Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Bolsonaro humilha militares. "Generalocídio" de 2019 e Partido da Boquinha
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Não sei, não. Tudo leva a crer que o general Eduardo Pazuello jamais imaginou que Bolsonaro pudesse dispensá-lo — o que não aconteceu até agora, é verdade. Afinal, foi buscá-lo na caserna, contrariando o bom senso mais elementar, e o general sempre foi de uma constrangedora subserviência ao chefe.
Como esquecer a famosa frase pronunciada pelo militar na presença de Bolsonaro para definir a relação dos dois? Disse o fardado da ativa: "Um manda, e o outro obedece".
Era o dia 22 de outubro do ano passado. O general estava no hotel de trânsito do Exército, em Brasília, onde mora, recuperando-se justamente da Covid-19. O presidente foi visitá-lo depois de tê-lo desautorizado publicamente, afirmando que havia tornado sem efeito um protocolo que o ministro havia firmado para comprar vacinas desenvolvidas pela parceria Sinovac-Butantan: a Coronavac.
O presidente chamava o imunizante de "vacina chinesa" e ainda afirmou que João Doria deveria procurar outro para financiá-la, já que o governo não daria um tostão.
Pazuello aceitou a humilhação e seguiu no cargo. Ah, sim: na sequência, sua saúde piorou e teve de ser internado.
O "GENERALOCÍDIO"
O primeiro e o segundo escalões, além de estatais, estão coalhados de militares. Comandam, por exemplo, 15 estatais. Mas também eles são alvos do destrambelhamento de Bolsonaro. O general Santos Cruz, da então Secretaria de Governo, foi o mais graduado a cair, no dia 13 de junho de 2019. Segundo entendi, foi acusado de ter pensamento lógico. Carlos Bolsonaro passou a considerar o militar um inimigo pessoal.
Dois dias antes da queda de Santos Cruz, já havia sido defenestrado da Funai o general Franklimberg de Freitas. No caso, pesava contra ele algo gravíssimo: defender os índios num troço que chama Fundação Nacional do Índio. Onde já se viu?
Seis dias depois da demissão de Santos Cruz, Juarez Cunha deixou os Correios sob a suspeição de que trabalhava contra a privatização da empresa e de que passara a defender interesses dos servidores.
No dia 30 de setembro do mesmo ano, João Carlos Jesus Correia foi chutado do Incra. Resolveu levar a sério o seu trabalho e passou a tratar com rigor técnico a regularização de títulos de propriedade na Amazônia. Até as árvores derrubadas por madeireiros ilegais sabiam que supostos pequenos proprietários estão sendo usados como laranjas de grileiros. Jesus Correia, a exemplo dos outros, achou que tinha sido escolhido para trabalhar direito.
Em abril de 2019, já havia deixado o cargo Marco Aurélio Vieira Santa Rosa, que foi diretor-executivo de operações da Rio 2016. Ficou 107 dias à frente da Secretaria do Esporte, um braço do Ministério da Cidadania. Em seu lugar, entrou o também general Décio Brasil, igualmente demitido — em fevereiro do ano passado — para dar lugar a Marcelo Reis Magalhães. No dia 4 de novembro de 2019, Maynard Marques de Santa Rosa foi demitido da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Fato: nas sete demissões — seis delas no primeiro ano de governo, e três no prazo de oito dias —, nota-se que o presidente põe e tira general como quem diz "hoje é domingo". Uma coisa é certa: há um pressuposto para durar no cargo: ser ineficaz e despido de qualquer sombra de amor próprio.
O presidente submete os generais a um óbvio ritual de humilhação. Talvez Freud explique, já que foi um "mau militar", na frase resumida de Ernesto Geisel. O fato é que essa folia não estaria em curso se militares da ativa e da reserva não tivessem decidido governar o país em parceria com o "capitão" que julgavam controlável... Forças Armadas não podem se comportar nem como tutoras da sociedade nem como Partido da Boquinha.
Nos sete casos elencados, tratava-se de generais da reserva. Com Pazuello, há obviamente uma delicadeza adicional: é general da ativa. E foi justamente ele a levar mais longe a subserviência. Assim foi ficando no cargo. E acumulando cadáveres.
Ainda agora, se o presidente desligar o fogo da fervura, ele permanece. Até porque está com medo da Justiça.