toda evidência, estes são únicos polos legitimados para pedir e contestar as providências que são objeto da presente ação (...)".
O LEITOR TEM O DIREITO DE SE PERGUNTAR
Assim, o leitor tem o direito de considerar e de perguntar: "Mas, Reinaldo, afinal de contas, esses caras da Lava Jato não são idiotas. Eles sabiam muito bem que a lei não os autorizava a apresentar a petição e que não se estava a debater a qualidade das provas, mas apenas o direito à ampla defesa. Como é que eles recorrem mesmo assim, e ainda como peticionários privados?"
Lula é a sua presa política mais vistosa. Os descalabros da Lava Jato vieram a lume com a Vaza Jato. As 105 reportagens evidenciaram a maior farsa judicial da história brasileira e certamente uma das maiores do planeta. Parece-me haver aí um objetivo duplo:
1: causar, uma vez mais, perturbação à defesa de Lula, tentando ver se conseguiam mobilizar a opinião pública com o que lhes resta de apoio na imprensa profissional -- ou, admita-se, nem tão profissional assim;
2: tentar antecipar a questão da legalidade das provas. Com efeito, não poderão ser empregadas em juízo para punir ex-juiz e procuradores. Mas, por óbvio, evidenciados crimes cometidos contra, por exemplo, ministros de tribunais superiores -- que podem ter sido investigados ao arrepio da lei, não há como não se proceder a uma severa investigação.
E, se provas vierem à luz, serão absolutamente legais. E os criminosos terão de pagar por isso.
Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça, já pediu que a Procuradoria Geral da República tome as devidas providências.
Criminosos têm de pagar por seus crimes, não é mesmo? Originalmente, era o que a Lava Jato prometia ao distinto público. Também por isso gozou de tanto prestígio. Deve-se, no entanto, garantir a essas pessoas o que elas diligentemente sonegaram às suas vítimas: o direito de defesa — esse mesmo que os bacanas tentaram solapar uma vez mais nesta terça.