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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que ir às ruas neste dia 12. Ou: O real sentido de um ato antifascista

Bolsonaro faz discurso golpista em frente ao QG do Exército, em Brasília, no dia 19 de abril de 2020. Era um ponto da escalada, que culminou com a articulação para um golpe no dia 7 de Setembro passado, que deu com os burros n"água - Sérgio Lima/AFP; Montagem
Bolsonaro faz discurso golpista em frente ao QG do Exército, em Brasília, no dia 19 de abril de 2020. Era um ponto da escalada, que culminou com a articulação para um golpe no dia 7 de Setembro passado, que deu com os burros n'água Imagem: Sérgio Lima/AFP; Montagem

Colunista do UOL

11/09/2021 19h50

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Como diz a jornalista Lúcia Boldrini, "a gente não vai a atos antifascistas para encontrar os amigos. A gente vai para ser contado na fotografia". Para quem eventualmente não entendeu: por óbvio, haverá amigos por lá. Mas também haverá os que não são. No caso, é preciso levar em conta o que une, não o que separa. "Ser contado na fotografia" quer dizer "eu estava lá; não me omiti; percebi o que estava em jogo".

Os amigos de fé, irmãos, camaradas, bem..., haverá os comícios propriamente eleitorais, não é? E uma das boas coisas da Frente Ampla Antifascista é quando ela se desfaz porque desnecessária. É evidente que a carta de Jair Bolsonaro não marca a sua conversão à democracia. A sua live de quinta, horas depois da divulgação do documento, deixou claro que não. Já escrevi aqui as circunstâncias em que foi produzida sua nota.

Sim, ele perdeu. A pregação do golpe — cuja execução sempre achei inviável, embora a conversa seja obviamente tóxica e contribua para corroer a democracia — sai desmoralizada. Mas será mesmo que ele e suas hordas desistiram de melar as eleições? Sugiro aos leitores que se aprofundem um pouquinho nos estudos sobre a mente dos fanáticos.

Ainda que Bolsonaro seja um fanfarrão também como líder de extrema direita e ainda que até seus delírios sejam rasos, é fato que ele fala a extremistas dispostos a tudo. O delírio místico em que entraram aqueles acampados em Brasília quando circulou a falsa notícia sobre a decretação de estado de sítio — como se fosse possível, nas circunstâncias dadas, fora de um golpe — o evidencia à farta.

ATOS UNIFICADOS
Defendi e defendo que os atos em favor do impeachment de Bolsonaro e contra o golpe sejam os mais amplos possíveis, sem exclusões. Não podem ser confundidos com frente ampla eleitoral. E olhem que, a seu modo, nem isso o próprio Lula descarta. Ele sabe que há os setores que jamais se juntarão à sua candidatura, mas, é evidente, só vencerá as eleições se parte dos que votaram em Bolsonaro em 2018 mudarem rigorosamente de lado.

Nas suas articulações, o ex-presidente não exclui nem partidos nem lideranças que apoiaram o impeachment de Dilma em 2016. Ou exclui? Se vencer, é provável que muitos deles componham o arco de sustentação do seu governo. E isso estará absolutamente certo porque já conhecemos o caminho daqueles que acham que podem "conduzir os destinos da nação" como se iluminados por verdades superiores às deste mundo.

Assim, se você está em dúvida se deve ou não comparecer a um ato antibolsonaro porque, afinal, ele foi originalmente convocado pelo MBL, que defendeu o impeachment e recomendou voto útil em Bolsonaro no segundo turno, sugiro que se mire no exemplo do próprio Lula. Se ele pode — E ESTÁ CERTO NISTO — conversar com forças que fizeram rigorosamente a mesma coisa com vistas à Presidência da República, por que você não pode fazê-lo apenas para "ser contado na fotografia antifascista"? Havendo uma boa resposta, ouvirei com atenção. Mas não há.

QUESTÃO MUITO IMPORTANTE
É bom que fique claro que não estou aqui a dizer algo como: "Ah, vá à manifestação, mesmo tendo sido originalmente convocada pelo MBL". Penso que esse juízo concessivo é essencialmente autoritário. Se setores da esquerda aderiram ao ato APESAR DAS DIVERGÊNCIAS, é bom que se note que o próprio movimento tem seus APESARES, não é mesmo?

Não pensem que só esquerdistas precisam romper a resistência do seu público. Será que também o MBL não tem de enfrentar as contrariedades de sua base? Não se trata de "tapo o nariz e vou nessa". Porque também os narizes do outro lado não acham nada olorosas determinadas demandas ideológicas de muitos que se juntarão à manifestação. O faro que interessa agora é o antifascista e o antigolpista. Que cada um cuide de sua vida depois.

São muitas as minhas divergências com o MBL ou com figuras de destaque ligadas ao movimento, que também não é um monobloco: Lava Jato, condenação de Lula, suspeição de Sergio Moro, legalidade do inquérito 4.781 etc. Mas não divirjo da pauta que, até onde se sabe, será levada à praça neste domingo: contra o golpe e em favor do impeachment do presidente que já cometeu quase 40 crimes de responsabilidade, além de uma penca de agressões ao Código Penal.

E é por isso que entendo que aqueles que comungam dessa pauta devem, sim, comparecer a esse e a quantos atos tenham o mesmo objetivo. Investir contra a mobilização porque, afinal, há divergências ideológicas insanáveis em tempos normais é uma bobagem, um tiro no pé, uma evidência de intolerância.

SOMMELIERS DE ANTIBOLSONARISMO
Lamento que muitos estejam por aí a se comportar como "sommeliers" de antibolsonarismo: "Ah, tal movimento tem o direito de convocar manifestação; este outro não". Hoje, Lula venceria as eleições. É evidente que a disputa, estejam certos, não será como um passeio no parque numa tarde de domingo. A campanha mal começou. Negar, no entanto, o favoritismo do petista é coisa de lunáticos -- e isso está longe de ser vitória garantida.

Pergunto: a ampla mobilização da sociedade, de todas as correntes — exceto, por óbvio, as que compõem o arco de apoios ao presidente —, em favor do respeito ao resultado das eleições é ou não do interesse do petista? Parece-me um mau presságio que já haja certas correntes e certas militâncias se colocando como monopolistas do bem.

De resto, fosse eu um petista, estaria, sim, a me indagar: "Por que esquerdistas à nossa direita e à nossa esquerda estão no mesmo caminhão de som do MBL, com o qual não têm a afinidade histórica que têm conosco?" E talvez o meu ser que pensa e pondera respondesse: "Será que há um certo fastio da tutela que a gente sempre tenta exercer sobre as correntes que chamamos progressistas?" É certo que, fosse eu petista ou esquerdista, consideraria que aí está ao menos um bom tema para reflexão.

APRENDIZAGEM E ERROS NOVOS
Não nasci ontem. Já tenho 60 anos. Alguns dos "sommeliers" de manifestação que andam por aí estavam nascendo quando eu já estava revisando as ilusões perdidas. Não vamos todos brincar de casinha. Se a manifestação realmente unificada é impossível, que haja várias.

Mas que as franjas do petismo e de outros grupamentos de esquerda perguntem a si mesmas se atacar o ato deste domingo concorre para enfraquecer Bolsonaro ou apenas para desopilar o fígado em benefício de ressentimentos de outros tempos.

Falo por mim. Estou disposto a repetir velhos acertos e a cometer erros novos. Acho um bom caminho. A pior viagem é repetir os erros antigos.

NOTA DO PT
O PT divulgou há pouco uma resolução em que cita a manifestação de amanhã. O link está aí. Reproduzo o trecho que interessa ao propósito desta coluna:

"Saudamos todas as manifestações Fora Bolsonaro, esclarecendo que o PT não participou da organização nem da convocação de ato que já estava marcado para este domingo, 12. Reafirmamos que o PT luta contra Bolsonaro, seu governo e suas políticas neoliberais, vinculando sempre a luta pelo impeachment a luta pelos direitos do povo brasileiro.

Neste sentido, exigimos a paralisação imediata das reformas antipopulares que tramitam no Parlamento, bem como cobramos do presidente da Câmara dos Deputados que faça tramitar um dos mais de 163 pedidos de impeachment que estão sobre sua mesa."

AVANÇANDO PARA A CONCLUSÃO
Por sua voz oficial, o partido saúda, então, também a manifestação de amanhã, que contará com a adesão de personalidades e correntes de esquerda. Seria conveniente que mobilizasse suas franjas nas redes sociais para diminuir o bombardeio contra o ato. Pelas ações se testa a verdade das convicções, não pelas palavras.

Mas também se nota que o partido impõe uma condição para, a seus olhos, legitimar o "fora Bolsonaro": é o que chama de "luta pelos direitos do povo brasileiro".

Bem, ninguém, a não ser os celerados conhecidos, luta "contra os direitos do povo brasileiro". A questão é saber o conteúdo dessa luta. Para os petistas, isso pressupõe "a paralisação imediata das reformas", que chama de "antipopulares".

Assim, a legenda impõe uma condicionante (na verdade, duas) à luta antifascista: "Só nos juntaremos aos antifascistas que forem também contrários às reformas que nós consideramos antipopulares".

É claro que a frente ampla que defendo, assim, se torna inviável.

Vá lá. Mas se leve, então, a sério o "Saudamos todas as manifestações antibolsonaro". E cessem os ataques — que, de resto, são pouco inteligentes.

O que se vai fazer amanhã, não importa quantas pessoas saiam às ruas, é repudiar o golpe, cobrar o impeachment e, por consequência, defender o respeito ao resultado das urnas em 2022.

Uma pergunta ao PT: isso interessa ou não a Lula, pouco importa o que as pessoas pensem sobre as reformas?

É uma pergunta retórica, que não precisa de resposta. Só de reflexão.