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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro incita a estupidez golpista e vai a encontro com Biden nos EUA

Bolsonaro discursa na Associação Comercial do Rio: espetáculo de mentiras, truculência, golpismo e grosserias. É o desespero. - Isac Nóbrega/Divulgação Presidência
Bolsonaro discursa na Associação Comercial do Rio: espetáculo de mentiras, truculência, golpismo e grosserias. É o desespero. Imagem: Isac Nóbrega/Divulgação Presidência

Colunista do UOL

09/06/2022 06h51

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Jair Bolsonaro se encontra hoje com Joe Biden na Cúpula das Américas. Na pauta, claro!, há os negócios e coisa e tal. Mas isso, como se sabe, é coisa que a burocracia dos dois Estados acertam. O presidente americano quer falar com o brasileiro sobre dois assuntos indigestos para o "capitão": eleições no Brasil e meio ambiente. O desaparecimento do jornalista inglês Dom Philipps e do indigenista Bruno Araújo Pereira reveste a conversa de especial importância. Há uma evidente má vontade do governo nas buscas. Dispensa-se a caso tão grave uma espécie de atenção burocrática. A Justiça teve de intervir para garantir a infraestrutura mínima necessária às buscas.

Antes de viajar, Bolsonaro estrelou, nesta quarta, um espetáculo grotesco na Associação Comercial do Rio de Janeiro. Anunciou que não pretende seguir decisão judicial da qual discorde; tachou o ministro Edson Fachin, do Supremo, de "marxista-leninista"; chamou Lula de o "Nove-Dedos" e associou o ex-presidente à pinga. No dia anterior, em solenidade no Palácio do Planalto, conclamou os seus seguidores, sem meias-palavras ou cuidados, à revolta. Mais armados do que nunca os inconformados com a democracia já estão.

Na Associação Comercial do Rio, Bolsonaro tratou o Supremo como a fonte de todos os males do país — e se presume que Nunes Marques e André Mendonça seriam exceções — e contou uma mentira. Segundo ele, se o Supremo decidir que o tal marco temporal para a demarcação de terras indígenas viola a Constituição — e viola, como até Augusto Aras reconhece em manifestação já enviada ao tribunal —, o país terá 28% de seu território convertido em reservas, área que, nas suas palavras, seria correspondente às regiões Sul e Sudeste.

E aí incitou a plateia:
"Se aprovar isso, o que é que eu faço? Decisão do Supremo não se discute e cumpre, é isso?"

Parte ficou calada, à espera do que viria, mas os fascistoides, tão exaltados como ignorantes, gritaram:
"Não, não, não!"

E emendou:
"Eu tenho duas alternativas se passar isso aí. Entregar as chaves para [Luiz] Fux ou falar: 'Não vou cumprir'".

E os fascistoides, que certamente gazeteavam na escola, gritaram de novo:
"Aí, aí, aí".

Havia ali uma notável soma de ignorância, truculência, ódio à democracia e desapreço à matemática. Espero que, na relação com os clientes, os mais exaltados nem ludibriem nem sejam ludibriados.

MENTIRAS
Para começo de conversa, as regiões Sul (6,77%) e Sudeste (10,85%), somadas, compõem 17,62% do território brasileiro, não 28%. Os golpistas que babavam seu rancor, obviamente, não sabiam. O bolsonarismo é, antes de qualquer coisa, a ignorância orgulhosa e saliente.

Espalha-se por aí que, caso todas as reivindicações de demarcações fossem atendidas, o país teria, em reservas, a soma dessas duas regiões. Logo, isso representaria um acréscimo de mais ou menos 3,5 pontos percentuais aos quase 14% de hoje. É uma mentira grotesca que haveria um crescimento de 100% nas áreas dos povos indígenas. A expansão seria de, no máximo, 25%. Mas agora vem a questão: quem disse que todas as demandas seriam atendidas? Aliás, isso nunca aconteceu — ainda que seja preciso aprimorar os critérios de demarcações se e quando voltarem a ser feitas.

Nestes quase quatro anos, o governo Bolsonaro optou por estimular a invasão de reservas por garimpeiros e madeireiros.

Um indigenista e um jornalista desapareceram numa reserva já legalizada, que não está "sub judice", mas que vive sob o assédio de invasores. Bolsonaro se limitou a censurar a dupla por ter feito uma viagem arriscada e preferiu, na terça e na quarta, atacar as demarcações.

NOVA DATA PARA A MANIFESTAÇÃO GOLPISTA
Bolsonaro estabeleceu outro, se me permitem, marco temporal golpista: já marcou para 7 de setembro -- daqui a três longos meses -- um novo ato contra o Supremo e contra tudo o que não é... bolsonarismo.

Em entrevista ontem à CNN, o senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um, convocou a rebelião, a exemplo que fizera seu pai na terça:
"O político tem que brigar pela preferência do povo. Não é um membro do Judiciário que tem que brigar por isso. Mas as próprias pessoas estão se vendo motivadas a irem para a rua no 7 de setembro esse ano, exatamente para se somar a esse grito de socorro que o presidente Bolsonaro está dando para a população".

Mais um pouco:
"Me ajude, você está vendo o que está acontecendo com o Brasil. Vamos ter uma democracia que a gente não está tendo hoje. Então, isso que motiva. O que é que dá razão para a pessoa ir para a rua no 7 de Setembro? É o Bolsonaro ou são essas poucas pessoas do Supremo?"

Um senador da República em pregação aberta não contra uma votação do tribunal, mas contra o próprio tribunal.

ENCERRO
Bolsonaro está desesperado. Pesquisas sérias apontam que, se a disputa fosse hoje, Lula venceria no primeiro turno. Não é hoje. O caminho escolhido pelo presidente, contra a orientação de alguns influentes do Centrão, é o da ameaça, da intimidação, do confronto. Os já convertidos urram, deliram, sonham com o assalto ao poder.

Os que conservam algum juízo se afastam e veem apenas a truculência do mau perdedor.

Consta que Biden quer a assinatura de Bolsonaro numa carta da Cúpula em defesa da democracia. Ora, Flávio disse à CNN que não temos mais a dita-cuja. Talvez a "famiglia" tente convencer o presidente americano de que é um golpe é necessário para assegurar "autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo".

O que vai acima, em negrito, está nas considerações iniciais do AI-5, que instituiu a tirania no país, com tortura e morte, já aplaudidas por Bolsonaro.

A "Marcha Sobre Roma" do nosso Mussolini das motociatas tem data: 7 de setembro. A menos de um mês da eleição.

"E se ele estiver na frente, Reinaldo?"

Aí fará um ato ainda mais golpista. Bolsonaro não quer ganhar a eleição para fortalecer a democracia. Seu plano é extingui-la, ganhe ou perca.

Isso, é certo, ele não dirá a Biden.