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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Ninguém fechará esta Corte". Análise e íntegra do forte discurso de Fux

Ministro Luiz Fux durante correto e contundente discurso em defesa da democracia, das instituições e da independência do Supremo - Reprodução/Youtube
Ministro Luiz Fux durante correto e contundente discurso em defesa da democracia, das instituições e da independência do Supremo Imagem: Reprodução/Youtube

Colunista do UOL

08/09/2021 15h54

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O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, acaba de fazer um vigoroso e contundente discurso em defesa do estado democrático e de direito e da independência do tribunal, e, ora vejam!, exortou Jair Bolsonaro a trabalhar para resolver os verdadeiros problemas do país. Não é que não tenha certo receio no caso de ele realmente decidir trabalhar. Mas, afinal, está sendo pago para isso.

No momento mais claro em defesa do tribunal, afirmou Fux:
"Ninguém! Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé. Com suor, perseverança e coragem. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição. E, ao assim proceder, esta Corte reafirmará, ao longo de sua perene existência, o necessário compromisso com o regime democrático, com os direitos humanos e com o respeito aos Poderes e às instituições deste país".

E mais adiante:
"Imbuído desse espírito democrático e de vigor institucional, este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções. Os juízes da Suprema Corte - e todos os mais de 20.000 magistrados do país - têm compromisso com a sua independência, assegurada nesse documento sagrado que é a nossa Constituição, que consagra as aspirações do povo brasileiro e faz jus às lutas por direitos empreendidas pelas gerações que nos antecederam."

Traduza-se em termos mais claros: a Corte não vai se intimidar com ameaças de golpe de estado. Até porque, com efeito, não se pode cair no paradoxo de acovardar-se, sob o risco de uma quartelada, como se, então, o golpe já tivesse sido desfechado. A razão de ser do tribunal, na democracia, é sua independência.

DISCURSO INCLUSIVO
Fux fez, em nome do conjunto dos ministros, um discurso forte, sim, em defesa do Supremo, mas procurou ser inclusivo. De maneira que me parece correta e prudente, elogiou a disciplina das Polícias Militares e das Forças Armadas durante as manifestações do Sete de Setembro. Afinal, pipocavam as informações dando conta de que havia risco de rebelião e desordem. Como é sabido, as forças de segurança, aí englobadas as PMs e as três Armas, têm sido palco do proselitismo golpista de partidários do presidente. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), por exemplo, é uma das vozes de destaque nessa ação deletéria.

Referindo-se a esses entes que servem ao Estado, não a governos, o ministro elogiou:
"Destaque-se, por seu turno, o empenho das Forças Armadas, dos governadores de Estado e dos demais agentes de segurança e de inteligência pública, que monitoraram em tempo real todas as manifestações, permitindo assim o seu desenrolar com ordem e paz. De norte a sul do país, percebemos que os policiais e demais agentes atuaram conscientes de que a democracia é importante não apenas para si, mas também para seus filhos, que crescerão ao pálio da normalidade institucional que seus pais contribuíram para manter."

REFERÊNCIA DIRETA A BOLSONARO
Fux se referiu aos cartazes e palavras de ordem com críticas ao Supremo, lembrando dos dois discursos feitos por Jair Bolsonaro. O ministro observou, então, que a divergência é imanente ao regime democrático:
"Nós, magistrados, ministras e ministro do Supremo Tribunal Federal, sabemos que nenhuma nação constrói a sua identidade sem dissenso. A convivência entre visões diferentes sobre o mesmo mundo é pressuposto da democracia, que não sobrevive sem debate sobre o desempenho do governo e de suas instituições."

Emendou, na sequência que, em 130 anos, o STF jamais se negou ao aprimoramento institucional. Mas destacou, referindo-se diretamente a Bolsonaro:
"A crítica institucional não se confunde nem se adequa com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal Federal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidas pelo chefe da nação."

E elencou aquela que tem sido a rotina de Bolsonaro:
"Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discurso de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis em respeito ao juramento constitucional que todos nós fizemos ao assumirmos uma cadeira nesta corte".

Fux deu uma resposta direta à anunciada disposição de Bolsonaro, no discurso feito em São Paulo, de não respeitar decisões judiciais:
"O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional. Num ambiente político maduro, questionamentos às decisões judiciais devem ser realizados não através da desobediência, não através da desordem, e não através do caos provocado, mas decerto pelos recursos, que as vias processuais próprias oferecem."

O USO DA DEMOCRACIA CONTRA A DEMOCRACIA
Fux evidenciou que o Supremo está atento àquele que é o truque mais vigarista da extrema direita, que consiste em usar os instrumentos da democracia contra a democracia. Disse:
"Infelizmente, tem sido cada vez mais comum que alguns movimentos invoquem a democracia como pretexto para a promoção de ideias antidemocráticos. Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo ou o povo contra as suas instituições. Todos sabemos que quem promove o discurso do 'Nós' contra 'Eles' não propaga democracia, mas a política do caos".

Não custa lembrar que a nova lei de defesa do estado democrático, que substituiu a Lei de Segurança Nacional, incorporou tais práticas ao Código Penal como crimes.

E o ministro advertiu:
"Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação. Mais do que nunca, o nosso tempo requer respeito aos Poderes constituídos".

VÁ TRABALHAR, PRESIDENTE!
Obviamente, o ministro não se expressou nos termos do entretítulo que vai acima, mas bem poderia ser esse o espírito. Lembrou que o país, o governo e as instituições têm um enorme passivo com o povo brasileiro. Afirmou:
"O verdadeiro patriota não fecha os olhos para os problemas reais e urgentes do país. Pelo contrário. Procura enfrentá-los, tal como um incansável artesão, tecendo consensos mínimos entre os grupos que, naturalmente, pensam diferente. Só assim é possível pacificar e revigorar uma nação inteira"

E o ministro lembrou quais são as tarefas urgentes:
"Em nome das Ministras e dos Ministros desta Casa, conclamo os líderes do nosso país a que se dediquem aos reais problemas que assolam o nosso povo: a pandemia, que ainda não acabou e já levou para o túmulo 580 mil vidas brasileiras, o que levou a dor aos seus familiares queridos; o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que ameaça a nossa retomada econômica. Esperança por dias melhores é o nosso desejo, mas continuamos firmes na exigência de narrativas e comportamentos democráticos, à altura do que o povo brasileiro almeja e merece."

ENCERRO
A íntegra do discurso segue abaixo. A fala de Fux, traduzindo a vontade uníssona do Supremo, é impecável. Aí estão os fundamentos da democracia, que, tenho dito aqui, não é o regime em que tudo pode. Este seria o da tirania -- e, como se sabe, tudo pode para os tiranos, e nada pode para seus adversários.

Folgo em saber que o tribunal está atento à patranha destes tempos — também veiculada por algumas vozes trevosas disfarçadas de pensamento libertário: os instrumentos da democracia não podem servir à sua destruição.

Ora, curiosamente, essa é uma formulação que tem origem no mais legítimo pensamento conservador. Conservador de instituições democráticas.

Segue a íntegra.

Senhoras Ministras, Senhores Ministros, Cidadãos brasileiros, O Brasil comemorou, na data de ontem, 199 anos de sua independência. Em todas as capitais e em diversas cidades do país, cidadãos compareceram às ruas. O país acompanhou atento o desenrolar das manifestações e, para tranquilidade de todos nós, os movimentos não registraram incidentes graves. Com efeito, os participantes exerceram as suas liberdades de reunião e de expressão - direitos fundamentais ostensivamente protegidos por este Supremo Tribunal Federal. Nesse ponto, é forçoso enaltecer a atuação das forças de segurança do país, em especial as Polícias Militares e a Polícia Federal, cujos membros não mediram esforços para a preservação da ordem e da incolumidade do patrimônio público, com integral respeito à dignidade dos manifestantes.

Destaque-se, por seu turno, o empenho das Forças Armadas, dos governadores de Estado e dos demais agentes de segurança e de inteligência pública, que monitoraram em tempo real todas as manifestações, permitindo assim o seu desenrolar com ordem e paz. De norte a sul do país, percebemos que os policiais e demais agentes atuaram conscientes de que a democracia é importante não apenas para si, mas também para seus filhos, que crescerão ao pálio da normalidade institucional que seus pais contribuíram para manter. Este Supremo Tribunal Federal também esteve atento à forma e ao conteúdo dos atos realizados no dia de ontem. Cartazes e palavras de ordem veicularam duras críticas à Corte e aos seus membros, muitas delas também vocalizadas pelo Senhor Presidente da República, em seus discursos em Brasília e em São Paulo.

Na qualidade chefe do Poder Judiciário e Presidente do Supremo Tribunal Federal, em nome do colegiado, impõe-se uma palavra de patriotismo e de respeito às instituições do país. Nós, Ministras e Ministros do STF, sabemos que nenhuma nação constrói a sua identidade sem dissenso. A convivência entre visões diferentes sobre o mesmo mundo é pressuposto da democracia, que não sobrevive sem debates sobre o desempenho dos seus governos e de suas instituições. Nesse contexto, em toda a sua trajetória nesses 130 anos de vida republicana, o Supremo Tribunal Federal jamais se negou - e jamais se negará - ao aprimoramento institucional em prol do nosso amado país. No entanto, a crítica institucional não se confunde - e nem se adequa - com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal Federal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidas pelo Chefe da Nação. Ofender a honra dos Ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis, em respeito ao juramento constitucional que fizemos ao assumir uma cadeira na Corte.

Infelizmente, tem sido cada vez mais comum que alguns movimentos invoquem a democracia como pretexto para a promoção de ideias antidemocráticas. Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas instituições. Todos sabemos que quem promove o discurso do "nós contra eles" não propaga democracia, mas a política do caos. Em verdade, a democracia é o discurso do "um por todos e todos por um, respeitadas as nossas diferenças e complexidades". Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação. Mais do que nunca, o nosso tempo requer respeito aos poderes constituídos. O verdadeiro patriota não fecha os olhos para os problemas reais e urgentes do país. Pelo contrário, procura enfrentá-los, tal como um incansável artesão, tecendo consensos mínimos entre os grupos que naturalmente pensam diferente. Só assim é possível pacificar e revigorar uma nação inteira. Imbuído desse espírito democrático e de vigor institucional, este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções. Os juízes da Suprema Corte - e todos os mais de 20.000 magistrados do país - têm compromisso com a sua independência, assegurada nesse documento sagrado que é a nossa Constituição, que consagra as aspirações do povo brasileiro e faz jus às lutas por direitos empreendidas pelas gerações que nos antecederam.

O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional. Num ambiente político maduro, questionamentos às decisões judiciais devem ser realizados não através da desobediência, não através da desordem, e não através do caos provocado, mas decerto pelos recursos, que as vias processuais próprias oferecem. Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor, perseverança e coragem. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição e, ao assim proceder, esta Corte reafirmará, ao longo de sua perene existência, o seu necessário compromisso com o regime democrático, com os direitos humanos e com o respeito aos poderes e às instituições deste país.

Em nome das Ministras e dos Ministros desta Casa, conclamo os líderes do nosso país a que se dediquem aos reais problemas que assolam o nosso povo: a pandemia, que ainda não acabou e já levou para o túmulo 580 mil vidas brasileiras, o que levou a dor aos seus familiares queridos; o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que ameaça a nossa retomada econômica. Esperança por dias melhores é o nosso desejo, mas continuamos firmes na exigência de narrativas e comportamentos democráticos, à altura do que o povo brasileiro almeja e merece.

Não temos tempo a perder.