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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Lula demite Pazuello, que resiste; "Mito" pode matar nome a substituí-lo

Eduardo Pazuello, que todos querem ver pelas costas, e Ludhimila Hajjar, médica do Incor e da rede Vila Nova Star. Até agora, só conversa - Carolina Antunes/PR; Vanezza Soares
Eduardo Pazuello, que todos querem ver pelas costas, e Ludhimila Hajjar, médica do Incor e da rede Vila Nova Star. Até agora, só conversa Imagem: Carolina Antunes/PR; Vanezza Soares

Colunista do UOL

14/03/2021 19h16

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Análise também tem lead, certo? Qual é o deste artigo? Este? "Lula demite general Pazuello da Saúde". E o comentarista acha que cabe acrescentar: "...o que pode resultar na preservação de muitas vidas". A primeira afirmação é análise, mas não opinião. A segunda já tem um tanto de prospecção e incerteza — tudo vai depender, claro!, de quem vai substituir Sargento Garcia. Mas calma! O homem não quer sair e desmente que esteja doente. Uma salva de aplausos à queda do general pode lhe garantir sobrevida no cargo. Uma boa maneira de derrubar Pazuello seria a imprensa organizar uma frente de aplauso a Pazuello e tratá-lo como uma inteligência superior à do chefe. Mas tudo tem limite, certo?

Vamos ver. A queda iminente do militar obediente está sendo atribuída à pressão dos parlamentares, especialmente do Centrão, e à constatação do que resta de sanidade no entorno do presidente de que o ministro passou a simbolizar a ineficiência e o caos, que já se instalou no sistema de saúde.

Tudo isso é verdade. Mas Pazuello está mesmo caindo — há risco, ainda que remoto, de Bolsonaro voltar atrás — porque Lula emergiu na cena política defendendo a vacina e as medidas protetivas, numa intervenção discursiva cirúrgica, que expôs as entranhas do negacionismo e da incompetência do governo federal na gestão da crise.

A fala repercutiu enormemente nas redes e também no Congresso. Parte considerável da atual base de apoio de Bolsonaro exerceu o mesmo papel nos governos Dilma e Lula. Algumas personagens podem até ter mudado — em muitos casos, os nomes influentes são os mesmos —, mas o espírito não mudou: o "Centrão" não existe para se opor, mas para, digamos, "ajudar a governar". Ocorre que não é suicida.

PARA DIVIDIR, NÃO PARA AFRONTAR
Fosse Lula um líder que falasse uma linguagem contra a política e contra o Congresso, não haveria, como posso escrever?, "terminais ligadores" entre ele próprio e parte considerável da base de Bolsonaro. Mas há. Destaco um trecho de seu pronunciamento, depois que se tornou elegível -- decisão que ainda será submetida ao pleno do Supremo:
"Mas veja, eu gostaria que no Congresso Nacional só tivesse gente boa, gente de esquerda, gente progressista, mas não é assim. O povo não pensou assim. O povo elegeu quem ele quis eleger. Nós temos que conversar com quem está lá para ver se a gente conserta esse país."

Ah, sim: o petista diz que ser de esquerda é sinônimo de "gente boa" e tal. Não chega a ser ofensivo. O fundamental é que ele reconhece que o "povo elegeu quem ele quis eleger" e que é preciso "conversar com quem está lá". Lula reaparece como elegível não para afrontar a base de Bolsonaro, mas para dividi-la.

É o único modo de mudar o status da política? Claro que não! Há outros caminhos. Mas esse, sem dúvida, é um deles e não vinha sendo explorado por ninguém, o que dava a Bolsonaro alguma tranquilidade. Tranquilidade em meio a milhares de mortos. Ora, ele é quem é.

A estratégia de Ciro Gomes (PDT), parece claro, é outra: quer buscar o apoio de setores de centro-esquerda que não aceitam ser fagocitados pelo PT e flerta com a centro-direita e até setores da direita democrática, mas que não compõem o núcleo do Centrão. Há até alguns pedaços que operam em parceria, mas que se distinguem. Cabe, por exemplo, na estratégia de Ciro o diálogo tanto com o DEM como com o PSD de Gilberto Kassab, que pertenceu à base de Dilma.

MÁSCARA NOS OLHOS
É preciso que a máscara esteja a cobrir os olhos -- em vez de proteger a boca e o nariz -- para não perceber a evidente chacoalhada que a reemergência de Lula provocou no cenário político. Isso não quer dizer que será ele necessariamente o beneficiário das mudanças que já operou. As águas estão rolando.

Até Bolsonaro pode se beneficiar da elegibilidade do petista. Duvido que vá deixar de dizer coisas estúpidas sobre a doença ou de recomendar drogas inócuas — ou nem tanto, já que podem fazer mal à saúde e até extremar a doença —, mas pode escolher para a Saúde alguém que lhe empreste alguma respeitabilidade técnica.

Sim, a pressão dos parlamentares do Centrão e dos governadores — inclusive daqueles que são seus aliados — em favor da demissão de Pazuello é grande. É preciso continuar com a máscara nos olhos para não perceber que a censura é dirigida ao próprio Bolsonaro, não é mesmo?

O QUE PODE A POLÍTICA
Vejam o que podem operar a política e a perspectiva da perda de poder: há quase 300 mil mortos; nosso sistema de saúde está em colapso, caminhando para o caos; o país exibe hoje os piores números do Planeta no que respeita à Covid-19; o mundo se assombra com o que se passa por aqui porque a permanência indefinida da doença entre nós ameaça os outros países: variantes vão surgindo, mais agressivas, e podem acabar driblando a vacina.

É isto: Bolsonaro prometeu que o Brasil assombraria o mundo em sua gestão. Está acontecendo.

SUBSTITUTOS
Para quando -- e se -- o general cair, nomes estão sendo cogitados. Um deles é o da cardiologista Ludhimila Hajjar, ligada ao Incor, que já pertenceu aos quadros do Hospital Sírio-Libanês e hoje integra o corpo médico da rede de hospitais Vila Nova Star, que disputou no mercado algumas grifes que trabalhavam no Albert Einstein e no Sírio.

É médica de alguns nomes estrelados da economia e da política e tem reputação na área. Não se conhece a sua experiência administrativa. É preciso saber se tem expertise para dominar a máquina gigantesca que é o Ministério da Saúde — e seu braço com capilaridade popular: o SUS — e se tem disposição para enfrentar as pressões, inclusive as políticas, oriundas do pior momento da crise.

Um desafio como esse pode consagrar um nome, mas também pode manchar sua folha de serviços à medicina. Até porque, insisto, duvido que Bolsonaro vá interromper sua rotina de agressões à ciência, ao bom senso e à decência. No momento mais dramático da doença, atendendo a seus apelos, partidários seus foram às ruas para protestar contra as necessárias medidas restritivas impostas pelos governadores.

O QUE É PRECISO
Um médico que respeite a própria trajetória e que seja fiel ao juramento que fez só deveria aceitar esse cargo se tivesse a garantia de que o governo federal vai lançar uma campanha nacional em rádio, TV e redes sociais em favor do distanciamento social, de outras medidas restritivas de circulação quando necessário e do uso de máscara.

Sem isso, faz-se um trabalho de enxugar gelo. Desesperados com a ineficiência do Planalto, os governadores do Nordeste, por meio do seu consórcio, foram à luta para comprar 37 milhões de doses da Sputnik V, a vacina russa. Fecharam o acordo, a US$ 9,50 a dose. Pazuello, o especialista em logística, conseguiu a promessa de apenas 10 milhões, a US$ 13.

Mas Sargento Garcia não quer largar o osso. Ou os ossos.