Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Supremo vai liberar realização da Copa América: o que dizem três ministros
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Não será o Supremo Tribunal Federal a impedir a realização da Copa América. Há três ações no Supremo que tentam impedir a realização do torneio. A ministra Cármen Lúcia é relatora de um Mandado de Segurança, impetrado pelo PSB, e de uma ADPF, de iniciativa da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. O ministro Ricardo Lewandowski relata um pedido de "Tutela Provisória de Urgência em Caráter Incidental" no âmbito da ADPF 756.
Os dois já publicaram seus respectivos votos no plenário virtual. Cármen aponta a ilegitimidade para a Confederação impetrar a ADPF. Afirma:
"A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, para atendimento da norma posta no inc. IX do art. 103, apenas as confederações sindicais são legitimadas para propor ações de controle abstrato, e desde que haja estreita relação entre o objeto da ação e os direitos da classe representados pela entidade".
Quanto ao Mandado de Segurança, alega tratar-se de competição organizada por entes privados, em estádios que estão sob a alçada de governadores. Aponta:
"O Presidente da República não detém competência para autorizar ou desautorizar a possibilidade de realização de jogos nos equipamentos estaduais ou municipais, quando for o caso, podendo, no máximo, como se tem informado no processo, apoiado a iniciativa, pondo-se de acordo com a sua ocorrência."
Nos dois casos, a ministra não vê atos de ofício do governo federal que poderiam ser impugnados — ainda que, reitere-se, no caso da ação da Confederação, isso fosse irrelevante porque ela não reconhece a legitimidade para pedir.
O ministro Marco Aurélio já se manifestou e seguiu o voto de Cármen.
LEWANDOWSKI
O ministro Lewandowski acatou parcialmente o pedido de tutela. Não! Não votou para impedir a realização do torneio no Brasil.
Entende-se que o ministro avalia que a proibição constituiria uma extrapolação da competência do Judiciário. Escreve:
"Não se ignora que a atuação de juízes em seara de atuação privativa do Legislativo ou do Executivo, substituindo-os na tomada de decisões de caráter tipicamente político-administrativo, como as relativas à educação, saúde, previdência, transporte, energia, comunicações, além de outras, ofende o princípio constitucional da separação dos poderes."
Não obstante, considera o ministro:
"Contudo, afigura-se lícito ao Judiciário, "em situações excepcionais, determinar à Administração Pública que adote medidas concretas, assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso da saúde".
Assim, além de afirmar -- e também o fez Cármen Lúcia -- que todas as normas sanitárias devem ser adotadas, Lewandowski vota para que se dê um prazo de 24 horas para que governo federal e governos estaduais apresentem seus respectivos planos de segurança sanitária. Escreve:
Em face do exposto, voto no sentido de deferir parcialmente a cautelar requerida, para determinar ao Governo Federal que, no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas antes do início dos jogos, divulgue e apresente a esta Suprema Corte um plano compreensivo e circunstanciado acerca das estratégias e ações que está colocando em prática, ou pretende desenvolver, para a realização segura da Copa América 2021 em território nacional, especialmente as relacionadas à adoção de medidas preventivas e terapêuticas, nos moldes daquelas previstas na Lei 13.979/2020, a fim de impedir o avanço da Covid-19, potencializado pelo evento em questão.
Voto, ainda, para determinar aos Governos do Distrito Federal e dos Estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso e Goiás, bem assim aos Municípios do Rio de Janeiro, Cuiabá e Goiânia, os quais aquiesceram, expressa ou tacitamente, em sediar os jogos da Copa América 2021, que divulguem e apresentem ao Supremo Tribunal Federal, em igual prazo, plano semelhante, circunscrito às respectivas esferas de competência.
COMENTO
O caso da ilegitimidade da Confederação, conforme apontado por Cármen Lúcia, para impetrar ADPF me parece insuperável. Nada há a fazer.
Concordo, claro!, uma vez se realizando o evento, com a exigência feita por Lewandowski para que governo federal e governos estaduais apresentem seus respectivos planos.
Mas não tenho como concordar com a tese da ministra no Mandado de Segurança. Entende ela que se trata de uma relação entre privados, em negociação com os governos estaduais.
Há o mais fático de todos os atos de ofício evidenciando a atuação do governo federal no caso: as entrevistas concedidas pelo próprio presidente da República e por um ministro de Estado evidenciando que a arquitetura nas negociações para trazer a Copa América ao Brasil é de autoria do governo federal. A pressão sobre os governadores foi explícita. Bolsonaro está na origem dos entendimentos para trazer a disputa para o Brasil.
Compreendo as ponderações do ministro Lewandowski, sei que se trata de assunto polêmico, mas parece evidente que estamos diante de um caso em que o Supremo se torna a última trincheira de direitos assegurados pela Constituição. Entre eles, está o explicitado pelo Artigo 196:
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."
A realização da disputa no país, à beira dos 500 mil mortos, aumenta, em vez de reduzir, o risco de doença.
UM DIA ANTES
Nesta quarta, na véspera da decisão do Supremo, o presidente da República afirmou (leia texto) em evento religioso em Goiás que não há comprovação científica da eficácia da vacina e a equiparou à hidroxicloroquina.
A realização da Copa América no país, por iniciativa explícita do governo federal, é só mais um capítulo do negacionismo, como é sua afirmação estúpida sobre as vacinas.
E tudo isso mata.