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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro anuncia trapaça para simular participação militar em ato golpista

Eduardo Cunha, candidato a deputado pelo PTB, esteve no palanque com Bolsonaro, que falou em combate à corrupção (!) e anunciou truque para envolver Forças Armadas com o golpismo - Fábio Vieira/Metrópoles
Eduardo Cunha, candidato a deputado pelo PTB, esteve no palanque com Bolsonaro, que falou em combate à corrupção (!) e anunciou truque para envolver Forças Armadas com o golpismo Imagem: Fábio Vieira/Metrópoles

Colunista do UOL

30/07/2022 20h06

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Justamente quando pretende arreganhar os dentes, no que seria uma demonstração inequívoca de poder, é que Jair Bolsonaro, o grande farsante da República, evidencia o seu isolamento — que é crescente também no meio militar. Atenção: ele continua a ser, sim, um elemento perverso e perigoso para a democracia. Por isso a Carta em defesa do estado de direito, que já reúne mais de 500 mil assinaturas, é tão importante. Mas por que afirmo que evidencia fraqueza ao pretender demonstrar robustez? Vamos ver.

Neste sábado, ele participou de um evento político em São Paulo, no Expo Center Norte, que juntou duas convenções partidárias: a Nacional, do Republicanos, e a estadual, do PTB. Assim, somaram-se ao presidente, no mesmo palanque, os cariocas Tarcísio de Freitas e Eduardo Cunha. Um será candidato ao governo do Estado pelo primeiro partido, e o outro, a deputado federal pelo segundo. Na presença de Cunha, o "Mito" teve a ousadia de falar em combate à corrupção... Nota à margem: políticos do Brasil, atenção! Quando o eleitorado do Estado em que nasceram e viveram não lhes der bola, tentem enganar os paulistas. Quem sabe... Vamos à farsa mais recente.

Num discurso em que voltou a contar mentiras sobre a atuação do STF na pandemia, o presidente anunciou que estará presente ao desfile militar do 7 de Setembro em Brasília. É a tradição. Aí, então, ele se referiu ao Rio nos seguintes termos:
"Nós queremos, pela primeira vez, inovar no Rio de Janeiro. Sei que vocês queriam [que fosse] aqui [em São Paulo], mas nós queremos inovar no Rio de Janeiro. Às 16 horas do dia 7 de Setembro, pela primeira vez, as nossas Forças Armadas e as nossas irmãs Forças Auxiliares [PM e Corpo de Bombeiros] estarão desfilando na Praia de Copacabana, ao lado de nosso povo. O nosso Rio de Janeiro, cartão postal do Brasil, um Estado aliado de todos nós, aliado da economia de São Paulo, vamos mostrar que o nosso povo, mais do que querer, tem o direito e exige paz, democracia, transparência e liberdade".

VAMOS ENTENDER A PATUSCADA
O desfile militar de 7 de Setembro, no Rio, sempre se dá no Centro da cidade, na Avenida Presidente Vargas. Bolsonaro é, segundo a Constituição, comandante supremo das Forças Armadas. Ele pode determinar que o ato aconteça em outro lugar? Pode.

Segundo diz, está transferindo o evento justamente para Copacabana, mesmo lugar em que deve ocorrer a manifestação golpista da sua turma. Entenderam a jogada? Como ele já percebeu que sua tentativa de atropelar o processo eleitoral ou de ignorar o resultado das urnas está ecoando cada vez menos entre os militares, estão está forçando a amizade: quer mudar o local do desfile para simular uma adesão ao golpismo que hoje é inexistente.

O bufão está armando uma cena. Seus partidários atacarão o STF e o sistema eleitoral, muito especialmente se as pesquisas continuarem a indicar a possível vitória de Lula, e o desfile dos fardados estaria a evidenciar, então, a adesão dos quartéis à intervenção armada em nome, como é mesmo?, de "paz, democracia, transparência e liberdade".

Observem que, sem querer, ele acaba denunciando que tentou armar o circo em São Paulo. Mas, tudo indica, encontrou resistência. No Estado, as tais "forças auxiliares" (PM e bombeiros) estão subordinadas à Secretaria de Segurança Pública, que tem como titular o general da reserva João Camilo Pires de Campos, que não pertence ao círculo bolsonariano. Uma das estrelas do evento deste sábado foi, obviamente, Tarcísio de Freitas, que disputa os votos da direita no Estado com Rodrigo Garcia, candidato à reeleição.

GOLPES NO GOLPISMO
O golpismo, com as vênias aos que, a exemplo deste escriba, repudiam joguinhos de palavras, andou sofrendo alguns golpes.

Um dos maiores é a adesão maciça de cidadãos dos mais diversos setores à "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito", que já reúne mais de 500 mil signatários. Os indivíduos sem crachá são a sua força principal, mas o fato de reunir praticamente a totalidade da consciência jurídica do país, além de pesos-pesados do empresariado, intelectuais, jornalistas e artistas, dá uma dimensão da abrangência do apelo em favor do respeito às regras do jogo. O texto tem a grande virtude de evitar a politização barata e de pregar o respeito à Constituição. Quem está na contramão?

Há mais. A reunião que Bolsonaro promoveu com embaixadores estrangeiros para atacar o sistema eleitoral no Brasil provocou repulsa no alto oficialato. Há um comportamento que, para essa turma, é anátema: políticos que atacam o próprio país em solo estrangeiro ou a uma audiência, como foi o caso, internacional. "Inaceitável" foi o adjetivo mais ameno.

Ademais, há quatro manifestações recentes muito eloquentes do governo americano em favor do respeito às regras do jogo. Uma delas foi dita de viva voz a Bolsonaro por Joe Biden, que recusou a ajuda pedida pelo presidente brasileiro para vencer Lula. Depois do malfadado encontro com os diplomatas, a Embaixada dos EUA no Brasil divulgou uma nota expressando confiança no sistema eleitoral, posição referendada no dia seguinte por Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado.

Em viagem ao nosso país, o próprio secretário de Defesa dos Estados Unidos, general Lloyd Austin, afirmou na quarta, dia 27, a seu homólogo brasileiro, Paulo Sérgio Nogueira, que o governo Biden espera que o Brasil mantenha a tradição de realizar eleições justas.

Vídeo divulgado pelo governo americano vinha acompanhado do seguinte texto:
"Nossos valores democráticos compartilhados são a pedra angular de nosso forte relacionamento de Defesa, e nos comprometemos a trabalhar juntos pela segurança regional e global".

Para quem não entendeu: um golpe isolaria as Forças Armadas brasileiras, que deixariam de contar com a colaboração de seu principal aliado — ou, ao menos, esta seria drasticamente reduzida. E o mesmo vale para outras duas democracias: a França é parceria no programa nuclear da Marinha, e a Aeronáutica tem uma estreita relação com a Suécia em razão dos caças Gripen.

Releiam o texto: o "forte relacionamento de Defesa" depende de "valores democráticos compartilhados"; estes são sua "pedra angular".

PODEMOS RELAXAR?
Não, não podemos relaxar. Mais do que nunca, agora sim, "o preço da liberdade é a eterna vigilância". O isolamento de Bolsonaro em sua sanha golpista só existe porque há mobilização; porque os que estamos empenhados na defesa da democracia fazemos chegar a todo mundo e a todo o mundo as patranhas golpistas do senhor presidente da República.

Justamente porque não conta com a adesão espontânea — que seria, obviamente, ilegal — à manifestação golpista, Bolsonaro tenta armar a cena, empurrando os militares para participar, de modo forçado, de sua pantomima.

Estamos diante de mais um crime de responsabilidade, segundo define a Lei 1.079, passível de impeachment. Mas, sabemos, isso dependeria da vontade de Arthur Lira. De resto, não há tempo para tanto. Se realmente criar a trapaça para as Forças Armadas participarem de um ato golpista, o presidente também comete crime comum. Bolsonaro incorre nos Artigos 359-L e 359-N do Código Penal, a saber:
Art. 359-L. - Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Artigo 359-N - Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Crimes de responsabilidade morrem junto com o fim do exercício do cargo. Os comuns sobrevivem, e Bolsonaro poder ser responsabilizado por eles posteriormente. É por isso que alguns pistoleiros já falam na criação do senador vitalício...

ENCERRO
O anúncio de Bolsonaro, reitero, evidencia seu isolamento. Pessoas com o seu temperamento e com o seu perfil são ainda mais perigosas quando acuadas.

Não baixemos a guarda jamais.