Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A PEC da Emergência Eleitoral é ilegal. É adequada ao governo fora da lei
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Ao contrário do que diz Jair Bolsonaro, o Poder Judiciário é excessivamente tolerante com os desmandos do seu governo. Vamos ver.
Quando, nesta quinta, o Senado votará — e certamente aprovar — a PEC que Paulo Guedes e sua turma chamavam, no passado, de "kamikaze", um novo umbral da gestão do dinheiro público e de sua manipulação em tempos de eleição estará sendo atravessado. A propósito: enquanto o tema era discutido ontem na Casa, com a votação sendo adiada para hoje, Jair Bolsonaro falava a empresários em evento promovido pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). No que foi claro, o discurso foi vazio. Na maior parte do tempo, foi confuso. Nem poderia ser diferente. A turma perdeu o rumo faz tempo.
Que fique registrado: nunca um governo terá desrespeitado tão flagrantemente a lei, na boca da urna, para tentar se reeleger. E as contas públicas que se danem. Como sabem, Bolsonaro já abriu mão de arrecadação federal e impôs um teto de ICMS para os Estados. Com isso, procurou baixar o preço dos combustíveis na marra. Aqui e ali, já se nota uma queda. Mas ela se dá de altura tal que não muda substancialmente a realidade do consumidor. Não é o suficiente para virar votos, avaliou o Centrão.
Originalmente, haviam pensado na tal PEC dos Combustíveis, que permitiria ao governo federal ressarcir os Estados que zerassem ICMS de gás e diesel. A medida valeria até o fim do ano. Mas aí veio o temor: e se os entes federados não topassem? Imaginem o impacto que teria, em janeiro de 2023, a volta da cobrança do imposto. A bomba cairia no colo dos governadores. E então se concluiu que o melhor era mesmo focar nos benefícios a grupos mais específicos. Foi assim que a PEC dos Combustíveis voltou a ser a "PEC Kamikaze"
O senador Fernando Bezerra (MDB-PE) deu cavalo de pau no texto original do governo, em combinação com o Planalto, e resolveu fazer um pacote estimado em 38,75 bilhões. O texto poderia ser apelidado também de PEC do Desespero. E como esse dinheiro seria gasto? Assim:
- Auxílio Brasil: elevação do pagamento de R$ 400 para R$ 600 mensais e cadastramento de 1,6 milhão de novas famílias. Custo: R$ 26 bilhões;
- "Voucher" Caminhoneiros: pagamento de R$ 1 mil mensais. Custo: R$ 5,4 bilhões;
- Auxílio-Gás: o benefício, que é bimestral, passa de R$ 53 para R$ 112,60 — atual valor (médio) de um botijão de 13Kg. Custo: R$ 1,05 bilhão;
- Transporte gratuito para idosos: compensação aos Estados que implementassem a gratuidade. Custo: R$ 2,5 bilhões;
- Etanol: repasse, por meio de créditos tributários, para a manutenção da competitividade do etanol sobre a gasolina. Custo: R$ 3,8 bilhões.
Destaque-se que, exceção feita à incorporação das famílias ao Auxílio Brasil, todos os outros benefícios são temporários e vigoram apenas até dezembro. Se você ficou com a impressão de que todo esse esforço mira as eleições, está obviamente certo.
Por que Guedes e seus rapazes chamavam de "PEC Kamikaze"? Porque, obviamente, opta-se pela gastança, mandando às favas as contas públicas. Esses R$ 38,75 bilhões estarão fora do teto de gastos.
ILEGALIDADE
Qual é o problema dessa PEC? É ilegal. Fere a Lei Eleitoral, a 9.504. O Parágrafo 10 do Artigo 73 é claríssimo:
"No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa."
Querem alguns que a elevação, ainda que temporária, do valor pago por programas já existentes não seria vetada pela lei, o que me parece uma interpretação licenciosa, para dizer pouco, do texto. Especialmente quando esse suplemento se limita ao ano da eleição. Já o "Voucher Caminhoneiro" é, obviamente, um benefício novo — proibido sem margem para interpretação.
Mas esperem! Voltemos ao texto. Há ali as exceções que permitiram, por exemplo, a criação do "Orçamento de Guerra" da pandemia: calamidade pública ou estado de emergência.
E é o que a PEC relatada por Bezerra vai trazer: a declaração de uma situação emergencial para justificar, então, os benefícios em ano eleitoral. É mesmo? Emergência? Desde quando os caminhoneiros vinham cobrando uma resposta do Ministério da Economia? Convenham: o único que vive em estado de emergência é mesmo Bolsonaro: a emergência eleitoral.
TRUQUE
A declaração da emergência busca blindar Bolsonaro numa eventual ação contra a sua chapa no TSE. Afinal, se a própria lei eleitoral abre a exceção, então que se recorra à dita-cuja.
Isso, no entanto, não quer dizer que o próprio Supremo não pudesse apreciar uma eventual ação contra essa "emergência" picareta, que está sendo inventada apenas para que o governo possa distribuir benefícios, ainda que a título precário, na boca da urna para tentar sair do sufoco eleitoral.
Bolsonaro e sua turma contam, é claro!, que ninguém vá apelar ao tribunal. Se o fizesse, é até possível que a Corte preferisse ficar longe da questão para não ser acusada de interferência excessiva. Mas que fique claro: o conjunto da obra é ilegal. Vai se declarar uma emergência inexistente para distribuir um benefício em busca de votos.
Trata-se de um governo patologicamente fora da lei.
UMA NOTA SOBRE A CEF
Pedro Guimarães foi demitido da Caixa. Para os crimes de que é acusado, se comprovados, a demissão, obviamente, é pouca coisa. Até porque não se trata de punição ou decisão na esfera penal.
É preciso investigar as acusações a fundo. Começam a pulular indícios de que, por lá, todo mundo sabia o que todo mundo sabia. E parece que vigorava a lei do silêncio.
Mais: tudo indica que também Jair Bolsonaro tinha ciência do comportamento impróprio. A ser verdade, não só tolerou como fez de Guimarães seu parceiro de todas as horas.
PARA ENCERRAR
Na conversa mole com os empresários no evento da CNI, Bolsonaro contou que expressou a Joe Biden a preocupação com a presença supostamente excessiva da China na economia brasileira. E teria pedido, então, uma colaboração maior dos americanos. E citou como exemplo desse excesso a participação dos chineses nas privatizações.
Que presidente, neste vasto mundo, trata desse modo o principal parceiro comercial do seu país?
Que Bolsonaro seja o candidato mais votado na categoria "empresários", vamos convir, fala mais sobre os nossos empresários do que sobre... Bolsonaro.