Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Falha outro golpe fascistoide. Falemos de mínimo e IR do "Guedes sem pinga"
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Um ministro de Estado, como Fábio Faria, e um coordenador de campanha, como Fábio Wajngarten, terem a cara de pau — além da certeza da impunidade — de organizar uma Operação Tabajara como essa do suposto complô das rádios é mais um sintoma do estado miserável a que chegou o Brasil. Um Fábio não tem respeito nenhum pelo cargo que ocupa, embora seja homem de Estado. O outro não está preocupado com a sua reputação. Por alguma razão que só eles podem explicar, meter-se numa conspirata abjeta como a que vimos os qualifica para trabalhos posteriores — sejam quais forem.
Sim, temem a derrota, ou não se exporiam desse modo. Mas, ao mesmo tempo, têm a certeza da vitória, que, por mecanismos vários, lhes asseguraria a citada impunidade. Nem um nem outro são malucos ou rasgam o próprio dinheiro. Sabiam que estavam a oferecer uma denúncia fajuta, sem nenhum fundamento, que seria recusada pelo tribunal. Mas não duvidem que possam lá estar a vibrar entre os seus.
Afinal, expuseram mais uma vez o ministro Alexandre de Moraes à fúria da canalha, obrigando-o a atuar contra o banditismo explícito; inflamaram as milícias digitais — que não procuraram saber detalhes da operação, como sempre, limitando-se a vomitar burrices e indignidades; contaram com o apoio de esbirros surgidos nestes quatro anos, que operam na fronteira do jornalismo com o crime; pautaram por dois dias o debate política com uma farsa, em que Bolsonaro posa de perseguido; forneceram elementos adicionais para, em caso de derrota, o presidente questionar o resultado; viram vazar na imprensa, mais uma vez, muxoxos de militares a reclamar do suposto autoritarismo de Moraes. Vale dizer: a seu modo, a dupla de Fábios conseguiu prestar seus serviços ao golpismo. Nem um nem outro precisam da reputação de democrata.
Como apontei desde o começo, a tese era uma farsa. A tal empresa que faria monitoramento da veiculação da propaganda eleitoral nas rádios não tinha competência para tanto. Entregaram inicialmente uma petição alucinada que falava na veiculação de 100 horas a mais de inserções em favor do PT no Nordeste. A conta é uma estupidez. Com base nessa falácia, pediam a suspensão da veiculação da propaganda de Lula, o que foi recusado por Moraes — é claro! A tal empresa monitora, vejam que coisa!, propaganda da Havan nas rádios. Instados a apresentar provas, a dupla compareceu com um relatório sobre oito rádios — cinco da Bahia e três de Pernambuco. Essas oito, para eles, seriam uma amostra do que teria acontecido em cinco mil emissoras país afora.
Mesmo o levantamento dessas oito, já se constatou, estava errado. O tal algoritmo infalível da Audiency, a que presta serviços à Havan, resta evidente, não presta para esse tipo de coisa. Agora que a barra pesou e que a conspirata será investigada num inquérito, os representantes da empresa admitem falhas. Vejam que coisa: falha no monitoramento de oito rádios!!! E pretendiam a generalização para 5 mil. Só no Nordeste, disseram os Fábios, teriam deixado de veicular 154 mil inserções da campanha de Bolsonaro.
Fraude. Mistificação. Engodo. E havia a certeza de que Moraes não cederia à patuscada.
DE VOLTA À FAMA
Perto dali, uma outra personagem se preparava para, mais de 22 anos depois, voltar a ser notícia. O tal jornalista Alexandre Gomes Machado. Demitido do TSE por assédio moral e político, foi à PF dizer que "desde o ano de 2018 vinha informando reiteradamente ao TSE de que existiam falhas de fiscalização e acompanhamento da veiculação de inserções de propaganda eleitoral gratuita". É uma mentira autodemonstrável.
Fazer esse acompanhamento não é tarefa do tribunal. Foi adiante: disse ter a prova de que a rádio JM Online, por exemplo, deixara de veicular inserções de Bolsonaro, privilegiando Lula. Tiro n'água. A empresária que é proprietária da rádio é ferrenha militante bolsonarista. E a direção da emissora já disse que o PL deixou de entregar o material. A obrigação é do partido, não do tribunal.
Machado, que é jornalista, protagonizou um caso ruidoso em 2000. Inventou uma notícia — também chamada "mentira" — contra Eduardo Jorge Caldas Pereira, que tinha sido secretário-geral da Presidência no governo FHC. Levou o Correio Braziliense, onde trabalhava, a publicar, em manchete, que a empresa DBO Direct tinha um contrato de R$ 120 milhões com o Banco do Brasil para testar um sistema de transmissão de dados, e que, por trás da DBO, havia uma outra empresa, a DTC, da qual o ex-secretário-geral da Presidência fora sócio.
A única verdade era que Eduardo Jorge tinha sido sócio da DTC. Todo o resto era mentira. A tal empresa nem se chamava DBO, mas BDO... E como ele explicou o absurdo? Assim:
"Errei por ter confiado em uma única fonte, sem qualquer documento que garantisse a veracidade do que ouvi. E sem ter procurado checar por outros meios a história contada. Errei por ter me apressado a publicar o que ainda não tinha como comprovar."
Isto mesmo:
1: ouviu uma única fonte;
2: não tinha documento nenhum;
3: não fez trabalho de checagem:
4: não tinha como comprovar o que afirmara;
5: mentiu.
Suponho que, 22 anos depois, os cabelos estejam mais brancos. Mas não mudou de vício. Leia detalhes dessa história aqui.
BOLSONARO
O presidente resolveu convocar chefes militares e consta que lhe passou pela cabeça adiar o segundo turno, não ficando claro com que instrumentos o faria sem um golpe de Estado. Até um deputado do Novo, o tal Vinicius Poit, que gosta de posar de liberal, chegou a defender a tese. Ah, os nossos liberais...
O Centrão não caiu na conversa, e há no núcleo da campanha do presidente quem considere que isso tudo é contraproducente e revela desespero. Bem, revela, é claro! De todo modo, a dupla pode tentar chamar para si um feito: nesses dois dias em que o Datafolha está nas ruas — a pesquisa será divulgada nesta quinta —, discutiram-se bem pouco a desindexação do mínimo (leia-se: reajuste abaixo da inflação) e o fim da dedução no IR de gastos com Saúde, como se estuda nas paragens de Paulo Guedes. Só se falou da sandice golpista.
Alexandre enviou o caso para o inquérito das milícias digitais, no Supremo, de que ele próprio é relator, e também para o Corregedor Eleitoral do TSE e para o Ministério Público Eleitoral. Resta mais do que evidente que, a seis dias da eleição, a dupla de Fábios resolveu criar um "fato relevante" de caráter conspiratório e golpista. Para esses valentes, não bastam todos os crimes que Bolsonaro já cometeu para voltar a ser competitivo.
Estamos diante de uma gente que não respeita nada nem ninguém -- instituições tampouco. Ontem, em evento da Fucape Business School, em Vitória (ES), Paulo Guedes, por exemplo, defendeu o Auxílio Brasil nestes termos:
"Nós estamos botando o dinheiro na veia, é pobre, dá para ele na mão. 'Não, mas ele pode beber'. Você quer monitorar, é o Estado babá? Você vai tomar conta do cara? Você dá dinheiro para mil brasileirinhos, e 999 vão fazer a coisa certa. Um vai tomar uma pinga. Às vezes, até vira presidente".
Muitos dos presentes riram. É claro que fazia uma alusão, que pretendeu demeritória, a Lula. Pois é. O "da pinga" nunca o chamou para ser ministro. Nem FHC, o antecessor, que é "dos livros". Já o amigo do Adriano Magalhães da Nóbrega, o miliciano que era "da pistola", recorreu a seus préstimos. Guedes não foi útil nem ao intelectual nem ao operário. Mas serve perfeitamente bem ao amigo de Adriano. De qualquer modo, ainda que involuntariamente, é um cabo eleitoral e tanto de Lula. Deixem o homem falar!
São truculentos, vulgares, mistificadores, preconceituosos e golpistas.
"E se ganharem a eleição?"
Já respondi na minha coluna na Folha, na sexta passada. Qualquer que seja o vitorioso, o papel dos democratas é atuar na resistência. Se os fascistoides perderem, tentarão dar golpe. Se vencerem, o autogolpe.
Em qualquer caso, fascistoides.