Reinaldo Azevedo

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Opinião

Bolsonaro internado pede troca de bastão e antecipa 26 no campo reacionário

Se uma obstrução intestinal vira uma questão nacional ou, ainda, categoria política ou de pensamento, tenho de escrever a respeito. E começo este texto expressando votos: que Jair Bolsonaro se recupere plenamente! Até porque os que podem torcer para que tudo dê errado para ele é gente que não tem muito apreço pela democracia. "É sério, Reinaldo?" É, sim! Não me importa muito a extrema-direita que grita e vocifera. Eu me ocupo mais daquela que pensa. Pensa mal, mas pensa. Vamos lá?

O ex-presidente foi transferido do hospital Rio Grande, em Natal, para o DF Star, em Brasília, um ente de ponta na área, com profissionais idem. E não se está aqui a censurá-lo por isso. Ao contrário até: havendo condições para tanto e dada a importância que ele tem na política, que receba o que a medicina lhe puder oferecer. Como é um golpista fanático, lamento que tantos aprovem a sua atuação, mas jamais o censurarei por buscar o melhor para a sua saúde, à diferença do que faziam e fazem suas milícias digitais com Lula ou com Dilma por terem se tratado no Sírio-Libanês.

Lembro, a propósito, que, antes de escolher a rede Star — primeiro em São Paulo e agora no DF —, Bolsonaro foi atendido no Albert Einstein, que chegou, creio que ao arrepio da instituição, a ser transformado até num QG de campanha em 2018. E que bom que o SUS e a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), tenham sido diligentes no atendimento emergencial! Posto isso, vamos adiante: Bolsonaro está transformando a sua obstrução intestinal, ou que nome técnico mais preciso tenha, em categoria política e de pensamento. E cá estou eu para apontá-lo. A relação de um homem com seu intestino é um problema pessoal. Se ela vira um discurso em favor da impunidade, passa a ser um problema coletivo. Chegarei ao ponto.

NOVA CIRURGIA E QUEM QUER O QUÊ
Enquanto escrevo, na madrugada deste domingo, 13 de abril, as informações disponíveis dão conta de que ele pode ser submetido a uma nova cirurgia. Meus votos? São os de alguém que sempre torce pela vida, nunca pela morte; pela saúde, nunca pela doença; pelo tratamento menos gravoso, nunca pelo mais; pela analgesia, nunca pela dor. Quem se regozija com o sofrimento de um indivíduo, não importa qual, deve examinar profundamente a sua condição anímica. Lembro quanta porrada levei porque expressei meu horror à espetacularização da execução do facinoroso Saddam Hussein. Indagavam-me: "E as vítimas dele não o comoveram?" Ora... Ocorre que eu tinha a certeza de que nada havia em mim que me igualasse ao que fazia Saddam ser quem era no trato com seus adversários ou inimigos. Assim como estou certo de que nada há em mim que faz Bolsonaro ser quem é.

Da mesma sorte, não porto o germe que fez o então deputado Bolsonaro, em 2015, afirmar o seguinte quando indagado se avaliava que a então presidente Dilma Rousseff concluiria o seu mandato: "Eu espero que acabe hoje, infartada ou com câncer, de qualquer maneira. O Brasil não pode continuar sofrendo com uma incompetente, ou 'incompetenta' à frente de um país tão grande e maravilhoso como esse aqui". Ela havia se tratado de um linfoma não Hodgkin. Na sessão da Câmara que aprovou a denúncia por crime de responsabilidade contra a petista, barbaramente torturada pela ditadura, ele dedicou seu voto ao torturador Brilhante Ustra.

Este senhor nunca teve muito respeito pela vida alheia. O conjunto de sua obra durante a pandemia o prova à farta. Ele a ironizar uma pessoa sufocada pela covid, quando faltava oxigênio em hospitais, traduz a sua altitude moral.

E, ainda assim, alguém que se identifique com o progressismo torcer por sua morte seria uma perversão, além de burrice. Mas não se descarte a hipótese de que aqueles que anseiam "virar a página de Lula e Bolsonaro", como se diz por aí, possam ver com entusiasmo o capitão "fora do jogo" para sempre, uma vez que inelegível já está. Convenham: isso desobstruiria o caminho da extrema-direita e abriria o que muitos consideram "uma avenida" com destino certo. A lógica elementar indica que um reacionário calculista fazer votos para que ocorra o pior com o ex-presidente é, sim, do seu ponto de vista, inteligente, ainda que também uma perversão moral. Convenham: essa gente não é nem notável nem notória por seus bons valores.

O campo que se opõe ao bolsonarismo não ganharia nada se o pior acontecesse com ele, mas os extremistas de direita teriam um mártir, além de uma alternativa para continuar a sua "obra". Chama-se Tarcísio de Freitas, que conta com o apoio quase unânime "dazelites" e, reconheça-se, de setores relevantes da imprensa. Minhas convicções mais profundas me dizem: "Torça, e como você é papa-hóstia, também reze para ele ficar bom". E aquele que há em mim que aprendeu a desconfiar, embora conviva com o que crê, também me diz: "O pior desfecho é útil aos que veem a democracia apenas como valor instrumental, não como fundamento inegociável. Afinal, já o usaram o bastante; chegou a hora da renovação".

Nota: intuo que o governador não deseje um mau resultado para o seu mentor político. Está numa situação política muito confortável. O mau espírito de que trato aqui pertence, se me permitem a expressão, à "racionália da reacionaria", que usa o chamado "Capitão" como instrumento de seus desígnios. Não que ele próprio seja, em alguma medida, inocente ou puro. Ocorre que se transformou num peso para aqueles a quem serviu com denodo. E estes têm hoje uma alternativa que consideram bem mais esperta e palatável. Fosse uma batalha do mundo espiritual, o agora paciente sabe que seria preciso se proteger de muitos que estão do seu lado, já que os adversários nada teriam a ganhar se perdesse a batalha para aquela que Manual Bandeira chamou a "ineludível".

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BOLSONARO E A DIREITA MÍSTICA
Bolsonaro aderiu à direita mística, que vislumbra novos amanheceres. São trevosos para a humanidade, mas alvissareiros para seus delírios de reconstrução de uma antiga ordem que teria entrado em decadência em razão do globalismo, do laicismo, da ciência, da razão. Vejam lá o que faz o biltre do Império do Norte, corroendo os fundamentos do capitalismo em sua configuração contemporânea. O ex-presidente se tornou um súdito da extrema-direita americana, que resolveu vestir as ideias de um fanático como Aleksander Dugin com a cartola e a casaca do Tio Sam. A insanidade está no controle...

Não vou fazer digressões sobre as maluquices de Trump. Apenas registro quem é Bolsonaro na fila do "Findomundistão". Não que ele saiba direito o que faz ou conheça o debate. Mas é o elemento de propaganda, entre nós, dessa cultura, para ser genérico, "antimoderna". Já deixei claro aqui: os reacionários endinheirados estão com o saco cheio dele; passou a atrapalhar... Manifestou-se em favor das tarifas de Trump, por exemplo... Os escribas de extrema direita com penetração na imprensa já se alarmam: "Ele está ajudando o PT..." Adiante.

Ao se despedir do hospital Rio Grande, neste sábado, caminhando sob aplausos de uma turma que, parece, incluía médicos e pessoal da enfermagem, afirmou:
"Obrigado pelo carinho. Sou exatamente igual a vocês. Não há diferença entre nós. Nós temos uma paixão pelo nosso país. Hoje sabemos para onde estão indo e para onde agora estamos indo também. Cada um ter fé, acreditar em fazer a sua parte... (inaudível). Um beijo nas enfermeiras e um abraço nos enfermeiros..."

As pessoas riram do que lhes pareceu espirituoso. Jamais permitiria que gente que acha isso engraçado enfiasse uma agulha numa veia do meu braço. Mas assim andam os dias. Do lado de fora, algumas dezenas de, sei lá, seguidores (?), acompanharam entusiasmadas a sua entrada na ambulância. O corte do vídeo faz supor que todo o Rio Grande do Norte estava lá. Não é verdade.

Todos sabemos, e dispensa argumentação, a importância que teve a facada, uma desgraça em muitos aspectos — para a própria vítima e para o país vitimado —, na eleição de Bolsonaro, como resumiu, então, o filho Flávio no dia seguinte: "Meu pai está eleito". Deve-se atribuir o resultado àquele ataque insano? Não só. Mas é evidente que foi um dos elementos definidores, até porque, convém lembrar, era Lula quem liderava as pesquisas, e com folga, até o TSE formalizar a sua inelegibilidade.

ANISTIA
Mais uma vez, o intestino de Bolsonaro busca se confundir com a história do Brasil, agora como elemento passivo de propaganda em defesa de um projeto que garante a impunidade ampla, geral e irrestrita aos golpistas. É o que está no substitutivo obsceno do deputado Rodrigo Valadares (União-SE). É uma mentira abjeta a conversa de Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL, de que a proposta busca beneficiar apenas os criminosos do dia 8 de janeiro de 2023. Ainda tratarei daquela aberração em texto específico.

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A internação de Bolsonaro em 2018 ditou o rumo das campanhas, retirou-o dos debates, congelou a crítica dos adversários e rendeu, por intermédio do noticiário, o horário eleitoral de que ele não dispunha. Dados do mundo dos fatos: com a facada, sua saúde se deteriorou, sim, como se vê, mas levou a Presidência. Ele não operou por vontade essa troca, mas ela caiu da árvore dos acontecimentos. O custo das duas coisas para o Brasil é gigantesco.

Fiquemos atentos: vamos ver como se comportam os militantes da impunidade aboletados no Congresso a partir desta segunda. Com um mínimo de decoro, não procurariam fazer da saúde do ex-presidente um elemento de mobilização em favor da aberração a que chamam "PL da anistia". Bem, se é de decoro que se fala, convém deixar a esperança do lado de fora...

Não há a menor chance de Bolsonaro ser candidato em 2026. Ele e seus aliados sabem disso. Reitero os votos para que se recupere plenamente, qualquer que seja a gravidade de seu mal. Acontece que escrevo sobre política, não sobre medicina. Então é forçoso que se conclua: essa internação, com possível nova cirurgia, reorganiza o campo da direita e, entendo, antecipa a campanha eleitoral no território reacionário, queira ou não o ex-presidente.

CONCLUO
Se eu acreditasse no papo de "vibrações", diria sem medo de errar que tanto as positivas como as negativas partem de lugares que desafiam o senso comum. Mas eu não acredito nessas tolices. O que existe na política, aí sim, são grupos que se organizam em defesa dos seus interesses e de suas convicções. Bolsonaro doente impõe urgência à passagem do bastão no planeta reacionário, mas serve como elemento de propaganda a ser explorado até o último ponto da sutura. Da minha parte, continuarei a fazer encomendas para o seu anjo custódio. E o farei porque é o certo, porque é da minha natureza e porque acho que ele tem de pagar por todo o mal que fez à democracia brasileira.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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