Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lira: No meio do caminho havia uma Rosa. Havia uma Rosa no meio do caminho

Rosa Weber, ministra da Supremo. Magistrada deu prazo para Mesa da Câmara explicar o heterodoxo processo legislativo que resultou em aprovação de PEC em primeira votação - Rosinei Coutinho/SCO/STF
Rosa Weber, ministra da Supremo. Magistrada deu prazo para Mesa da Câmara explicar o heterodoxo processo legislativo que resultou em aprovação de PEC em primeira votação Imagem: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Colunista do UOL

08/11/2021 06h52

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A Mesa da Câmara será notificada hoje pelo STF, em três ações de que a ministra Rosa Weber é relatora, a explicar em 24 horas os detalhes da tramitação da PEC dos Precatórios, que resultou na aprovação do texto em primeira votação, na madrugada de quinta-feira, por 312 votos a 144. A Casa não é obrigada a se manifestar. Trata-se de três mandados de segurança, impetrados, respectivamente, pela direção do PDT, por um grupo suprapartidário de deputados e por Rodrigo Maia (sem partido), ex-presidente da Câmara.

Nos três casos, os peticionários reivindicam a concessão de uma liminar que suspenda a tramitação da PEC dos Precatórios e que torne sem efeito o ato que permitiu a votação de deputados que não estavam na Câmara. Logo, o que se pede é a anulação daquela votação.

1: VOTO REMOTO
Ato da Mesa permitiu que deputados que não estavam no plenário votassem remotamente. Afirmam, por exemplo, os deputados da petição conjunta:
"(...) Com o exclusivo escopo de assegurar a aprovação da matéria ontem [quarta-feira] pelo plenário, foi baixado o Ato da Mesa n° 212, de 03 de novembro de 2021, que permitiu a votação remota de parlamentares em missão oficial para a COP26, em Glasgow, na Escócia. De forma casuística e em patente desvio de finalidade, foi editado ato para garantir o quórum necessário à aprovação da emenda aglutinativa".

Onze deputados que estavam na missão em Glasgow votaram. A PEC, reitere-se, foi aprovada com 312 votos, apenas quatro a mais do que o mínimo necessário: 308.

2: TEXTO FANTASMA
A emenda aglutinativa que foi votada, alegam os autores das ações, não aglutinava nada porque ela não surgiu de emendas que tenham sido debatidas na Casa. Maia, por exemplo, chama o texto aprovado de "fantasma". Diz ele:
"O que é uma emenda aglutinativa para aqueles que não conhecem? A palavra já diz, você está juntando duas partes. O que o regimento permite? Que você junte partes do texto original junto com as emendas oferecidas. Como não há emenda oferecida, você não tem como aglutinar nada, você não tem como juntar nada na matéria. Você não pode ter uma emenda aglutinativa de temas que não existem, ou no relatório do relator para ser votado ou na emenda constitucional. O que ele fez? Apresentaram uma emenda aglutinativa com textos que não existem na PEC e de emendas que não foram apresentadas. Então, eu digo que é uma emenda fantasma que a Câmara votou".

Vem barulho por aí. Já volto à questão da votação.

SUSPENSÃO DO ORÇAMENTO SECRETO
É evidente que os ministros do Supremo não gostam da ideia de interferir de forma tão incisiva em decisões tomadas no âmbito de outro Poder. O potencial para a confusão é gigantesco.

Rosa já havia determinado na sexta, por meio de liminar, a suspensão de pagamento das chamadas "emendas do relator", atendendo a pedidos do PSOL, Cidadania e PSB, no âmbito de Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental. A ministra determinou ainda que sejam divulgados todos os dados relativos ao pagamento de emendas de 2020 e 2021.

A decisão é "ad referendum" do pleno, em votação virtual, que vai se dar, por determinação de Luiz Fux, presidente do STF, entre terça e quarta. Qualquer ministro da Corte pode pedir que a questão seja decidida em sessão física.

É pouco provável que o Supremo vá entrar no mérito da existência das "emendas do relator", que surgiram em 2019 — Lei 13.957), que mudou a 13.898 — no processo de elaboração do Orçamento de 2020. As emendas passaram a ser, então, individuais, de bancadas estaduais, de comissões permanentes (Câmara, Senado ou Congresso) e do relator.

O problema não está na modalidade, mas no sigilo, que tem de acabar. O Orçamento não pode ser secreto. Lembra a ministra Rosa que assim deve ser "em conformidade com os princípios da publicidade e transparência previstos nos arts. 37, caput, e 163-A da Constituição Federal, com o art. 3º da Lei 12.527/2011 e art. 48 da Lei Complementar 101/2000".

Entendo que, se o Supremo resolvesse suprimir as "emendas do relator" — e, note-se, isso não está sendo pedido —, haveria, aí sim, uma interferência indevida em outro Poder. Mas, no caso, o que se pede é o que o distinto público saiba qual é a destinação de recursos que são... públicos! E, parece-me, não haverá divergência nesse caso no tribunal.

VOLTEMOS À QUESTÃO DA VOTAÇÃO
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, marcou para esta terça a segunda votação da PEC dos Precatórios. Parece difícil que aconteça. Para começo de conversa, alguns deputados da oposição -- PDT (15) e PSB (10) -- que disseram "sim" ao texto podem recuar. Isso significa que o governo tem de conquistar a adesão de deputados da base que votam contra a emenda na primeira rodada ou que se ausentaram.

A Mesa não é obrigada a apresentar as explicações pedidas por Rosa, mas é pouco provável que nada diga à ministra. Como as 24 horas passam a ser contadas a partir desta segunda, a magistrada tende a decidir na terça se concede ou não liminar aos mandados de segurança.

Os pedidos para a suspensão da tramitação da PEC sustentam que a votação encaminhada por Lira feriu os Artigos 186 e 187 do Regimento Interno da Câmara, que tratam do processo de votação de matéria que é constitucionalmente regulada, a exemplo da aprovação das PECs.

ABACAXI
O Supremo está com um abacaxi e tanto para descascar. Parece-me certo que o tribunal vá meter um freio de arrumação nas tais "emendas do relator". Da forma como está, dinheiro público pode ser empregado de modo discricionário. A prática viola fundamento constitucional de maneira inequívoca.

Quanto à suspensão da tramitação... Ainda que a ministra Rosa Weber conceda a liminar, ela será examinada pelo conjunto dos ministros. O Regimento Interno foi ignorado? Parece que sim. O Parágrafo 3º do Artigo 118, por exemplo, define uma emenda aglutinativa:
"§ 3º Emenda aglutinativa é a que resulta da fusão de outras emendas, ou destas com o texto, por transação tendente à aproximação dos respectivos objetos".

O texto votado, com efeito, foi uma invenção de última hora. Quanto à autorização para que deputados em missão pudessem votar, vejo controvérsia pela frente. Se estão representando a Câmara, entende-se que o fazem como deputados. Em princípio, não parece ser uma aberração que votem. O problema é essa autorização ter sido dada pela Mesa da Câmara depois do início do jogo...

Mas há uma questão: todos os que votaram remotamente realmente estavam, àquela hora, em missão oficial? Não por acaso, Rodrigo Maia pede no mandado de segurança:
"após, determinar a notificação da autoridade coatora para que apresente informações, nos termos do art. 7º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009, e que, nos termos do art. 6º, §1° da Lei n° 12.016/2009, traga aos autos a listagem completa dos parlamentares licenciados e/ou no exercício de missão diplomática em 3 de novembro de 2021, e da informação de quais deles votaram pela aprovação da emenda aglutinativa substitutiva (EMA) n° 1, oriunda da PEC 21, de 2021, em 3 de novembro de 2021".

Ainda faltam, vamos dizer, "três turnos" para que se complete o processo de aprovação da PEC — na hipótese, claro!, de que não seja alvejada em um deles. O tribunal sabe o peso de uma interferência dessa natureza, que é coisa distinta de determinar a transparência nos gastos com emendas, um mandamento constitucional inequívoco e incontroverso.

Na linha da autocontenção do Poder, já escrevi aqui, o tribunal pode optar pela não intervenção antes da conclusão do processo legislativo, sem prejuízo de que a Corte seja acionada mais tarde, a depender do resultado. Seria um jeito de driblar o confronto em dias já tumultuados.

Já virá barulho o suficiente por aí com a divulgação, que me parece inevitável, dos detalhes das emendas do relator. E assim tem de ser. A aberração tem de acabar.