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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Salles 1 - O pato pateta caiu no poço; tantas fez o moço que foi pra panela

Reprodução/ Site "O Pato Pateta"
Imagem: Reprodução/ Site "O Pato Pateta"

Colunista do UOL

20/05/2021 07h24

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Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente, fingia ser o pato de Jayme Silva e Neuza Teixeira, cuja "voz era mesmo um desacato", mas terminou como o pato de Vinícius de Moraes: na panela.

O primeiro foi celebrizado por João Gilberto. A vida é só alegria. O bicho canta alegremente. Aí encontra o marreco, o ganso e o cisne, formam um quarteto — não uma quadrilha — e caem no lago: "Quen, quen, quen, quen".

O de Vinícius já é um bicho de maus bofes. Canta igual. Mas fez coisa feia:
"O Pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo"

E aí vem o destino:
"Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi pra panela"

A letra começa com "quen, quen, quen" e termina com "quá, quá, quá".

Riso de escárnio.

Li a íntegra da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, que determinou mandados de busca e apreensão no Ministério do Meio Ambiente e em endereços do ministro Ricardo Salles; no afastamento do presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim e de toda a cúpula do órgão e do Ministério e na quebra dos sigilos fiscal e bancário de Salles, de Bim, da turma toda e de cinco pessoas jurídicas.

Como sempre, não vou me comportar como juiz e não condeno ninguém. Mas posso assegurar que o que vai no despacho — com base em investigação da Polícia Federal, a partir de alerta de autoridades americanas — é assombroso.

O pato alegre cantado por João Gilberto formou apenas um quarteto. O Salles que sai do relato da PF, se tudo se confirmar, tem de ir para a panela — isto é, para a cadeia — porque envolvido numa penca de crimes, muito especialmente organização criminosa.

DESARQUIVAMENTO
Um dos episódios relevantes para entender o que se deu nesta quarta remete à queixa-crime apresentada no ano passado contra Salles pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (Rede-ES), pela deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) e pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). Eles apontavam o suposto cometimento dos crimes de prevaricação e advocacia administrativa e crimes de responsabilidade em razão do que dissera o ministro na famosa reunião ministerial de abril de 2020.

Relembro:
"É que são muito difíceis, e nesse aspecto eu acho que o Meio Ambiente é o mais difícil, de passar qualquer mudança infralegal em termos de infraestru... e... é... instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente faz é pau no judiciário, no dia seguinte. Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. [...] Não precisamos de congresso. Porque coisa que precisa de congresso também, nesse, nesse fuzuê que está aí, nós não vamos conseguir apo... apos... é... aprovar. Agora tem um monte de coisa que é só, parecer, caneta, parecer, caneta. Sem parecer também não tem caneta, porque dar uma canetada sem parecer é cana. Então, o... o... o... isso aí vale muito a pena. A gente tem um espaço enorme para fazer".

Não era necessário fazer muito esforço interpretativo para entender que Salles atuava no Meio Ambiente, segundo ele próprio, contra os interesses do... meio ambiente. Entendia que a legislação, que ele deveria aplicar e proteger — propondo mudar o que achasse impróprio pela via institucional — era algo a ser superado, ignorado, atropelado pelos fatos.

Havia a confissão de uma prática, mas não a caracterização do crime propriamente. A petição apresentada pelos quatro parlamentares ganhou um número: PET 8.975. No dia 5 de outubro de 2020, a pedido da Procuradoria Geral da República, o próprio Moraes mandou arquivar a queixa-crime.

Ocorre que, no despacho de arquivamento, o ministro destacou, de acordo com o Artigo 18 do Código de Processo Penal e de ampla jurisprudência no Supremo, que pode haver o desarquivamento de inquérito ou de "notitia criminis" em caso de "autorização judicial que, constatando a existência de novos elementos probatórios, verifique que o pedido não se limita à mera tentativa de reenquadramento dos mesmos fatos narrados anteriormente".

E não! Os fatos que constam do pedido da Polícia Federal não se limitam àquela fala de Salles de "caneta-parecer, caneta-parece" para fazer "passar a boiada".

O que narra a Polícia, se comprovado -- e os indícios são aberrantes --, caracteriza os seguintes crimes, segundo vai na decisão do ministro:
(a) corrupção passiva (art. 317, do Código Penal);
(b) facilitação de contrabando (art. 318, do Código Penal);
(c) prevaricação (art. 319, do Código Penal);
(d) advocacia administrativa (art. 321, do Código Penal);
(e) corrupção ativa (art. 333, do Código Penal);
(f) contrabando (art. 334-A, §1º, do Código Penal);
(g) crimes contra a administração ambiental (art. 67 e 69, ambos da Lei n. 9.605/98);
(h) lavagem de dinheiro (art. 1º, da Lei n. 9.613/98);
(i) integrar organização criminosa e obstrução de justiça (art. 2º, §1º e §4º, da Lei n. 12.850/13).

Para ler decisão de desarquivamento, clique aqui.

Leia ainda: Salles 2 - investigação começou nos EUA; "Ibama" de lá deu uma aula ao de cá