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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

É difícil achar nome alternativo porque real ministro da Saúde é Bolsonaro

O presidente durante entrevista em março do ano passado: ele não conseguiu se entender com a máscara. Será que vem daí o ódio? - Adriano Machado/Reuters
O presidente durante entrevista em março do ano passado: ele não conseguiu se entender com a máscara. Será que vem daí o ódio? Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

15/03/2021 06h36

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Se e quando Eduardo Pazuello for demitido do Ministério da Saúde, estará deixando o cargo quem nunca assumiu. O verdadeiro titular da pasta, nesse tempo em que Sargento Garcia tem emprestado sua cara ao morticínio em massa, é o próprio Jair Bolsonaro. Se o general tem alguma convicção sobre o assunto, ele nunca a expressou. Um manda, e o outro obedece define quem é ele e quem Bolsonaro é. E aí está a dificuldade para alguém como Ludhmila Hajjar, uma cardiologista respeitada, assumir a pasta.

Há inúmeras declarações da doutora — e tinha como ser diferente? — em defesa da máscara, em favor do distanciamento social e, se necessário, do lockdown, e contra o tratamento com cloroquina, hidroxicloroquina e outras obsessões de Bolsonaro. A doutora chegou a pôr em dúvida a formação intelectual de quem cai nessas feitiçarias.

Assumir a Saúde como? Ocorre que é consenso no Congresso que não dá para continuar com Pazuello. Também os secretários de Saúde e governadores não levam mais o ministro a sério. Afinal, ele nem mesmo existe. Trata-se de uma enorme gaveta vazia, onde "Doutor Jair" joga as suas teses. E o diligente militar a tudo aceita — manchando, adicionalmente, a reputação do Exército, já que é general da ativa.

Mais: Ludhmila já afirmou que o Brasil está fazendo tudo errado: de entrar atrasado no mercado das vacinas a executar políticas desencontradas de distanciamento. Ela é favorável ainda à liberdade dos governadores para impor medidas restritivas a depender da situação de cada Estado.

Como ser ministra da Saúde — é o que querem Arthur Lira, presidente da Câmara, e parte considerável do Centrão — com essas convicções, que vêm a ser o exato oposto das professadas por aquele que seria o seu chefe? Ainda que tivesse liberdade para agir e para defender as medidas sensatas, estas cairiam no vazio — e a doutora se desmoralizaria se fosse publicamente criticada pelo presidente.

Bolsonaro está apoiando os atos de protesto contra as medidas restritivas impostas pelos governadores. Imaginem uma ministra Ludhmila a defender, no limite da gravidade, um lockdown — o que nunca se fez —, e o presidente a combatê-la de peito aberto.

Bem, não por acaso, enquanto a médica conversava com Bolsonaro, que estava acompanhado de uma verdadeira junta militar —, as milícias bolsonaristas nas redes buscavam calciná-la. O presidente teme perder o apoio desses aloprados, o que é, note-se à margem, uma tolice. O dito "Mito" só tinha um rival na extrema direita: Sergio Moro. Mas está fora do baralho. Seu público não terá para onde correr se, hora dessas, só para nos surpreender, ele fizer alguma coisa certa..

Estariam na parada os também cardiologistas Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, e José Antonio Ramires Franchini, professor do Incor (Instituto do Coração), onde trabalha Ludhmila, note-se, que pertence aos quadros da rede Vila Nova Star. Queiroga pensa sobre as "drogas de Bolsonaro" o que pensa a médica. Franchini é professor. Imaginem receber ordens negacionistas e depois ter de encarar os alunos e falar em ciência.

"Ah, mas existem médicos que defendem o tal tratamento..." Vênia máxima: há diplomados que o fazem. Não devem conhecer, eles próprios, a extensão da palavra "médico". Para mim e para gente muito mais sabida do que eu na área médica, tal escolha — ou sua rejeição — expressa um padrão não só intelectual, mas também moral.

Foi entupindo o Brasil de cloroquina e hidroxicloroquina, somadas a vermífugos, que Bolsonaro conseguiu nos transformar na cloaca do mundo. Hoje, o Planeta teme que o Brasil se torne uma área de produção de cepas do vírus resistentes à vacinação. Estamos num abismo sanitário, político e moral.

Ainda que o presidente desse carta branca a Ludhmila ou a outro qualquer para atuar segundo as regras da ciência, isso seria de pouca valia se ele continuasse a sabotar os esforços de governadores e prefeitos. Já houve um tempo em que convite assim era uma honra. Assumir o Ministério da Saúde no pós-Pazuello, com o presidente a promover negacionismo e boçalidade, pode destruir a reputação de um profissional.

O que manteve Pazuello no cargo foi a sua ruindade, a sua falta de amor próprio e a sua vocação para se deixar humilhar. Ele serve apenas de fachada ao verdadeiro titular da pasta: Jair Bolsonaro.

Veja também o comentário do Reinaldo sobre o tema.