Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Moro já se depara com sua real biografia; empresa nega pressão por seu nome
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A responsabilização de Sergio Moro e de suas escolhas na tragédia institucional que colheu o Brasil está só no começo. E, por óbvio, ainda será preciso, a seu tempo, chamar outros atores. O desastre que nos colheu, está cada vez mais claro, decorre do vale-tudo que se instaurou no devido processo legal, de modo que o voluntarismo, o salvacionismo e o messianismo tomaram o lugar das regras do jogo. Ainda não se sabe em que medida essas, digamos, mediações místicas esconderam interesses privados.
Um dia antes de mais uma fantasia da Lava Jato (ou dela derivada) ser arquivada pela Justiça Federal — uma denúncia contra o ex-presidente Lula e outros no âmbito da Operação Zelotes —, o Conpedi (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito) veio a púbico para informar o cancelamento do painel "O papel do setor privado em políticas anticorrupção e de integridade", que ocorreria na próxima sexta. E por quê?
Seu coordenador, ainda que pudesse ser estupefaciente, era ninguém menos do que o ex-juiz e atual suposto empresário ou consultor (já explico) Sergio Moro.
Tão logo a notícia veio a público, houve um verdadeiro levante no mundo acadêmico. Todos se lembram do que ele fez no verão de 2020, de 2019, de 2018, de 2017, de 2016... E vocês podem ir recuando à vontade no tempo, chegando, quem sabe?, ao momento em que seu destino se cruzou a primeira vez com o de Alberto Youssef, o delator do caso Banestado, naquele longínquo de 2002... O doleiro fez, então, delação premiada e nunca parou de delinquir, como é sabido. E Moro lhe deu uma nova oportunidade em 2014. Com a nova delação — e o que ela desencadeou —, o então juiz alcançou os píncaros da glória.
DESASTRE
De atropelo em atropelo ao devido processo legal, provocou-se um terremoto permanente na vida pública brasileira, levou-se à lona o setor de construção pesada no país, aboliram-se as regras do devido processo legal, provocou-se uma razia na política, tentou-se emparedar o próprio Judiciário, reduziu-se a política a escombros, e, da terra arrasada, eis que se alevantou Jair Bolsonaro -- com o apoio, sim, de figurões da Lava Jato. Não por acaso, depois de ter tido papel definitivo na inelegibilidade de Lula, Moro foi ser ministro de Jair Bolsonaro. Compactuou com parte do horror que o seu chefe implementou e só pediu para sair quando viu frustrados seus planos políticos.
Era essa figura deletéria que apareceu, santo Deus!, para "coordenar" um painel? Não seria difícil apontar a sua eficiência na destruição nada criativa... Moro e o setor privado... Eis uma parceria sempre explosiva. Em novembro do ano passado, o doutor foi anunciado como sócio-diretor da gigante Álvarez & Marçal. Teria muito a contribuir com os clientes da empresa na área de "compliance".
Ocorre que a empresa era a administradora oficial da Odebrecht no processo de recuperação judicial. Em março deste ano, o juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, suspendeu os pagamentos do grupo brasileiro à Alvarez & Marsal até que o TCU investigue eventual conflito de interesses.
Em abril, cinco meses depois do anúncio pomposo de seu novo sócio, a empresa americana contou outra história ao tribunal. Moro já não seria mais diretor. Moro já não seria mais sócio. Moro seria mero consultor. E asseverou: "A remuneração do Sr. Sergio Moro decorre tão-somente dos honorários pagos pela empresa cliente nos específicos casos em que está autorizado a atuar e com base na efetiva prestação de serviços como consultor".
Ah, bom...
MANIFESTO DE PROTESTO
No domingo, o Conpedi anunciou o cancelamento do evento que seria coordenado por Moro. Ainda assim, nada menos de 130 acadêmicos, como informou a Folha, redigiu um manifesto de protesto em razão convite feito. Diz:
"Nós, juristas, professores e professoras de programas de pós-graduação em direito do Brasil, de Universidades públicas, confessionais, comunitárias e privadas, vimos a público repudiar a decisão do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, o CONPEDI, de convidar o Sr. Sergio Moro, ex-juiz, ex-professor e ex-Ministro da Justiça do governo Bolsonaro para coordenar e participar de um painel no seu Congresso Nacional.
Ainda que, felizmente, o convite tenha sido cancelado, em virtude da grande contrariedade gerada no meio acadêmico, necessitamos dizer, em alto e bom som, que consideramos um desrespeito a toda a comunidade jurídica do país e às suas instituições a possível presença daquele que foi declarado pelo Supremo Tribunal Federal como suspeito e parcial nos processos que dirigiu, em especial violando a Constituição e as mais básicas regras do Processo Penal brasileiro para alcançar interesses pessoais e políticos.
Se não bastassem tais ações, o comportamento do então juiz gerou incontáveis prejuízos materiais, financeiros e simbólicos ao país. Sua atuação alterou, inclusive, o processo eleitoral, ao condenar sem provas o candidato à Presidência da República que estava liderando francamente as pesquisas eleitorais, permitindo a vitória daquele que o alçaria ao status de Ministro de Estado apenas meses depois.
Também repudiamos o fato de que entre os patrocinadores da mesa que Sergio Moro iria coordenar, estivesse a APSEN, a maior produtora de Cloroquina no Brasil, que vem lucrando com a venda indiscriminada do medicamento em face da propaganda falsa, gerada por diversas entidades, inclusive pela própria presidência da República, de que ele combate a COVID-19, fato que contribuiu exponencialmente para o trágico número de 500.000 mortos da doença no país, pois serviu de pretexto para a desobediência do protocolo sanitário recomendado pela ciência para enfrentar a pandemia.
Entendemos que uma instituição como o CONPEDI, que há anos vem reunindo em seus encontros e publicações, integrantes dos melhores programas de pós graduação em direito do Brasil, que verdadeiramente contribuiu para incontáveis avanços na agenda da pesquisa em Direito, sempre comprometida com a defesa dos valores democráticos, dos direitos humanos e do Estado de Direito, não poderia mesmo compactuar com a presença de Sergio Moro, de produção científica praticamente inexistente e irrelevante, como coordenador e palestrante em um dos seus eventos, ainda mais com o patrocínio já referido."
A biografia de Moro começa a ganhar a devida redação. Ao pé deste texto, estão todos os signatários do documento.
APSEN CONTESTA PRESSÃO EM FAVOR DE MORO
Ao longo desta segunda, circulou a informação de que a participação de Moro teria sido uma exigência da Apsen Farmacêutica, uma das maiores fabricantes de hidroxicloroquina do país. Seu presidente, Renato Spallicci -- bolsonarista convicto antes da eleição de 2018 --, é um dos empresários que tiveram os sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático quebrados pela CPI.
Bolsonaro intercedeu a favor da Apsen e da EMS, em abril do ano passado, ao pedir ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que viabilizasse a exportação de insumos para a fabricação de hidroxicloroquina. E assim foi feito.
A assessoria da empresa me enviou uma nota negando que tenha intercedido em favor de Moro. Diz o texto:
"A Apsen informa que não foi comunicada sobre a participação de Sérgio Moro no 3º Encontro Virtual do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito do Brasil (Conpedi). A Apsen também afirma que não foi uma exigência ou solicitação da empresa a participação de Sérgio Moro, nem mesmo o cancelamento da sua participação como palestrante. A decisão de patrocínio do evento foi baseada na importância do tema do evento - saúde e segurança humana para a sustentabilidade e cidadania - para o país. A Apsen apoia o evento, única e exclusivamente, pelo seu viés acadêmico e não político."
Nesse particular, tanto melhor, não é? De qualquer modo, eu havia mesmo estranhado que uma empresa comandada por um bolsonarista convicto exigisse a presença de Moro em um evento.
Segue a lista de juristas, professoras e professores que protestaram contra o convite feito a Moro:
1 - Rogerio Dultra dos Santos
2 - Wilson Ramos Filho
3 - João Ricardo Dornelles
4 - Hugo Mello Filho
5 - Magda Barros Biavaschi
6 - Grijalbo Fernandes Coutinho
7 - Daniele Barbosa
8 - Cláudia Rosane Roesler
9 - Cláudia Roberta Sampaio
10 - Cristiane Brandão Augusto
11 - Ana Paula Alvarenga
12 - Juarez Estevam Tavares
13 - Leonardo Costa de Paula
14 - Wanda Capeller
15 - Pedro Serrano
16 - Marcelo Neves
17 - Claudia Maria Barbosa
18 - Otávio Alexandre Freire da Silva
19 - Gisele Cittadino
20 - Carol Proner
21 - Luciana Boiteux
22 - Jorge Souto Maior
23 - José Carlos Moreira da Silva Filho
24 - Manuel É. Gándara Carballido
25 - José Geraldo de Souza Junior
26 - Luanna Tomáz de Souza
27 - Fábio Leite
28 - Marcelo Cattoni
29 - Emílio Peluso Neder
30 - Bruna Martins Costa
31 - Henrique Figueiredo de Lima
32- Júlio Emílio Paschoal
33- Isadora de Oliveira Silva
34- Wanise Cabral
35- Ricardo Dib Taxi
36- Kátia Barbosa
37- Denise de Almeida Guimarães
38- Martonio M. Barreto Lima
39- Everaldo Gaspar Andrade
40- Fernando Fontainha
41- Antonio Moreira Maués
42- Bruno Torres Galindo
43 - Ana Maria D'Ávila Lopes
44 - Argemiro Martins
45 - Thomas Bustamante
46 - Evanilda Nascimento de Godoi Bustamante
47 - João Paulo Allain Teixeira
48 - Maria Luiza Alencar Feitosa
49 - Tatiana Ribeiro de Souza
50 - Enzo Bello
51 - Joyceane Bezerra de Menezes
52 - Manoel Severino Moraes de Almeida
53 - Bruno Rotta Almeida
54 - Cristina Maria Zackseski
55 - Marisa Barbato
56 - Gustavo Barbosa de Mesquita Batista
57 - Maria Fernanda Salcedo Repoles
58 - Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
59 - Cristiano Paixão
60 - Alexandre Morais da Rosa
61 - Ivone Fernandes Morcilo Lixa
62 - Alexandre Bernardino Costa
63 - Vera Karan de Chueiri
64 - Larissa Ramina
65 - Tatyana Friedrich
66 - Fernando Dantas
67 - Conrado Hubner Mendes
68 - José Reinaldo de Lima Lopes
69 - Claudio Ladeira
70 - Gisele Ricobom
71 - Aury Lopes Junior
72 - Gustavo Siqueira Silveira
73 - Jânia Saldanha
74 - Salo de Carvalho
75 - Eneá Stutz e Almeida
76 - Ricardo Lodi
77 - José Ricardo Cunha
78 - Cláudio Ari Mello
79 - Tiago Botelho
80 - Thaisa Held
81 - Rosângela Cavallazzi
82 -Augusto Jobim do Amaral
83 - Fernanda Bragatto
84 - Giselle Marques de Araújo
85 - Rodrigo Moraes de Oliveira
86 - José Luiz Bolzan de Morais
87 - Paulo Ricardo Opuszka
88 - Iara Antunes de Souza
89 - Amauri Cesar Alves
90 - Natália de Souza Lisbôa
91 -José Luiz Quadros de Magalhães
92 - Flávia Souza Máximo Pereira
93 - Lilian Balmant Emerique
94 - Adriano Pilatti
95 - Bethania Assy
96 - Jean-François Deluchey
97 - Antonio Carlos Wolkmer
98 - Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
99 - Maria de Fátima S. Wolkmer
100 - Prudente Silveira Mello
101 - Plínio Gentil
102 - Alexandre Bahia
103 - Fábio de Sá e Silva
104 - Victoria de Sulocki
105 - Ricardo Jacobsen Gloeckner
106 - João Virgílio Tagliavini
107 - Jair Aparecido Cardoso
108 - Juliana Neuenschwander Magalhães
109 - Paulo Sergio Weyl
110 - Alessandra Guimarães Soares
111 - Ana Paula Jorge
112 - Cynara Monteiro Mariano
113 - Joaquim Shiraishi Neto
114 - Cristiane Derani
115 - Rodrigo Carelli
116 - Rogério Pacheco Alves
117 - José Rubens Morato Leite
118 - Liana Amin Lima
119 - Carlos Mares
120 - Aderson Businger
121 - Katya Kozicki
122 - Silvana Beline
123 -Luciano Nascimento Silva
124 - Marilia Montenegro
125 - Felipe Freitas
126 - Bruno Soeiro
127 - Sérgio Salomão Shecaira
128 - Reginaldo de Souza Vieira.
129 -Camilo Zufelatto
130 - Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega