PF diz que sala de Bolsonaro no PL guardava 'discurso pós-golpe'

Em 8 de fevereiro deste ano, a Polícia Federal apreendeu um texto na sala de Jair Bolsonaro no PL em Brasília que, após avaliação dos investigadores, foi classificado como "discurso pós-golpe".

O que aconteceu

O discurso tem quatro páginas e elenca argumentos para convocação das Forças Armadas. O texto termina da seguinte maneira: "Declaro Estado de Sítio e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem". Junto do documento, segundo a PF, havia um parecer jurídico que justificava a convocação das Forças Armadas para anular o resultado das eleições e até a proposta de trocas ministros do TSE

A PF considerou o texto como um esboço de discurso. "Documento cujo teor parece se tratar de ensaio para discurso preparado para eventual subversão do Estado Democrático de Direito", diz o relatório do delegado da PF, Daniel Brasil, sobre o que foi encontrado nas buscas.

Os investigadores acreditam que o material seria lido após a ruptura democrática. O documento cita alegados abusos cometidos pelo STF como argumento para as eleições, perdidas por Bolsonaro, serem canceladas.

O discurso pós-golpe contém cinco situações para embasar a intervenção militar. O Supremo e fake news são mencionados:

  • Alexandre de Moraes ser presidente do TSE e, de acordo com o discurso, ter amizade com Geraldo Alckmin, vice na chapa de Lula;
  • decisões ilegítimas restringindo prerrogativas de jornalistas e parlamentares. (Bolsonaro reclamava de medidas judiciais contra deputados e blogueiros que espalhavam fake news);
  • O TSE não investigar acusação do PL de algumas rádios não veicularem propaganda eleitoral de Bolsonaro. (Análises técnicas refutaram a denúncia);
  • o Ministério da Defesa não ter acesso ao código fonte das urnas. (Peritos militares examinaram as urnas e não encontraram falhas);
  • revisão do "trânsito em julgado". (Não há menção, mas Lula foi condenado e posto em liberdade por falhas no processo);

Com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro Estado de Sítio e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem
Trecho do discurso pós-golpe, segundo a PF

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'Princípio da moralidade'

O discurso citava artigos da Constituição numa tentativa de mascarar que se tratava de um golpe. Tese jurídicas também foram citadas na busca em dar um caráter de legalidade à intervenção militar.

O "princípio da moralidade" é a base do discurso pós-golpe. Relativo à administração pública, o princípio estabelece que os agentes públicos devem atuar de acordo com os preceitos éticos, além de cumprirem a lei. Ele é citado no começo do texto e, na interpretação de quem escreveu o discurso apreendido, permite contestar uma decisão judicial tomada com amparo da lei caso ela ocorra com intuito autoritário — algo que o bolsonarismo acusa o STF de praticar.

Na interpretação do autor do discurso pós-golpe, o "princípio da moralidade" se aplicava inclusive às eleições. Nesse ponto, entra o parecer jurídico que também estava na sala de Bolsonaro no PL e foi apreendido pela PF dentro de uma pasta com símbolo do partido na capa.

O parecer jurídico é de Ives Gandra e afirma que as Forças Armadas são o poder moderador. O jurista escreveu que militares podem atuar em casos de subversão do Estado democrático de Direito — o que STF rejeitou em julgamento realizado em abril. Esse dispositivo, na avaliação de Gandra, poderia ser posto em prática quando abusos da Justiça e de grupos de mídia influenciam o resultado de uma eleição.

Jurista escreveu que um interventor deveria ser nomeado. Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal estariam subordinadas a ele.

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O discurso pós-golpe usa argumentos desse parecer jurídico. Caso o golpe tivesse ocorrido, afirmações de Ives Gandra, segundo a PF, seriam mencionadas junto com o "princípio da moralidade" para dar explicação do por que do golpe.

O argumento de que o poder emana do povo também foi utilizado. Cartazes com essa frase costumavam estar expostos em manifestações golpistas de bolsonaristas espalhadas pelo país — militantes gritavam "eu autorizo", numa referência à figura de Bolsonaro como líder de uma eventual intervenção militar.

Os documentos impressos a seguir tratam das "Forças Armadas como Poder Moderador.
Relatório da PF sobre parecer de Gandra

Troca de ministros do TSE

O texto de Gandra cita, sem revelar os nomes, que três ministros do TSE deveriam ser afastados. Tratavam-se de Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, Edson Fachin (então vice na corte) e Ricardo Lewandowski. Sem apresentação de provas, a tese bolsonarista é que a eleição foi desequilibrada por causa de decisões da Justiça Eleitoral. O documento apresenta três nomes de ministros substitutos: Nunes Marques, André Mendonça (ambos indicados por Bolsonaro) e Dias Toffoli.

UOL revelou que os três ministros visitaram Bolsonaro. Os encontros ocorreram no Palácio da Alvorada entre junho e dezembro de 2022 e foram registrados pelo GSI, o Gabinete de Segurança Institucional, que era o responsável pela segurança dos palácios presidenciais. No fim daquele ano, o ex-presidente esteve recluso após perder para Lula. Procurados por meio da assessoria de imprensa do STF, os três ministros citados não se manifestaram.

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A investigação da PF indica que Bolsonaro teve encontros para tramar um golpe nesse período. Além dos ministros do STF, militares e assessores também indiciados pela PF estiveram com o ex-presidente. O relatório final não cita nenhuma das visitas dos ministros do STF.

Assessoria de Bolsonaro não se manifestou sobre a minuta que cita a troca de ministros e o suposto discurso pós-golpe. Advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten já se manifestou sobre o documento à época das buscas e disse que o texto é apócrifo e "não condiz com as tradicionais e reconhecidas falas e frases do presidente". "Tal conteúdo escrito depende mandatoriamente de ação conjunta de outros Poderes", disse ele.

O PL não quis se manifestar sobre o documento. Interlocutores da sigla, porém, apontam que a sala onde foram encontrados os documentos eram utilizadas somente por Bolsonaro, o ex-ministro Walter Braga Netto e as equipes deles.

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