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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Método Fux de bagunçar o STF e nota semiclandestina, à baixura destes dias

Luiz Fux, presidente do Supremo. Nota da Presidência, impossível de achar no site do tribunal até o fim da noite deste terça,  não explica nada. É uma tentativa de matar a bola no peito e fazer gol. Mas a dita-cuja foi parar no mato - Reprodução
Luiz Fux, presidente do Supremo. Nota da Presidência, impossível de achar no site do tribunal até o fim da noite deste terça, não explica nada. É uma tentativa de matar a bola no peito e fazer gol. Mas a dita-cuja foi parar no mato Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

15/06/2021 23h03

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A presidência do Supremo — leia-se: Luiz Fux — tenta responder à desordem instaurada por sua gestão no Supremo, que apontei na manhã desta terça nesta coluna, com a conversa mole de que o Regimento Interno do STF "não estipula prevenção por temas gerais (exemplos: CPI, pandemia, Copa)". Qualquer pessoa versada em direito e/ou língua portuguesa sabe que isso não quer dizer nada. O que são "temas gerais"? Fux poderia definir o conceito?

Fato: o Artigo 69 do Regimento Interno da Casa é claro:
"A distribuição da ação ou do recurso gera prevenção para todos os processos a eles vinculados por conexão ou continência".

Há, por acaso, alguma nuance, inclusão ou exclusão que permita excepcionar os "temas gerais"? Aliás, ganha nota 10 numa redação do Enem quem explicar o quer dizer tal expressão.

Existe um ordenamento jurídico sobre prevenção de juízes que não está apenas no Regimento Interno do Supremo. Está previsto também no Artigo 83 do Código de Processo Penal e no Artigo 58 do Código de Processo Civil. Ainda que se possa argumentar que "sempre se fez assim", é preciso parar de fazê-lo. E a iniciativa deveria ser do presidente.

Consta que o Supremo pode marcar uma reunião nesta semana para dirimir a questão. Como? A confusão na distribuição não se restringe ao caso da CPI.

A nota do Supremo, impossível de achar no site do tribunal porque lá não está, é esta:
"Mantendo rigorosamente os seus precedentes, o Supremo Tribunal Federal tem adotado a regra da livre distribuição (sorteio entre todos os ministros, excluindo o presidente) para ações sobre a CPI, como foi feito com outras comissões no passado, sendo a prevenção medida excepcional para casos relacionados por conexão probatória ou instrumental. O Regimento Interno do STF, convém reiterar, não estipula prevenção por temas gerais (exemplos: CPI, pandemia, Copa). A primeira ação sobre a CPI da Pandemia foi sorteada ao ministro Luís Roberto Barroso, e depois já chegaram diversos pedidos que atualmente estão em sete gabinetes. Eventuais divergências de entendimento nas decisões, quando houver, podem ser dirimidas pelo Plenário da Corte em caso de recurso, para que o Supremo responda a uma só voz. É preciso ressaltar ainda que a Constituição Federal assegura a garantia do sigilo aos cidadãos e, para o direito individual ser afastado, é necessária a análise individual sobre o caso específico."

A menos que a tal reunião chegue a um algum entendimento, a bagunça, então, vai continuar.

JUÍZOS TORTOS
E aí os juízos tortos vão se multiplicando. As razões apontadas por Nunes Marques e Roberto Barroso para suspender quebras de sigilo, sob o pretexto de "garantir o sigilo dos cidadãos" (como diz a nota do Supremo), é um primor de interferência do Poder Judiciário no Poder Legislativo, uma vez que a Constituição e as leis asseguram à CPI a prerrogativa de quebrar sigilos -- desde que, claro, haja motivo.

O motivo, no caso — a menos que cada ministro do Supremo se arvore no papel de controlador da qualidade do trabalho da CPI —, é haver conexão com o objeto da CPI. Não cabe a juiz do Supremo exercer controle prévio sobre indício de culpa ou não daquele que, exercendo função pública e/ou tendo relação direta com o fato investigado, tem seu sigilo quebrado.

Ministro do Supremo que se entrega a esse desfrute viola o Parágrafo 3º do Artigo 58 da Constituição, a saber:
"§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores."

Como se nota, "as comissões parlamentares de inquérito" têm "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais". A menos que alguém resolva quebrar o sigilo do pipoqueiro ou do porteiro do STF e de outros em condição semelhante — isto é: sem conexão com os fatos investigados —, ministro não tem de fazer juízo de valor sobre o trabalho da CPI. Sabem, por acaso, o que está sendo investigado? Conhecem os documentos de que dispõem os senadores?

Venham cá: ministro do Supremo agora faz controle externo do trabalho da CPI? Isso é uma aberração.

Atenção, isso é coisa bem distinta de conceder um habeas corpus para manter o direito ao silêncio ou mesmo para garantir o direito de uma pessoa não comparecer ao depoimento. Nesse caso, vale a regra que vigora para outras "autoridades judiciais".

MULTIDÃO DE RELATORES
Já há um total de sete ministros com mandados de segurança, com decisões tomadas ou por tomar. Vale dizer: como não se seguem as regras de prevenção que estão no Regimento Interno, no CPP e no CPC, o resultado virou uma grande loteria. Dado que, nesse caso, um Poder resolveu se imiscuir no outro, há gente que negou aos brasileiros o direito à vida e que, não obstante, na bagunça geral, resolve escapar pelo escaninho dos "direitos individuais".

Se ministro do Supremo resolver fazer o controle externo das decisões da CPI, com base em juízos solipsistas, então não há CPI possível a depender do alinhamento do togado com o governo investigado — ou da procura de alinhamento, sabe-se lá... Há aqueles que estão sempre procurando uma vaguinha na metafísica influente...

Reitero: estando a pessoa envolvida com o fato investigado, vale o que está expresso no Parágrafo 4º do Artigo 31 da Lei de Acesso à Informação:
"A restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância."

Os que tiveram seu sigilo quebrado estavam ou não "envolvidos" no caso investigado? A CPI pode ou não quebrar o sigilo?

PARA ENCERRAR
Enquanto escrevo, a "Nota da Presidência", que vai acima, ainda não está no site do Supremo. Foi passada por WhatsApp para um grupo de jornalistas. E lá está esta afirmação:
"O Regimento Interno do STF, convém reiterar, não estipula prevenção por temas gerais (exemplos: CPI, pandemia, Copa)"...

Até parece que:
1: ela faz sentido;
2: que alguém é capaz de definir o que é um "tema geral";
3: que não existe o Código de Processo Penal;
4: não existe o Código de Processo Civil;
5: não existe o próprio Regimento ao qual o obscurantismo acima alude.

Ministro Fux, uma tarefa: faça uma redação, segundo as regras do Enem, explicando o que é um "tema geral" e por que ele é capaz de dissolver o Regimento Interno, o CPP e o CPC.

Fica o desafio.

A verdade é que o ministro tentou matar a bola no peito e marcar um gol de placa. Chutou a pelota para o mato.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL