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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Entenda a notícia-crime contra Bolsonaro apresentada por 3 senadores ao STF

Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI, um dos três senadores que fizeram a coisa certa, e Augusto Aras, procurador-geral, que, infelizmente, tende a fazer a coisa errada - Jane de Araújo/Agência Senado; Jorge William/Agência O Globo
Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI, um dos três senadores que fizeram a coisa certa, e Augusto Aras, procurador-geral, que, infelizmente, tende a fazer a coisa errada Imagem: Jane de Araújo/Agência Senado; Jorge William/Agência O Globo

Colunista do UOL

29/06/2021 08h05

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Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) entraram no Supremo com uma notícia-crime contra o presidente Jair Bolsonaro. Em que vai dar? Do ponto de vista da necessária investigação contra o presidente, a resposta é esta: provavelmente, em nada. Mas a iniciativa é, sim, importante. Direi por quê.

Vamos ver. Os parlamentares apontam que há indícios evidentes de que o presidente da República cometeu crime de prevaricação ao se omitir depois de ter sido alertado por um parlamentar e por um funcionário do Ministério da Saúde de que lambanças estavam em curso no Ministério da Saúde.

Os senadores afirmam ainda que Bolsonaro também incorreu em ato de improbidade administrativa, o que, no caso dos presidentes, é capítulo da Lei 1.079, a dos crimes de responsabilidade — também conhecida como "lei do impeachment".

Como se sabe, o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e Luís Ricardo Miranda, seu irmão e funcionário do Ministério da Saúde, apontaram ao presidente indícios de irregularidade no processo de compra da Covaxin. Bolsonaro teria ficado de acionar a Polícia Federal, o que não fez.

Mais grave do que isso: depois do vazamento do depoimento de Luís Ricardo ao MPF e de Miranda ter confirmado o teor da conversa, o chefe do Executivo mandou que Onix Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência, anunciasse que a PF investigaria a dupla. Miranda é parlamentar, e isso só pode ser feito com autorização do Supremo. Luís Ricardo, até onde se sabe, denunciou um possível crime, mas não cometeu nenhum.

Na petição, escrevem os senadores:
"Tudo indica que Bolsonaro, efetiva e deliberadamente, optou por não investigar o suposto esquema de corrupção levado a seu conhecimento" e que "a omissão ou se deu por envolvimento próprio no suposto esquema criminoso, ou por necessidade de blindagem dos amigos do rei, numa nítida demonstração do patrimonialismo que ronda o atual governo federal".

Os parlamentares apontam o que consideram indícios de graves irregularidades no processo de compra da vacina:
"(...) pressões atípicas para o rápido fazimento do ajuste, exigência de pagamentos de modo diferente daquele previsto no contrato, relação negocial com empresas offshore situadas em paraísos fiscais que não apareciam no contrato original, pagamento do frete de modo diverso do ajuste contratual, autorizações excepcionais pelo próprio gestor/fiscal do contrato (ante à recusa da área técnica ordinária em autorizar medidas avessas ao contrato original)".

Os signatários pedem ainda que a ministra intime o presidente a responder, em 48 horas, se tomou alguma providência quando alertado sobre as possíveis irregularidades. E que a Polícia Federal responda no mesmo prazo se abriu inquérito para investigar o processo de compra a Covaxin.

PRÓXIMOS PASSOS
Muito bem! E o que vai acontecer agora?

Rosa Weber já encaminhou a petição para a Procuradoria-Geral da República. Se Augusto Aras avaliar que nada há a ser investigado, não há o que a ministra possa fazer. Convenham: não parece que a PGR possa significar hoje alguma fonte de contratempo para o presidente.

Se Aras concordar com a abertura de um inquérito, então o Supremo oficia a Polícia Federal para que este seja aberto, a exemplo do que aconteceu com a acusação feita por Moro, segundo quem o presidente da República teria tentado interferir na independência da PF.

Concluído o inquérito, ele segue para a PGR, que, então, avalia se pede ao Supremo a abertura de processo contra o presidente por crime comum. Se decidir que não, então é não. E a coisa morre aí. Caso o procurador-geral entenda que há motivos para processar Bolsonaro, o STF remete a questão para a Câmara.

São necessários 342 deputados — dois terços — para autorizar o Supremo a votar a abertura do processo. Se não houver esse número, segue tudo para arquivo. Caso haja a concordância dos dois terços, aí será a vez de o tribunal votar. Recebida a queixa-crime, o presidente tem de ser afastado do cargo segundo o Inciso I do Parágrafo 1º do Artigo 86 da Constituição.

Nessa hipótese, o tribunal terá 180 dias para julgar o presidente. Se não acontecer ou se for absolvido nesse tempo, ressume o cargo. Se condenado, perde definitivamente o mandato.

PARA ENCERRAR
Notem que a questão passa pelo filtro da PGR duas vezes e uma pelo da Câmara:
1ª - o procurador-geral dirá a Rosa Weber, em 15 dias, se vê ou não motivos para abertura de inquérito;
2 - caso veja, o que parece hoje improvável, decide, depois de concluído o inquérito, se vê razão para pedir a abertura do processo.

E aí será preciso contar com ao menos 342 deputados.

Apesar da barafunda em curso no país, é pouco provável que aconteça. Nem por isso a ação dos senadores é inútil ou desnecessária. É preciso que cada ente da República coloque a sua assinatura ou na continuidade do desastre ou no início de uma solução.