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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Lira e Aras são coniventes com um delírio sangrento que já está anunciado

Arthur Lira e Augusto Aras: Bolsonaro não esconde de ninguém o que quer. Até quando haverá conivência com seus delírios sangrentos? - Cristiano Mariz/Veja; Sérgio Lima/Poder 360
Arthur Lira e Augusto Aras: Bolsonaro não esconde de ninguém o que quer. Até quando haverá conivência com seus delírios sangrentos? Imagem: Cristiano Mariz/Veja; Sérgio Lima/Poder 360

Colunista do UOL

16/08/2021 07h42

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E se a jornada de Jair Bolsonaro contra o voto impresso e contra o Supremo não surtir o efeito que ele imagina?

A sua aposta tem etapas. A primeira é garantir a passagem para o segundo turno. Se isso não acontecer, por óbvio, ele se desmoraliza bastante, e sua saga insurrecional perderia força. Há uma outra hipótese — parece remota, mas não impossível, claro! — para a conversa cair no vazio absoluto: o petista Luiz Inácio Lula da Silva não estar no segundo turno.

Não conheço ninguém que toparia perder dinheiro com essa aposta. Como toda a sua arquitetura conspiratória parte do princípio de que forças ocultas se juntaram ao Supremo para eleger Lula, o levante ficaria sem objeto. Ele sabe, no entanto, que, hoje, enfrentaria o petista na etapa final e perderia feio. E, então, organiza seu circo sangrento.

É evidente que ele está preparando seus celerados para tentar impedir que triunfe aquela que seria não a vontade das urnas, mas a da maioria dos que votarem.

Bolsonaro aposta que não haverá força capaz de conter a insurreição. Se os eleitores não mudarem de rumo, o desfecho que tem em mente é necessariamente sangrento. E todos aqueles que condescendem com a sua permanência no cargo e que para ela concorrem — embora sejam tantas as razões para o afastamento por impeachment ou por crime comum — serão corresponsáveis pela tragédia.

E, sim, cumpre dar os respectivos nomes aos bois: no primeiro caso, Arthur Lira, presidente da Câmara; no segundo, Augusto Aras, procurador-geral da República.

Se acredito num golpe de Estado, com as Forças Armadas unidas, tomando conta das ruas, para impedir a posse do eleito e anular as eleições? Ainda que haja celerados dispostos a tal desatino, a minha resposta é esta: "Não"! Mas isso não significa que a desordem na qual investe Bolsonaro seja sem dor. Não custa lembrar: a invasão do Capitólio deixou cinco mortos — um deles era policial.

Cada minuto que Bolsonaro passa na Presidência, com as omissões de Lira e de Aras —um e outro em suas respectivas áreas —, representa o investimento em cadáveres em 2022. E, como resta evidente, o presidente não está sozinho em sua linguagem golpista.

No sábado, falou explicitamente em "rompimento institucional". O vocabulário começa a se tornar mais preciso. Não teria o apoio das Forças Armadas, mas conta com golpistas entusiasmados à sua volta, a começar do ministro da Defesa, Braga Netto. No sábado, em solenidade de formatura na Academia Militar das Agulhas Negras, disse o ministro:
"Reafirmo que as Forças Armadas continuarão com fé em suas missões constitucionais, como instituições nacionais e permanentes, com base na hierarquia e disciplina, sob autoridade suprema do Presidente da República, para assegurar a defesa da pátria, da soberania, da independência e harmonia entre Poderes, manutenção da democracia e liberdade do povo brasileiro".

Dirão os ingênuos da literalidade que ele apenas repete o conteúdo do Artigo 142, que transcrevo abaixo:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Querem certos celerados que esse Artigo 142 daria às Forças Armadas um caráter de Poder Moderador, que poderia, então, se colocar acima do próprio Supremo como intérprete da Constituição, o que é uma piada porque isso caracterizaria o Brasil como um regime militar-constitucional, de sorte que não seria o Judiciário a dizer, afinal, quais os limites dos entes da República, inclusive dos militares — segundo, claro, a Constituição. Mas seriam os militares a dizer quais são os limites do Judiciário.

Bem, Braga Netto não tem de garantir o que a Constituição já garante, não é mesmo? Reafirmar a autoridade do presidente sobre as Forças Armadas, numa solenidade daquele tipo, no momento em que o chefe do Executivo ameaça "romper as quatro linhas" ou "romper a instituições" implica, por óbvio, a sugestão de que os fardados poderiam acompanhar o capitão arruaceiro em alguma aventura.

Hoje, Braga Netto não tem como botar as tropas na rua a serviço de um golpe. Acontece, reitere-se, que Bolsonaro se mostra disposto a insuflar uma insurreição, que haveria de ser necessariamente armada — e armas não faltam para os seus.

É isso o que está no seu horizonte se a maioria do eleitorado insistir em apeá-lo do poder.

E, hoje, Lira e Aras são coniventes com esse delírio sangrento.