Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O que quer Bolsonaro? Golpe por meio da arruaça. E a embaixadora dos EUA
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Dias Toffoli, relator da notícia-crime encaminhada por Jair Bolsonaro ao Supremo contra Alexandre de Moraes, foi breve ao rejeitar a ação. Em sete páginas e meia — parte do texto é mera transcrição da inicial — evidenciou o ridículo da acusação. É claro que o presidente esperava tal resultado. Vive mal cercado, mas há entre eles quem conheça as leis. Dissequei aqui o troço como registro histórico, não porque houvesse qualquer chance de prosperar. O presidente não queria ganhar a ação. Estava apenas fornecendo aos seus a ração necessária de ódio para que continuem a rosnar contra as instituições.
Tanto é assim que, logo depois do chega pra lá de Toffoli, Bolsonaro enviou uma representação contra Moraes à Procuradoria Geral da República. É mais um documento destinado ao lixo, mas o propósito é o mesmo. O "Mito" quer passar a impressão de que continua a lutar contra forças poderosas que o oprimem e que supostamente oprimiriam o país. Em entrevista ao SBT, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) repetiu as ameaças golpistas do pai.
O bolsonarismo se esforça para normalizar o golpe como uma das consequências possíveis do processo eleitoral. A formulação é estúpida, canhestra, mentirosa: "Tenho a maioria do eleitorado; logo, vencerei as eleições. Se isso não ocorrer, está comprovada a fraude". É estupefaciente, mas é assim. E ele não tem a maioria!
Segundo a mais recente leva de pesquisas Genial-Quaest nos Estados, Bolsonaro perderia para Lula, na Bahia, por 69% a 20%; no Rio, por 47% a 38%; em Minas, por 54% a 32%; em São Paulo, por 47% a 31%. Esses são, em ordem invertida, os quatro maiores colégios. Concentram praticamente 50% do eleitorado. No país como um todo, seria derrotado por 54% a 34%.
Um presidente que respeitasse as regras do estado de direito e os fundamentos da civilidade política tentaria, então, superar a adversidade exaltando as qualidades do seu governo e evidenciando que está no caminho certo. Mas esse, sabemos, não é Bolsonaro. Nada tendo a oferecer aos brasileiros, especialmente aos pobres, tem de inflamar a sua tropa com a exasperação ideológica e com teorias da conspiração na esperança de que a expectativa do confronto e do caos assuste a sociedade.
É pouco provável que imagine que, diante de uma derrota — que hoje se afiguraria como certa, mas a eleição não é hoje —, os generais botassem as tropas na rua, cercando o Congresso e o Supremo, numa quartelada à moda antiga, caindo, então, de joelhos diante de seu capitão arruaceiro. A pantomima que tem em mente segue o roteiro traçado por Donald Trump nos EUA. Consultem os arquivos. Também ele dizia ser impossível a sua derrota, a menos que houvesse fraude. E aquilo resultou na invasão do Capitólio.
Bolsonaro conclama todos os dias os seus seguidores a não aceitar a derrota, tentando arrancar na unha o resultado. Intuo que, nos seus delírios, antevê seus patriotas a invadir o Congresso e o Supremo, com movimentos de arruaça país afora, com Polícias Militares coniventes com a desordem, hipótese em que qualquer dos Poderes, segundo a Constituição, poderia evocar a ação das Forças Armadas, numa interpretação aí sim correta do Artigo 142 da Constituição. Ainda seguindo na hipótese delirante, ele bateria no peito: "A autoridade suprema das Forças sou eu; que seja segundo as minhas condições".
Trump, tudo somado e subtraído, tentou essa saída. Mas o general Mark Milley, o número um das Forças Armadas dos Estados Unidos, mandou o recado: "O comandante supremo aqui é a Constituição". E Biden — que venceu nas urnas e no número de convencionais — teve a vitória reconhecida.
Os setores do capital, diga-se, que ainda dão suporte à reeleição de Bolsonaro deveriam definir desde já quais são os seus limites e até onde estão dispostos a patrocinar o cenário de desastre. O futuro, certamente, lhes seria sombrio. "Mas espere aí, Reinaldo! Bolsonaro ainda pode vencer." Sim, é verdade: nesse caso, o futuro sombrio se daria por outro caminho. Se, podendo concorrer à reeleição, ele apostou no golpismo já nos primeiros meses de mandato, imaginem as escolhas que faria num segundo.
ADVERTÊNCIAS
Havendo ainda alguns sensatos na nau golpista, parece mesmo ser a hora do desembarque. Elizabeth Bagley, futura embaixadora dos EUA no Brasil, foi sabatinada pelo Senado americano nesta quarta. Exaltou a segurança do nosso sistema eleitoral e a lisura, que já tem história, nas disputas. E fez o registro objetivo:
"Ao longo de 30 anos, monitorei muitas eleições. E eu sei que não será um momento fácil, muito em razão dos comentários" -- ela se referia justamente aos comentários de Bolsonaro. E emendou: "Apesar desses comentários, há uma base institucional. O que continuaremos a fazer é mostrar nossa confiança e nossa expectativa de que eles terão eleições livres e justas".
Traduzindo em linguagem não diplomática, Bagley está dizendo que só as eleições justas e democráticas, com a garantia de que o vitorioso tome posse, são aceitáveis. É claro que Bolsonaro não gostou. Ainda na trilha do delírio, no melhor dos mundos para a extrema direita nativa, o "capitão" seria reconduzido ao poder e ficaria à espera da volta de Trump...
CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO
Inteligências respeitáveis dentro e fora das Forças Armadas asseguram que não há a menor possibilidade de os militares se insurgirem contra o resultado das urnas porque, a despeito do injustificado desgosto com a eventual eleição de Lula, reconheceriam a impossibilidade de uma quartelada ter um desdobramento virtuoso, pouco importando o pretexto.
Eu mesmo entendo como remota tal possibilidade. Ocorre que a aposta disruptiva de Bolsonaro, primariamente, nem se volta para os quarteis, como as duas investidas contra Moraes indicam. Ele aposta nas ruas — nas "suas" ruas. Ele está doidinho para ser o "chefe supremo" de Forças Armadas que imporiam a ordem em nome da "vontade do povo". Do povo golpista.
E se ele vencer?
Aí ele terá mais quatro para planejar o golpe contra a democracia, o estado de direito e as eleições.