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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Viciado em guedismo, Uzmercáduz não gostou da carta de Lula? Ah, tem cura!

Ministro Paulo Guedes, da Economia, não se deu conta de que o bolsonarismo è droga sintética pesada. O sujeito pode entrar numa viagem e não sair dela nunca mais - Adriano Machado/Reuters; Reprodução
Ministro Paulo Guedes, da Economia, não se deu conta de que o bolsonarismo è droga sintética pesada. O sujeito pode entrar numa viagem e não sair dela nunca mais Imagem: Adriano Machado/Reuters; Reprodução

Colunista do UOL

28/10/2022 05h24

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Li aqui e ali que o tal Uzmercáduz, um senhor que costuma ter certo nojo dos pobres, não gostou muito da "Carta para o Brasil do Amanhã", divulgada por Lula nesta quinta. No texto, o candidato petista alinha 13 diretrizes para o seu futuro governo e reafirma seu compromisso com a responsabilidade fiscal. Explicitamente:

"Já governamos este país. Com responsabilidade fiscal, reduzimos a dívida pública, controlamos a inflação e acumulamos um expressivo volume de reservas cambiais que até hoje são fundamentais para a estabilidade da economia. Essas condições foram essenciais para o Brasil crescer o dobro da média internacional em nosso governo e enfrentar a maior crise financeira mundial da história recente.
A política fiscal responsável deve seguir regras claras e realistas, com compromissos plurianuais, compatíveis com o enfrentamento da emergência social que vivemos e com a necessidade de reativar o investimento público e privado para arrancar o país da estagnação. O sistema tributário não deve colocar o investimento, a produção e a exportação industrial em situação desfavorável, nem deve penalizar trabalhadores, consumidores e camadas de mais baixa renda. É possível combinar responsabilidade fiscal, responsabilidade social e desenvolvimento sustentável -- e é isso que vamos fazer, seguindo as tendências das principais economias do mundo"

O Sr. Uzmercáduz não gostou, é? Então que saia do off e das fofocas do Zap e exiba uma de suas múltiplas caras para dizer o que há de errado no trecho acima.

"Ah, Reinaldo, é que essas palavras são genéricas demais!"

É mesmo? E quais são específicas? As de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes? Por acaso, no começo deste ano, alguém tinha em mente que a dupla imporia, pela via do golpe legislativo, as PECs do ICMS e dos benefícios, ambas escancaradamente ilegais? A propósito: são, vamos dizer assim, a Pietà e o Moisés da responsabilidade fiscal?

Só um presidente elevou o Brasil à condição de grau de investimento. Chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. Tratar o ex-presidente e ora candidato como se fosse uma esfinge a ser decifrada é fruto da má-fé e da pestilência bolsonarista que toma também esses setores. Esse delírio um dia passa. O que mais me incomoda nesse tipo de conversa é o pressuposto, absolutamente falso, de que o governo que aí está é um exemplo de ortodoxia.

SENTIDO DA CARTA
Se o sr. Uzmercáduz não gostou da carta, conviria que explicasse: não gostou por quê? O texto é um compromisso com a democracia, razão por que alguns dos economistas que fizeram história do país -- e não prosélitos de redes sociais -- declararam voto em Lula. Ela não veio à luz para sossegar os radicais da própria convicção. Trata-se de um documento contra a barbárie em curso.

O texto é publicado, note-se, no mesmo dia em que um vídeo no "New York Times" afirma que as eleições no Brasil têm importância para o planeta, não apenas, e isto digo eu, para rapazes pós-espinhas das mesas de operação. O vídeo aponta que 98% dos crimes ambientais no país deixaram de ser investigados porque o governo destruiu os meios para fazê-lo e considera que alguns produtores rurais apoiam o atual presidente porque ele é conivente com o desmatamento.

O agronegócio brasileiro passou a ser o que é hoje nos governos petistas, e isso é apenas um fato. Somou sucessivos recordes de produção e de exportação — o que garantiu o estoque de reservas — à fama justificada de quem buscava o caminho ambientalmente correto. Já no primeiro ano de governo Bolsonaro, os alarmes começaram a soar mundo afora. O agronegócio brasileiro está hoje na mira. A ideia de que o mundo precisa da nossa comida e vai tolerar qualquer estupidez que se faça por aqui é falsa.

Leio no documento:
"O Brasil é um dos mais importantes produtores e exportadores de alimentos do mundo. Para garantir e ampliar essa vantagem competitiva do país, vamos compatibilizar a produção com a preservação de recursos naturais, porque isso é necessário num mundo que enfrenta a crise climática e exige cada vez mais o consumo de alimentos saudáveis. Investiremos fortemente na Embrapa e no financiamento ao agronegócio, aos pequenos e médios produtores e à agricultura familiar e aos assentamentos. Para aumentar a produção sem desmatamento, implantaremos o Plano de Recuperação de Pastagens Degradadas, que somam cerca de 30 milhões de hectares. As taxas de juros serão reduzidas no Plano Safra, no Pronamp e no Pronaf para produtores comprometidos com critérios ambientais e sociais. Vamos reconstruir a Conab e estabelecer uma política de preços mínimos para estabilizar os preços dos alimentos e garantir comida na mesa das famílias. Vamos fortalecer o cooperativismo e a assistência técnica aos pequenos e médios produtores."

Como? Isso é velho e já foi feito? Em grande parte, foi mesmo. Era o tempo em que não havia 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil. De todo modo, não sendo esse o caminho, então há de ser algum. Todos estamos interessados em saber o que sr. Uzmercáduz oferece como alternativa. Há, eu sei, o caminho da doação das sobras de restaurantes e a desindexação do salário mínimo, com que o Paulo Guedes tentou, diga-se, agradar a esse tal aí, criando dificuldades para seu chefe.

A propósito: qual é o plano de governo de Bolsonaro?

O JEITO GUEDES
Por falar nele, Guedes anda inquieto. Acha que ninguém vai perceber ser ele o Michelangelo da economia. Nesta quinta, falou na Associação Comercial de São Paulo. Concedeu depois uma entrevista coletiva em que disparou mais uma de suas generalizações de boteco -- de boteco chique, claro! --, expressando-se com aquela impaciência que os gênios às vezes têm quando dialogam com os simples de espírito. E, sem querer, acabou admitindo que Bolsonaro rouba. Reproduzo:
"Eu, se fosse o Bolsonaro, diria 'tudo que o Lula fizer, eu faço mais, porque nós roubamos menos. Nós não roubamos. Não é isso? Quem rouba não consegue pagar muito. Se você paga um salário mínimo de R$ 1.200, eu pago R$ 1.400. Se você paga R$ 1.400, eu pago R$ 1.500".

Eis o seu plano de governo.

O ministro, que fica furioso com notícias -- como os estudos de sua pasta para desindexar o mínimo e para pôr fim à dedução de gastos com saúde no Imposto de Renda --, resolveu espalhar "fake news" na palestra na Associação Comercial. Inventou que o PT usará o Pix para taxar os pobres. Disse:
"Os economistas do Lula dizem 'o pessoal precisa contribuir para a Previdência. Nós vamos cobrar deles uma contribuição para a Previdência'. Por que não vai perguntar para os economistas do Lula: 'É verdade que vocês vão tomar dinheiro da pessoa que ganha menos que o salário mínimo? Com o Pix é fácil. Alguém vai pagar, alguém vai receber. E aí você pode tributar no Pix os encargos trabalhistas. A cobrança poderia atingir 40 milhões de brasileiros. Eles fugiram para a informalidade, agora você vai persegui-los através do Pix?"

Guedes está mentindo. Essa proposta não existe. Considerando, no entanto, a desenvoltura com que fala dela, é possível que a ideia tenha rondado a sua mente sempre buliçosa.

O bolsonarismo é droga sintética pesada, que a natureza não faz sozinha. É perigosa. Inexiste dose segura. Uma vez consumida, o cara fica doidão. Entra numa viagem e não sai nunca mais.

E, como era de se esperar, anteviu o desastre se Lula vencer porque, disse, as espetaculares políticas deste governo seriam descontinuadas. Aquele cara, Uzmercáduz, deve gostar do Plano de Governo de Guedes, que consiste em sair por aí a demonizar o Lula e a fazer tábula rasa de todas as conquistas do país, inclusive o Plano Real. A história do Brasil se divide em a.G. e d.G: "antes de Guedes" e "depois de Guedes". Huuummm... Faz sentido. Nunca se viu tanta arrogância sem lastro. Aposto que se olha no espelho e vê o "Colosso de Rhodes".

CONCLUO
O sr. Uzmercáduz não gostou do texto? É que andou flertando muito, nos últimos quatro anos, com um ogro candidato a autocrata. Espero que a maioria dos eleitores o force a conviver, de novo, com a democracia.