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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

PEC dos Precatórios: Política é para adultos. Crianças, fiquem no parquinho

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

03/12/2021 14h10

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Tenho dificuldade de lidar com pensamento mágico. Acho, sim, que o PT fez bem em votar a favor de PEC dos precatórios depois das mudanças feitas no Senado. Escrevi a respeito na minha coluna na Folha nesta sexta. Qual a alternativa?

Ninguém apresentou a fórmula matemática que conciliasse reajuste do Bolsa Família ("Auxílio Brasil" é expropriação), pagamento dos precatórios e correção de despesas. Vamos matar pobre de fome só para aplicar uma lição a Bolsonaro? Tenham paciência! De resto, quem disse que ele realmente ficaria sem saída?

Insisto: apresentem as contas alternativas.

"Ah, mas o presidente pode ganhar a eleição assim?" É??? A resposta é política. QUE SE FAÇA POLÍTICA PARA EVIDENCIAR QUEM É ELE. O próprio presidente talvez torcesse pelo impasse. Seria a senha para um eventual decreto de calamidade. E aí o céu, ou o inferno, seria o limite.

Ou vamos brincar de Sérgio Moro em sua passagem pelo Senado, em que empostou a voz para falar bobagens sobre economia pelos cotovelos? Aquele que, como juiz, era político e, agora, como político, pretende ser juiz dos adversários, saiu-se com a cascata de que defende o reajuste do benefício social, mas sem a PEC. É mesmo? Por que ele não nos ensina a assoviar e chupar cana ao mesmo tempo?

Uma coisa é denunciar o calote, o furo no teto e a pedalada. E isso deve ser feito porque é parte do jogo político do esclarecimento. Outra, distinta, é maximizar esses aspectos e ignorar as consequências caso o texto tivesse sido rejeitado. Ou viria o decreto de calamidade ou se ignoraria a fome de milhões. É o chamado "didatismo da miséria alheia". É bonito isso?

Existe o populismo de direita, existe o populismo de esquerda, e se inaugura no país o populismo do rigor fiscal: é bem verdade que se fala, nesse caso, a um público diminuto, mas muito influente. Sei: tem lá seu charme esculhambar o governo, esculhambar a oposição, esculhambar os políticos. Sobretudo quando se está a salvo das consequências.

Sem os seis do PT, a PEC teria sido aprovada por 58 votos no primeiro escrutínio e 55 no segundo. Bastavam 49. Claro, claro... Sempre se poderia alegar o exclusivismo moral: "Não compactuamos com a zorra fiscal..." Bacaninha. Mas isso é política na fase das espinhas e brotoejas. Como diria São Paulo, crianças falam e pensam como crianças. E adultos, como adultos.

Sei quantas vezes esculhambei o PT por ter decidido não participar do Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo em 1985, com o absurdo adicional de ter expulsado do partido os três que decidiram desobedecer a orientação da legenda: Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes. Repetiu o erro quando afastou Luiza Erundina por ter aceitado ser ministra de Itamar.

Pergunta óbvia: e se todos os que queriam as diretas ou ajudaram a depor Collor seguissem o exemplo do partido? Bem, acho que Paulo Maluf teria sido eleito presidente em 1985, e o governo Itamar teria afundado, junto com o país. Nos dois casos, a legenda fez um cálculo ruim, infantil. E não colheu bons resultados. Como não se beneficiou da oposição ao Plano Real. Aquele era o PT que jamais ganharia eleições.

Não sei se vai vencer no ano que vem. Sei que fez a coisa certa e também assumiu a responsabilidade pela melhor das soluções ruins, dadas as alternativas. Considerando os números, a PEC teria sido aprovada sem os seus votos. E não seria difícil lhe pespegar a pecha de ter votado contra o reajuste do Bolsa Família. Na hipótese da derrota do texto, aí, sim, viria o dilúvio.

Esse PT é melhor do que aquele que não foi ao Colégio, expulsou Soares, Mendes, Eudes e Erundina e se opôs ao Plano Real. Sim, o partido cresceu no período, mas não em razão desses erros históricos. E fez história quando passou a se comportar como gente grande: em 2002.

Notem que, até aqui, eu fiz um esforço para pensar a economia interna da legenda. E certamente há uma penca de petistas que discorda de tudo isso. Até porque não sou de esquerda e submeto a questão ao filtro do pragmatismo, não da ideologia — que é legítima, diga-se, mas não é a minha.

Mas também posso e devo olhar de fora o caso. Acompanhando política de perto há pelo menos 45 anos, vi as muitas vezes em que a covardia simulou a coragem e a hipocrisia reivindicou o manto da virtude: é sempre confortável, não é mesmo?, votar contra o "bom possível" em nome do "ótimo impossível" na certeza de que outros, geralmente adversários, se encarregarão de evitar o pior. É o voto do descompromisso.

Esculhambem as ruindades do governo Bolsonaro à vontade. Será sempre merecido e necessário. Mas sem fraudar a matemática ou dar ao inimigo a vantagem do tudo ou nada porque já que ficou sem saída.

Crianças pensam como crianças. Adultos, como adultos. Os infantes têm de ficar no parquinho.