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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ação contra Ciro é aberração. A quem interessa? A Bolsonaro? Acho que não

Gato escondido com o rabo de fora. Olhem ali. Nao se vê o gato. Mas só pode ser um gato, não é mesmo?  - Reprodução
Gato escondido com o rabo de fora. Olhem ali. Nao se vê o gato. Mas só pode ser um gato, não é mesmo? Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

15/12/2021 17h01

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Como é que é?

Então as supostas irregularidades na construção do Castelão, em Fortaleza, teriam acontecido entre 2010 e 2013 e, dez anos depois, um senador e um candidato à Presidência, ambos de oposição, são alvos de uma operação espalhafatosa, com mandados de busca e apreensão? Nem sequer foram chamados para depor.

Não é assim que se faz nas democracias.

O senador Cid Gomes (PDT-CE) e Ciro Gomes, pré-candidato à Presidência, têm razão para a indignação máxima. E, no caso, cumpre dizer: se há alguém que está a vibrar com essa história, então é só esperar que a polícia bata à sua porta.

Pois é... Há quanto tempo tenho alertado para essas práticas típicas de estado policial, que a Lava Jato introduziu no Brasil?

"Ah, como pode escrever assim? A ação da PF foi autorizada pela Justiça... " Bem, só faltava não haver nem isso. No caso, estaríamos, então, numa ditadura escancarada.

O fato de se terem cumprido os ritos não implica que não se possam cometer arbitrariedades. Sim, a sociedade precisa de remédios contra os malfeitos. Mas, como indagou Padre Vieira, é preciso saber quem remedeia os remédios.

E que se note: é evidente que não estou aqui a defender que nada se investigue. Ainda que houvesse algum outro indício contra Ciro e Cid Gomes, além de uma obscura delação — e podem contar que eles começarão a pipocar daqui a pouco (já volto ao ponto) —, a questão é saber se a ação destrambelhada é compatível com o conjunto da obra. E a resposta é uma só: não é.

Digamos, por hipótese, que o senador e o pré-candidato tivessem participado de alguma falcatrua na construção do estádio. Uma década depois, estariam com os documentos guardados em casa, à espera de que a PF batesse à porta? A despeito de qualquer outra coisa, isso nem faz sentido lógico.

SAIR DESSE BURACO
Precisamos sair, como país, desse buraco. E não será fácil. Daqui a pouco, começam a vazar dados da investigação, com supostos indícios de que alguma irregularidade aconteceu. E não se descarta, por princípio, que tenha acontecido, claro!. A questão é saber se têm alguma relação com os principais alvos da operação. Torturando-se os fatos, encontram-se provas para mandar qualquer um para a forca, para a cruz, para a fogueira...

Essa é a pior herança que a Lava Jato deixa no país. E vai nos marcar por muito tempo. Aí alguém grita: "Não, a pior herança do Brasil é a corrupção". É uma das piores, sim, mas nada contribui mais para consolidar um regime corrupto do que a perseguição seletiva ou mesmo a justiça seletiva — hipótese, então, em que o próprio sistema destinado a combater a corrupção se politiza e se corrompe.

E não é a isso, precisamente, que assistimos neste momento? Um partido político, imaginem!, decidiu reunir a plêiade da Lava Jato. O juiz que se queria símbolo de retidão, que jurou de pés juntos que jamais seria político, está aí, a disputar a Presidência da República.

BOLSONARO ESTÁ POR TRÁS?
O próprio Ciro levanta a hipótese de que Bolsonaro possa estar por trás da operação. Bem, nada sei a respeito. Mas entendo um tantinho de lógica. E faço algumas perguntas:
1: tentar tirar Ciro do jogo eleitoral ou desidrata-lo interessa ao presidente da República? A resposta objetiva é "não";
2: pesquisas indicam que há um trânsito de votos entre Moro e Ciro, não entre Ciro e Bolsonaro;
3: delegados têm autonomia para tocar as suas investigações;
4: Paulo Maiurino, atual diretor-geral, defendeu, em documento enviado ao STF, que, em operações envolvendo autoridades com foro, houvesse uma coordenação, passando pelo comando da PF. Foi massacrado pela imprensa e pelos lavajatistas da instituição;
5: a verdade é que uma operação dessa importância -- e com esse teor de absurdo -- pode acontecer sem o prévio conhecimento do diretor-geral;
6: há tempos há uma orquestração do lavajatismo, em parceria com setores da imprensa (ou coisa parecida), para derrubar Maiurino. A perseguição a um pré-candidato da oposição, que contasse com a sua anuência, parece ser a circunstância ideal para derrubá-lo. Mas esperem: aquela centralização que ele pediu não existe. Foi obstada pela pressão dos próprios lavajatistas.

Não se trata de acusação, não, insisto, mas de lógica: o método é lavajatista, e o potencial beneficiário da eventual saída de Ciro da disputa não é Bolsonaro, mas Moro.

LAMENTO FINAL
Eu só lamento que o chamado jornalismo investigativo, a partir de agora, tenda a "investigar" os acusados, alimentando-se de vazamentos da operação e contribuindo para a truculência de Estado.

A tarefa jornalística que desafia os melhores da área consiste em investigar os bastidores desse troço e saber como se arranca um mandado de busca de apreensão para colher possíveis provas de supostos malfeitos ocorridos há dez anos. E no endereço de gente que nem mesmo foi chamada para depor.

De quem é a mão que balança o berço?

Essa operação tem cara de gato escondido com o rabo de fora. Não se vê o corpo. Mas se sabe que ali há um gato.

PS: E que Lula, de fato, fique atento. Ainda que o petista já tenha sido mergulhado no rio da morte das reputações e esteja aí, liderando as pesquisas — vencendo no primeiro turno em algumas delas —., nada impede que volte a ser alvo de arbitrariedades. No jogo sem regras, toda canela é bola.