Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
A CCJ tem de fazer motim contra Bia Kicis, que incentiva motim de PMs na BA
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Todos os deputados de bem que integram a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara têm um dever cívico: tornar inviável o comando da deputada Bia Kicis (PSL-DF) à frente da mais importante comissão da Casa. Sua irresponsabilidade não conhece limites. Sua truculência ignora qualquer noção de risco. Seu ódio à ordem democrática ultrapassa o limite do tolerável. Mas não só: Augusto Aras tem de encaminhar ao ministro Alexandre de Moraes — relator no Supremo tanto do inquérito que apura as fake news contra o tribunal como do que trata dos atos antidemocráticos — um pedido para que um tuíte da parlamentar integre os autos. A que me refiro?
Neste domingo, Wesley Soares Goes, um soldado da PM da Bahia, oriundo de Itacaré, no Sul do Estado, chegou ao Farol da Barra, em Salvador. Desceu de seu carro, uniformizado, o rosto pintado de verde e amarelo e gritou: "Venham testemunhar a honra ou desonra do policial militar da Bahia". E começou a fazer disparos para o alto com um fuzil. Estava também com uma pistola. Ninguém sabe exatamente o motivo do surto. Volto a esse ponto daqui a pouco.
Seguiram para o local para tentar negociar com Wesley homens do Bope, do Batalhão de Choque, do Esquadrão Águia, além de integrantes da Secretaria da Segurança Pública, incluindo a Superintendência de Inteligência (SI). Foi inútil. Ele resolveu disparar contra os próprios policiais e foi atingido, segundo consta, por 10 tiros. Socorrido, foi levado ao Hospital Geral do Estado (HGE), mas não resistiu.
Atenção! A ação foi testemunhada pela imprensa e por dezenas de pessoas que estavam no local. O ato tresloucado de Wesley está mais do que documentado. Os fascistoides, no entanto, estão por aí, à solta, em todo canto. O deputado estadual Marco Prisco (PSC), que estava no local e viu tudo, convocou uma greve de policiais:
"Mataram um policial, mataram um trabalhador. Até quando vocês vão aceitar isso? Mataram um policial, a hora de parar é agora. Eu convoco vocês. Estou pedindo pelo amor de Deus. Mataram um trabalhador, um pai de família, todo mundo viu. O cara foi assassinado. Quando é vagabundo, a gente se joga na frente, como aconteceu na orla. Não é dessa forma".
Prisco está em seu segundo mandato. Pertence aos quadros da PM e está licenciado porque é parlamentar. É membro da cota excrescente e crescente no Brasil dos uniformizados que viram políticos. Comandou uma greve de PMs na Bahia em 2002 e foi expulso da corporação. Em 2017, acreditem, conseguiu na Justiça a sua reintegração. Querem um pouco mais de esquisitice? Já pertenceu ao movimento de esquerda Terra, Trabalho e Liberdade, em passado remoto. Hoje faz discurso bolsonarista a céu aberto.
Em frente ao hospital a que foi levado, um grupo de fascistoides gritava palavras de ordem contra o governo da Bahia e pregava a greve dos policiais.
Se a indignidade política passa a galope, Bia Kicis não rejeita cavalgá-la. Nunca! No Twitter, escreveu:
"Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia. Esse soldado é um herói. Agora a PM da Bahia parou. Chega de cumprir ordem ilegal!"
INCITAMENTO DAS PMs
Não! A PM não parou. Bia Kicis está defendendo o ato de um policial que atirou com um fuzil contra os seus próprios colegas. Não há informações, até agora, de que estivesse se negando a cumprir alguma ordem do governo do Estado, embora, sim, e agora começo a chegar à questão mais grave, sua coreografia deva ser investigada.
Por que o PM estava com o rosto pintado de verde e amarelo? O que já significou a adesão às diretas e à democracia passou por um importante deslocamento de sentido. Noto que ele não se pintou de azul, vermelho e branco, as cores da bandeira da Bahia. Estava ali a se oferecer como o quê? Soldado da "pátria"?
As milícias digitais bolsonaristas estão incitando as PMs nos Estados a se rebelar contra os governadores. Não sei se é o caso de Wesley. Mas é preciso proceder a uma investigação rigorosa. Há que se ver se esse rapaz agiu sozinho ou se estava sendo incitado a fazer uma loucura. E o incitamento também é crime tipificado.
O caso precisa ser investigado a fundo, com quebra de sigilo telefônico e telemático — e, a depender do caso, bancário. Mais: que páginas visitava na Internet? Ainda que pudesse estar com alguma perturbação pessoal para se jogar na aventura suicida, urge que se apure se havia a mão de alguém apertando intelectualmente aquele gatilho. Há vagabundos dando "cursos de formação política" para PMs na Internet. Ou melhor: curso de subversão da ordem democrática.
Quanto a Bia Kicis, dizer o quê? A deputada federal, presidente da CCJ, está claramente incentivando um motim da Polícia Militar da Bahia contra o governador. Ela nem sequer dispõe de elementos que evidenciem que se tratava de um ato de protesto político. Mas ela parte do pressuposto de que sim. E é justamente aí que tem de ser investigada.
Eis a razão pela qual sou contrário a que se jogue no lixo toda a Lei de Segurança Nacional, sem deixar nada no lugar. A menos que seja substituída por uma Lei de Defesa do Estado Democrático, os aspectos que não foram tornados sem efeito pela Constituição têm de permanecer.
Tanto Bia Kicis como o tal Prisco incorreram nos seguintes artigos:
Art. 22 - Fazer, em público, propaganda:
I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;
Art. 23 - Incitar:
I - à subversão da ordem política ou social;
II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;
Não é admissível — e as pessoas com juízo na Câmara e na Assembleia Legislativa da Bahia não podem aceitar — que uma deputada federal e um deputado estadual se aproveitem de uma tragédia, que poderia ter sido muito maior, para incentivar o caos e a desobediência de uma força armada.
Jornalistas relataram, e está documentado, que policiais de um destacamento atiraram para o alto para assustar os profissionais da imprensa, tentando impedir o seu trabalho. A intimidação é inaceitável e também tem de ser investigada.
PARA ENCERRAR
Reitero: está em curso um trabalho cotidiano e organizado de incitamento das PMs contra os governadores. A questão precisa ser investigada com rigor. O lugar dos que o promovem é a cadeia -- estejam no Brasil ou não. Para isso, existem tratados internacionais.
Chega dessa patuscada!
PS: O tuíte da deputada vem com uma narração, aos prantos, e uma música que incita a revolta. Nunca se viu esta senhora soltar uma lágrima pelos quase 310 mil mortos de Covid-19. Ao contrário: ela tem um projeto para proibir a obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes públicos. Mas o PM que atirou contra seus pares de farda é tratado como um guerreiro da pátria. E a deixa muito comovida. E ela não vai parar se não for parada pela Justiça. A exemplo de seu líder.